Diariamente novos estudos são publicados apresentando os impactos das mudanças climáticas, seus desdobramentos e como impactam o dia a dia das populações. Um estudo recente publicado na revista Frontiers in Environmental Science, realizado por integrantes do Laboratório de Ecologia do Ictioplâncton e Pesca em Águas Interiores (Leipai) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em parceria com a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), mostra como eventos climáticos extremos, também conhecidos como El Niño Oscilação Sul (ENOS), afetam a reprodução de peixes na região do Baixo Amazonas.
O estudo aponta que os eventos climáticos e as atividades pesqueiras podem afetar diretamente o desenvolvimento de determinadas espécies de peixes quando ainda são larvas. A pesquisa apontou “Os fenômenos El Niño Oscilação Sul (ENOS) influenciam a precipitação (chuva) e, consequentemente, a dinâmica hidrológica (a evaporação das águas que formam as nuvens e se transformam em chuvas novamente), afetando diversos aspectos da ictiofauna (conjunto das espécies de peixes que existem em uma determinada região), principalmente aspectos reprodutivos”.
Em palavras mais simples, os fenômenos climáticos e meteorológicos, associados às atividades humanas, afetam diretamente o processo de reprodução de pescados. A pesquisa apontou diversas espécies que vêm sofrendo com o problema, dentre elas estão as popularmente conhecidas como: surubim, charutinho, mapará, aracú, pacú entre outros como, pode ser visto na imagem.
O resultados publicados trazem um alerta grave, pois a região do Baixo Amazonas, além de ser um grande centro de produção de pescado, é também uma região com muitas comunidades de várzea e ribeirinhas que dependem diretamente dos peixes para geração de renda e garantia de comida na mesa de milhares de famílias.
O Tapajós de Fato foi à Feira do Pescado, na cidade de Santarém, que é um dos maiores centros de comercialização de pescado na região do Baixo Amazonas, com cerca de 130 feirantes, segundo a administração. Quem respondeu às perguntas feitas pela equipe de reportagem foi o senhor Edivaldo Pereira, 59 anos, morador da comunidade Piracãoera de Baixo, região do Urucurituba. Ele é coordenador da Feira do Pescado e pescador profissional há 40 anos sendo sócio da Colônia de Pescadores Z20.
Foto: Tapajós de Fato
Quando questionado se percebe uma diminuição da oferta de pescados ele responde que sim. "A gente sempre comenta que cada ano, cada ano que passa, têm espécies de peixe que vão diminuindo”.
O pescador desabafa e comenta que a diminuição de pescado ocorre também pela falta de responsabilidade ambiental de quem atua com a pesca e que não respeita o período de “defeso”, que é o momento de reprodução dos peixes, além de haver uma fiscalização ambiental suficiente. “Junto a isso vem o desmatamento desenfreado, essas grandes queimadas, né? Pegamos infelizmente um governo que não deu muita atenção pra isso e hoje nós estamos sofrendo, todo mundo está sofrendo”. A soma de todos os problemas citados influencia diretamente no clima e no ciclo das águas. Seu Edivaldo entende que tudo isso impacta diretamente sua profissão.
Foto: Tapajós de Fato
O pescador lembra ainda que nos últimos períodos de chuvas, a região tem registrado recordes no nível das cheias dos rios e secas mais fortes também. “A cada enchente que vem, os lagos aterram e a gente paga um preço muito grande”. Os lagos são os principais locais de captura dos peixes comercializados nas feiras locais.
Os dados das pesquisas conversam diretamente com a realidade das feiras, seu Edivaldo diz que os feirantes já percebem a diminuição de algumas espécies de pescados que são mencionadas no artigo publicado.
Foto: Tapajós de Fato
A diminuição da reprodução de pescado, além de impactar a economia, acende o alerta para o risco de insegurança alimentar nas comunidades ribeirinhas, pois o peixe é a principal fonte de alimento na mesa das populações locais. Essa possível escassez de peixes preocupa o pescador por conta de seus filhos e netos que dependem diretamente da pesca para subsistência. O lago do Aramanaí, que existe próximo de sua comunidade, um dos maiores da região, vem sofrendo com a diminuição de peixes e também com o fenômeno das terras caídas, fenômeno esse que está resultando em um furo do Amazonas para dentro do lago, “com isso o lago está aterrando e deixando a gente muito preocupado, no ano passado ele secou quase tudo”.
Seu Edivaldo acredita que é um fenômeno natural, mas sabe também que muitas coisas influenciam. “A devastação da floresta, as grandes queimadas e com isso o clima ele vai ficando cada vez mais aquecido a cada dia que passa e nós percebemos isso e deixa a gente meio preocupado”, comentou.
Por conta dessas preocupações, alguns pescadores optam por terem seus próprios viveiros, com apoio de organizações como o grupo de Pesquisa Sapopema, que promove formação educacional e incentiva a conscientização, em nível formal e informal, objetivando a conservação do meio ambiente, o manejo sustentável dos recursos naturais, e a melhoria da qualidade de vida da população da região da várzea.
Foto: Tapajós de Fato
Nesse momento de tantas alterações ocasionadas pelas mudanças climáticas, a universidade tem um papel ainda mais importante para identificar os problemas e propor saídas eficazes para mitigação dos danos que vêm sendo causados pelas mudanças climáticas. A preservação das espécies de pescados perpassa tanto pela criação de políticas de proteção ambiental, quanto pela sensibilização da população na proteção de seus territórios e das espécies locais.