O Conselho de Saúde do município de Santarém realiza a 16ª Conferência de Saúde. O evento ocorre entre os dias 19 e 20 de janeiro, no auditório da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Campus Santarém. Um momento importante em que a sociedade constrói e propõe propostas para melhorar a situação do sistema de saúde a serem implementadas pelo governo municipal. O tema desta edição é: Garantir direito e defender o SUS, a vida e a democracia.
A Conferência de Saúde é um processo de apreciação e aprovação das propostas levantadas pela população nas Pré-conferências, iniciadas em setembro de 2022, sendo realizadas em todas as regiões do município de Santarém. A presidente do Conselho de Saúde de Santarém, Ana Dilma Pereira, explica que “as pré-conferências resultam em relatórios que foram sistematizados e, na Conferência, serão apreciados e sistematizados em eixos temáticos para encaminhar para a gestão municipal, a fim de que sejam direcionadores de políticas a partir das proposta da população”.
Ana Dilma explica que a partir dos levantamentos dos relatórios das pré-conferências, percebe-se que o problema da saúde, em Santarém, é bastante homogêneo. Segundo a presidente do Conselho de Saúde, “as demandas são bem específicas, a nossa saúde está numa situação muito complexa, a gente observou dessas pré-conferências uma demanda geral da atenção básica, inclusive a questão de processos seletivos para Agente Comunitário de Saúde, a gente tem uma quantidade muito pequena para a população”, comentou.
Os relatórios iniciais apontam ainda que há muitas áreas que não são cobertas pelo sistema de saúde do município, “mas há também as especificidades de cada região”, explicou Ana Dilma.
A programação do primeiro dia da Conferência foi preenchida com palestras em eixos temáticos e trabalhos de grupos, que discutiram todas as propostas dos relatórios das pré-conferências, aperfeiçoadas para hoje (20) ter o relatório final.
A conferência é aberta à população, e ainda nas pré-conferências, são escolhidos delegados para representar o povo. Ao todo, foram 284 delegados, desse total, 50% são usuários do sistema de saúde, 25% da classe trabalhadora representada por sindicatos e 25% pelas Secretaria de Saúde, Secretaria estadual de Saúde e Organizações não Governamentais.
Ana Dilma Pereira, presidenta do Conselho de Saúde. Foto: Tapajós de Fato.
A presidenta do Conselho diz ainda que, “o novo mandato ainda está se organizando internamente, estávamos praticamente há 4 anos sem realizar conferência, e um dos principais objetivos, bem como colocar as demandas da população, foi também realizar essa conferencia”. Segundo Dilma, a antiga gestão do Conselho “estava muito nas mídias, mas a questão administrativa não estava muito organizada”, finalizou.
Uma das representantes de organizações que conversaram com a equipe do Tapajós de Fato foi Cláudia Santana, presidenta da Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém. Ela falou da importância de participar deste momento de discutir propostas para melhoria da população. “Nós somos 50% dentro desse debate e nós vemos a importância de participar para fazer articulação e trazendo as necessidades dos nossos bairros, fazemos os levantamentos com as nossas associações e organizações comunitárias”.
Claúdia espera que o relatório da conferência, que será enviado para a gestão municipal, seja de fato considerado, “e que se tornem prioridades para criação de políticas públicas para nossos bairros, tanto em quantidade quanto qualitativamente na nossa saúde em Santarém”, finalizou.
Claudia Santana. Foto: Tapajós de Fato
A saúde mental
A saúde mental, apesar de ser pouco debatida, é mais uma das emergências do sistema de saúde, a psicóloga clínica e social, Rebeca Marinho acompanhou a Conferência e levantou a importância do debate. Rebeca conta que somente com o ápice da pandemia foi que os debates sobre saúde mental passaram a ser maiores. Ela aponta para “a importância do profissional de psicologia dentro as Unidades Básicas de Saúde, que hoje é uma falha, pois a gente não encontra profissionais de psicologia contratados dentro das UBS, muito menos no interior, onde ribeirinhos, quilombolas e indígenas precisam vir para a cidade para ter esse serviços. Isso é uma falha muito grande”, comentou.
Rebeca Marinho, Psicóloga clínica e social. Foto: Tapajós de Fato
Rebeca pontua ainda a baixa participação dos psicólogos na conferência, “aqui a gente vê vários profissionais de todas as áreas, no entanto, ainda são poucos os psicólogos, que vêm pra cá, que sabem que está acontecendo este evento. A discussão é muito maior tanto dentro das plenárias que têm aqui, quanto da nossa própria classe”, desabafa.
A psicóloga Rebeca Marinho ressalta ainda que o trabalho da psicologia vai além de um trabalho clínico, e isso precisa ser percebido por todas as esferas, social e de governança. “A assistência da psicologia ela é muito ampla, ela fica junto com a assistência social, com o serviço jurídico, a escuta, principalmente”. Rebeca Marinho finaliza pontuando que a clínica ampliada é um debate importante que precisa ser mais discutido no âmbito da saúde pública.
O Conselho Estadual de Saúde também participa da 16ª Conferência de Saúde de Santarém, o enfermeiro Paulo Campos que é Assessor Técnico do Conselho de Secretários Municipais de Saúde, palestrou sobre o processo de financiamento do SUS, explicando como ocorre o processo de investimento por parte dos governos Federal, Estadual e Municipal. De uma forma mais macro, ele destaca, “que dentro do Sistema Único de Saúde, um dos eventos são as conferências municipais de saúde, que agregam os trabalhadores de saúde, os usuários do sistema, os prestadores e os gestores, além conselho municipal de saúde, o conselho estadual e o próprio COSEMS”, explica.
Segundo o assessor técnico, a conferência de saúde serve para "direcionar caminhos para melhorar a vigilância em saúde, a atenção básica, serviços de média e alta complexidade de tratamentos, necessidades de leitos, a necessidades de serviços específicos, fortalecimento de campanhas de vacinação e a própria conscientização da sociedade”.
Em relação ao município de Santarém, Paulo Campos explica que tem uma particularidade por atender pacientes de pelo menos 14 municípios, que integram a região do Baixo Amazonas. “Ele é o município sede, determinado município tem uma capacidade de resolutividade e quando eles não conseguem resolver, o paciente é encaminhado para o município de Santarém. Então é de extrema importância essa discussão justamente para que esses serviços sejam contemplados dentro de uma legislação, dentro de um recurso previsto”, explica o enfermeiro Paulo Campos.
A palestra sobre financiamento do SUS na conferência, foi para explicar o que é possível gastar quanto gestão municipal, o que vem do estado e o que vem do Governo Federal, “mas é necessário também que os gestores e a própria sociedade entendam os programas e as legislações do Ministério da Saúde e o que pode ser implantando”.
O assessor técnico explica ainda que precisa haver planejamento, não adianta apenas implementar serviços, mas sem recursos humanos e capacitação técnica para preparar os profissionais, além de desenhar sistemas de logísticas para atender populações de locais mais remotos. Paulo Campos diz ainda que nem tudo que é proposto é contemplado devido às limitações de governanças.
Assessor Técnico do COSEMS. Paulo Campos. Foto: Tapajós de Fato
“A proposta aqui é o fortalecimento não só de Santarém, mas de todos os municípios de menor população a ter pelo menos os serviços básicos, dentro da atenção primária… esses municípios que muitas vezes não conseguem fixar um médico…”, finalizou.
A terceirização do SUS
O SUS é uma grande conquista da sociedade brasileira. O artigo 196 da Constituição Brasileira de 1988, diz que "saúde é um dever do Estado”. O Tapajós de Fato entrevistou Paulo de Tarso, professor de graduação e pós-graduação do curso de Psicologia da Universidade Federal do Pará 9UFPA). Tarso tem uma grande experiência no âmbito de saúde pública, possui Doutorado em Saúde Pública e participou do Governo de Transição de Lula e Alckmin. Ele já foi secretário estadual de Saúde. Paulo de Tarso fala que, “o SUS se tornou uma fortaleza durante a pandemia, mas a cultura brasileira resolveu demonizar o que é público e valorizar o que é privado”.
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Em relação às Organizações de Saúde e as Organizações da Sociedade Civil com Interesse Público (OS e OCIP), Paulo de Tarso explica que elas nem são uma delegação, o Estado não abre mão de sua função, entretanto, a baixa regulação deste serviço, a falta de controle social, a falta de uma discussão de um modelo de gestão mais organizado, e que isso tenha um controle sobre esses serviços que são ditos autônomos, têm prejudicado a população. Tarso continua e diz que em alguns países desenvolvidos, o serviço de saúde é estatal, e não há nenhuma discussão se deve ser privado ou público, porque funciona e tem qualidade.
Enquanto enquanto o Japão possui um sistema estatal de saúde que prioriza a saúde da família, “onde são resolvidas a maior parte das coisas, no Brasil se defende a hospitalização de tudo, até do que não é necessário, tem ainda o enfraquecimento da saúde da família, terceirização, não valorização do servidor público”, comentou.
O ex-secretário de saúde defende que é preciso garantir o SUS previsto na Constituição. “Ele é uma vitória da população brasileira, mas ele precisa melhorar, ele precisa ser melhorado para ser suficiente. A desvalorização do SUS passa por um processo que se trabalha desde a mente das pessoas, muitos alunos da área da saúde entram na formação querendo ajudar as pessoas saem da faculdade com a concepção de ganhar dinheiro e essa mudança ocorre a partir do modelo de educação”.
Para haver mudanças, Tarso explica que o SUS precisa ser administrados pelo serviço público, “tem que ter a valorização dos trabalhadores, um município sozinho não consegue resolver o problema e o governo federal tem que entrar pesado, tem que aumentar o financiamento público federal para que haja uma tração da força de trabalho para que quem está na PJ (Pessoa Jurídica) ou na OS, queira vir para o público” comenta.
Paulo de Tarso em sua palestra na 16ª Conferência de Saúde de Santarém. Foto: Tapajós de Fato.
O SUS tem problemas, e esses problemas não são apenas dos trabalhadores e dos gestores, esse problema precisa ser encarado por toda a sociedade, entendendo que defender o SUS é defender um sistema que protege a vida. É necessário cobrar do Estado que garanta essa proteção, através do financiamento desse serviço. Conferências como esta são importantes, pois é o momento da população contribuir para o fortalecimento desse modelo de sistema de saúde.