Diante da gravíssima crise humanitária que assola a população Yanomami do estado de Roraima, que ganhou o foco da mídia internacional na última semana, o governo do estado do Pará anuncia a criação da Secretaria dos Povos Indígenas do Estado do Pará.
É importante salientar que a realidade da situação dos Yanomami é resultado da invasão garimpeira e da agropecuária na maior reserva indígena do Brasil. E faz parte de uma política genocida iniciada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, de dizimação dos povos indígenas e exploração dos territórios.
O anúncio da criação da Secretaria foi feito pelo twitter do governador do estado, Hélder Barbalho (MDB), na manhã do último domingo (22). Ao se solidarizar com os Yanomami, Hélder diz o seguinte: “Toda a minha solidariedade ao povo Yanomami, em Roraima, que está vivendo uma grave crise humanitária. Pensando na melhor forma de atender às demandas indígenas, vamos criar a Secretaria de Povos Originários do Pará …”, tweetou.
A secretaria é um marco muito importante para a luta dos movimentos indígenas. Contudo, antes de cobrir de elogios o governador do Pará em ser o primeiro a criar uma secretaria como esta, é importante relembrar que ele é o mesmo governador que instituiu o “Dia do Garimpeiro”, 11 de dezembro, no calendário estadual. A data foi instituída no dia 25 de outubro de 2021 através da Lei 9.334.
Trecho do Diário Oficial da União. Foto: reprodução.
A data criada foi alvo de muitas críticas, principalmente por ser o garimpo o principal causador de problemas contra a população indígena do estado. Em sua bagagem, o garimpo traz a violência contra os corpos indígenas, os territórios, a cultura e ao conhecimento milenar guardado pelos povos originários. O que contribui diretamente para o que se vê mundo afora sobre os Yanomami: fome, desnutrição e mortes causadas por doenças tratáveis.
Arte de Helder sobre área devastada por garimpo. Foto: Reprodução Catarine Hak/ Cenarium)
Do outro lado se tem a família do governador toda ligada ao campo político, a mãe, Elcione Barbalho como deputada federal, o pai, Jader Barbalho é senador e o irmão Jader Filho, Ministro das Cidades do governo Lula. Nesse caso, estaria Helder seguindo o exemplo do presidente que criou o Ministério dos povos Originários, seguindo pelo caminho dito por Lula de “governar pelo exemplo”?. Ou a decisão se engloba as estratégias políticas de se aproximar ainda mais do governo federal já pensando nas eleições de 2026, quando Hélder não poderá concorrer novamente ao cargo de governador?
O Tapajós de Fato entrevistou Maial Kayapó, bacharel em direito e liderança indígena do povo Kayapó, no Pará. Ela inicia falando que o estado lidera o ranking e que as terras indígenas são duramente afetadas pelo desmatamento e suas consequências. Além disso, “têm empreendimentos, madeireiras, queimadas, fazendas e todo tipo de violência tanto na questão de direitos humanos quanto na questão ambiental, que violam o nosso direito de ir e vir, o nosso direito de existir dentro de um estado que ainda tem uma imagem de violência. A gente precisa romper e mudar esse contexto”, comentou.
Para Maial, a criação da secretaria é o início de uma reparação para os povos indígenas do Pará. “Estamos contentes pela criação da Secretaria dos Povos Indígenas do Estado do Pará, eu acredito que é o momento de envolver o governo nas ações climáticas, porque não adianta pensar que vamos sediar a COP30 se a gente não conseguir retirar madeireiros, garimpeiros e os grandes empreendimentos das terras destinadas aos povos indígenas”.
“O governo precisa construir e implementar planos efetivos, em todos os níveis, criando planos climáticos com metas e estratégias”, essa é a principal maneira que Maial percebe como eficaz quando se pensa em preservação da Amazônia e proteção aos povos indígenas.
Trazendo um recorte da situação que a Terra Indígena Kayapó passa, Mayal Kayapó conta que, “conforme os dados existe uma degradação muito grande por causa do garimpo e cada vez mais, durante esse período de quatro anos. É o momento do Hélder saber qual a imagem do estado do Pará. Eu, como uma mulher indígena Kayapó, não quero mais um estado tão violento que massacra e condena nossos povos a uma violência constante dentro e fora dos nossos territórios” desabafa.
Apesar de ser um passo muito importante, Maial fala que é necessário “ter cautela”, quando ele criou o Dia do Garimpeiro, “isso reafirmou o que a gente passa dentro dos nossos territórios, precisa mudar esse pensamento que o garimpo gera economia. O garimpo mata! E isso a gente percebe com o que está acontecendo com os Yanomami”.
A secretaria vai ser criada e os indígenas já têm muitas informações para contribuir com a pasta, para se ter as mudanças nas políticas indigenistas no estado do Pará. Mas Maial acredita que “só é possível a gente ter uma agenda positiva na pauta ambiental, ouvindo os povos da floresta, os povos indígenas que estão nas bases. Ouvir e respeitar a posição dos indígenas sobre as florestas e seus direitos”.
A cautela perpassa, segundo Maial, pelo fato de que é necessário garantir a efetivação dos direitos fundamentais, mas afirma: “não queremos uma secretaria só para mostrar que temos uma secretaria, nós precisamos realmente de um plano equitativo, planos que realmente possam atingir quem está na comunidade, que a secretaria possa atingir e envolver todos os povos indígenas do estado do Pará”.
Além do mais, a secretaria precisará atuar levando em consideração o contexto de diversidade cultural dos povos indígenas do estado. “A gente precisa ter uma delicadeza no olhar, um momento de diálogo , porque a gente não pode errar na nossa reparação”, comenta Maial.
Ela ainda acrescenta que, “a secretaria tem que ser um estrutura do Estado que dê segurança aos povos indígenas, que retire os garimpeiros da terra Indígena Munduruku, da Terra Indígena Kayapó, que dê segurança ao povo Parakanã, que possa desenvolver trabalhos sustentáveis que já são feitos pelos povos indígenas”.
Por fim, além de ressaltar que o governo precisa extinguir o Dia do Garimpeiro, Maial Kayapó pontua que a secretaria precisa atuar de forma transversal, dialogando com outras secretarias, envolvendo os municípios, entendendo que muitos municípios apoiam o garimpo, inclusive o governo estadual quando instituiu o Dia Garimpeiro.
Maial Kayapó, Bacharel em Direito. Foto:Reprodução.
Raquel Tupinambá, doutoranda em Antropologia Social pela UNB, presidente do Conselho Indígena do Povo Tupinambá do Baixo Tapajós, também fala a respeito do momento sensível que atravessam as populações indígenas do Brasil. "Nós vivenciamos um momento muito dramático, no Brasil, do século XVI, uma visão capitalista dos territórios que são vistos como um recurso de exploração de minério, madeira, e o territórios serem vistos como espaços vazios para plantação, por exemplo, de soja”.
Raquel ressalta que a criação de espaços dentro das esferas governamentais são políticas de reparação. “É uma luta do movimento indígena que os próprios indígenas falem por si. Nada de nós sem nós”, comenta.
Assim como Maial Kayapó fala da importância de fazer escolhas estratégicas levando em consideração a capacidade técnica dos indígenas, Raquel Tupinambá fala que as escolhas precisam ser técnicas e que os indígenas possuem conhecimento e capacidade para ocupar os cargos da nova secretaria. “E nós temos parentes com graduação, mestrado e doutorado, para além do nosso conhecimento tradicional. Nós conhecemos nossas realidades por estarmos nos nossos territórios, mas temos pessoas com formação técnica capazes de assumir esses espaços de tomada de decisão e que certamente vão fazer a diferença na construção dos espaços e na construção das políticas públicas”.
E é nesse sentido que Raquel Tupinambá fala que esses espaços podem e devem ser ocupados por indígenas, “nós, enquanto movimentos e o Estado enquanto governo precisa ocupar esses espaços e quem deve ocupar esse espaço somos nós, indígenas”.
Além da representatividade étnica, a nova secretaria do estado precisa considerar a representatividade de gênero. Nesse ponto, Raquel Raquel Tupinambá ressalta o protagonismo das mulheres indígenas nas lutas dos movimentos pela garantia dos direitos indígenas. “As mulheres indígenas têm um papel muito importante quando se trata da organização territorial”.
Raquel Tupinambá coordena um conselho que representa 25 aldeias, com cerca de 6 mil indígenas. Foto: Reprodução/Acervo pessoal.
A juventude indígena também é protagonista nas lutas territoriais, que somam o conhecimento ancestral guardado pelas lideranças com a força da juventude e, portanto, devem ter representatividade nos espaços de debates e tomadas de decisão. É importante considerar esses fatores (mulheres e jovens) para colocarmos essas pessoas nesses espaços.