Historicamente, as populações tradicionais, principalmente grupos étnicos como os quilombolas, são os grupos que mais sofrem com os impactos das mudanças climáticas que se juntam aos impactos socioambientais e violações de direitos territoriais, colocando em risco a preservação dos territórios e a proteção desses grupos.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui 5.972 localidades quilombolas. No estado do Pará são 240 comunidades. Nesse recorte estadual, grande parte das comunidades ainda lutam pela titulação de seus territórios, uma vez que são constantemente ameaçados e invadidos.
Por terem o extrativismo e a agricultura familiar como principais atividades de geração de renda, os territórios são preservados, pois as atividades desenvolvidas pelas populações quilombolas geram baixo impacto ao meio ambiente.
Na busca por ouvir quem vivencia no cotidiano os impactos das mudanças climáticas nas populações quilombolas da Amazônia, o Tapajós de Fato entrevistou Jefferson Vasconcelos, quilombola do território de Arapemã, região de várzea, comunidade que fica bem em frente à cidade de Santarém. Jefferson é estudante do curso de Ciência e Tecnologia das Águas e Gestão Ambiental na Universidade Federal do Oeste do Pará, educador ambiental do projeto Escola D’água, vinculado ao projeto Território Transformador e ao Instituto Mureru Eco Amazônia.
Jefferson Vasconcelos fala como está sendo para a população quilombola enfrentar os danos causados pelas mudanças climáticas. "Quando a gente fala em população quilombola que mora nas margens do rio Amazonas, que depende da pesca e da agricultura, estão sofrendo os grandes impactos das mudanças climáticas”. Jefferson cita o fenômeno das terras caídas, que é o processo de erosão que vai consumindo as beiras do rio, chegando a engolir grandes extensões de terras, que se intensificam com a circulação de grandes navios nos amazônicos.
Fenômeno 'terras caídas' pode extinguir comunidade em Santarém, diz Defesa Civil (Foto: Divulgação/Rozinaldo Garcia/Prefeitura Municipal de Santarém).
O educador ambiental alerta ainda que a contaminação das águas pelo mercúrio também contribue para os problemas que impactam as populações quilombolas. Outro grave problema são as secas fortes, que, segundo Jefferson, faz a água ser um problema, “falta água nos territórios e isso é referente ao grande avanço da temperatura”.
Impactos na cadeia produtiva e o êxodo das populações quilombolas
As mudanças climáticas afetam também as cadeias produtivas. A agricultura familiar e a pesca são as principais atividades econômicas dos territórios quilombolas e as mudanças climáticas acabam diminuindo a quantidade de peixes, as caças e impactando também as plantações de milho, feijão, mandioca, que são os principais meio de subsistência dentro dos territórios quilombolas. “Esses danos prejudicam as famílias quilombolas, pois o aumento da temperatura e a dificuldade para acessar água, faz com que algumas plantações da agricultura”, morram, explica Jefferson Vasconcelos.
As mulheres são grandes produtoras de alimentos na agricultura familiar. Foto: reprodução João Paulo Soares.
"Quem acaba sofrendo os problemas somos nós, quilombolas, indígenas, ribeirinhos”, pois, segundo Jefferson, as dificuldades acabam obrigando famílias a migrarem de seus territórios para a cidade ou se inserindo em outros territórios quilombolas por conta dos problemas ambientais e mudanças climáticas. “Afeta a fonte de renda e a família não tem de onde tirar o sustento e o alimento ”.
Mudanças climáticas afetam as tradições culturais e religiosas nos quilombos
Quando se fala na perspectiva cultural e religiosa, às populações quilombolas também são afetadas, Jefferson explica que, “relacionado ao artesanato, biojóias, a tradição religiosa que existe todos anos, festas de santos, que são tradições, muitas comunidades quilombolas já não fazem isso por conta da seca, que é muito grande, e não tem o acesso, e também acabam diminuindo as visitações nas manifestações religiosas”.
Racismo estrutural, ambiental e mudanças climáticas
Um problema liga ao outro, Jefferson conta que as mudanças climáticas estão diretamente ligadas ao racismo ambiental e estrutural, como os territórios não são titulados, acabam ficando mais vulneráveis aos impactos socioambientais causados nas regiões, como é o caso do lixão do Perema, que compromete a qualidade da água e do ar de comunidades tradicionais no entorno, chegando, inclusive, nos territórios quilombolas. “Hoje a gente vive em uma sociedade e acaba sendo esquecido pelo olhar do poder público”, desabafa.
Impacto das mudanças climáticas na saúde das mulheres quilombolas
Em aldeias indígenas, territórios quilombolas, e demais comunidades tradicionais, as mulheres possuem grande protagonismo, elas estão juntas em todas as atividades e acabam sofrendo com doenças como câncer por estarem muito expostas ao sol forte, contato direto com as águas contaminadas e acabam tendo outros tipos de doenças.
A invisibilidade no debate climático e ambiental
Atualmente o debate climático tem sido ampliado em todas as estruturas e camadas sociais. Em 2022, uma delegação da Coordenação Nacional de Quilombos (Conaq), participou das discussões climáticas na COP 27, realizada no Egito. Foi também um momento de fazer denúncia, pois, segundo a CONAQ, quilombolas ainda não são convidados com frequência para participar de debates e apontar propostas de enfrentamento às mudanças climáticas.
Para Jefferson é necessário haver ainda mais participação quilombola nesses espaços de debates ambientais e climáticos. Os movimentos quilombolas podem e devem ocupar mais espaço para reivindicar justiça climática. “A gente precisa estar sempre olhando para frente e olhando também para os lados, percebendo os problemas de racismo ambiental e estrutural para a gente falar de tudo que a gente sofre nos nossos territórios quilombolas”, finalizou.
Parte das delegações da CONAQ e do movimento negro brasileiro estão em Sharm El-Sheikh, no Egito, para a COP27 ???? Divulgação/CONAQ.
A invisibilidade nos espaços de debates faz com que as ameaças sejam ainda mais intensas aos territórios. A Coordenação aponta que 650 quilombos sofrem impactos de grandes empreendimentos e projetos de infraestrutura, o que corresponde a 10% dos territórios.
Para pensar em justiça climática é necessário ouvir e elaborar estratégias de acordo com os problemas que afetam cada grupo social e cada território. As populações quilombolas são também guardiões das florestas que utilizam os recursos naturais de forma responsável, respeitando os ciclos naturais das matas e das águas.
As pesquisas científicas são importantes para entender as dimensões dos estragos causados pelas mudanças climáticas, mas todos os esforços precisam estar em sintonia e o conhecimento tradicional é extremamente necessário na luta por justiça climática.