Perspectivas das populações quilombolas no governo Lula: há esperança para um novo amanhã?

A expectativa do movimento negro e quilombola é que o novo governo, através dos orgãos responsáveis, coloque em andamento os mais de 1.800 processos de regularização de territórios quilombolas que ficaram paralisados ao longo do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022).

24/03/2023 às 11h54 Atualizada em 29/03/2023 às 11h01
Por: Marta Silva Fonte: Tapajós de Fato
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Arquivo pessoal
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No último dia 21 de março (terça-feira), data que marca os 20 anos do primeiro órgão voltado à questão racial com status de ministério e o Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, o Governo Federal realizou uma cerimônia no Palácio do Planalto onde anunciou algumas políticas voltadas para os povos quilombolas. 

 

Na solenidade, o presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva (PT), assinou decretos referentes ao Programa Aquilomba Brasil, que vai promover direitos como acesso à terra, qualidade de vida e cidadania; e que instituem Grupos de Trabalho voltados ao novo Programa Nacional de Ações Afirmativas, Plano Juventude Negra Viva, Cais do Valongo e enfrentamento ao racismo religioso.

 

No entanto, as medidas anunciadas pelo governo ainda estão longe de suprir as carências dessa população que, assim como os indígenas e os ribeirinhos, foram totalmente negligenciados durante o último governo. 

 

O presidente Jair Bolsonaro (PL) estrangulou todo o processo de titulação de terras para quilombolas. Em seu governo, houve reiterados cortes no orçamento destinado para o reconhecimento e indenização de territórios quilombolas, conseguindo travar todo o processo de titulação de terra, secando os recursos para realizar esse processo.

 

Mário Augusto Pantoja de Sousa, atual coordenador da Federação das Organizações Quilombolas (FOQS) de Santarém, relata que a nível nacional “parou tudo, não avançou absolutamente nada nesses quatro anos, pelo contrário, houve até redução de muitas políticas que se tinham avançado”. 

 

Mário Augusto, presidente da FOQS/ Foto Reprodução

 

Dados mostram que no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) existe uma lista de espera de mais de 1.740 pedidos de titulação de territórios quilombolas, sem previsão de conclusão, a nível nacional. Fator que acirra os conflitos agrários nos territórios.

 

Nesse sentido, há uma grande expectativa em relação à atuação do governo Lula nas pautas específicas para essa população. “A expectativa é muito grande do governo Lula em relação às políticas sociais, de uma forma específica para os quilombolas, em retomar principalmente a titulação territorial que é um dos sonhos que temos em relação a essa política pública”, relata Mário. 

 

Uma outra importante reivindicação de lideranças quilombolas é a retomada da efetiva atuação da Fundação Cultural Palmares, responsável pelo reconhecimento das áreas quilombolas. 

 

Dados mostram que no Incra há um número expressivo de processos de reconhecimento de quilombos abertos. De acordo com dados levantados CPI-SP, do total de solicitações, 87% sequer têm o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) publicado, primeira fase dos procedimentos fundiários. O que demonstra que, não só não estão ocorrendo as titulações no ritmo que se precisa, como também os próprios processos estão andando muito lentamente.

 

A lentidão é uma queixa das lideranças dos movimentos quilombolas há muito tempo. Especialistas e militantes concordam que o primeiro governo Lula foi um marco no reconhecimento do direito à terra dos quilombolas. O Decreto 4.887, de 2003, padronizou os procedimentos em âmbito federal, tornando obrigatória a desapropriação e transferindo ao Incra a competência da regularização em definitivo. No entanto, no seu segundo mandato houve burocratização do processo, nesse sentido, vários ministérios e órgãos passaram a ser consultados sobre os processos fundiários.

 

Federação das Organizações Quilombolas em Santarém / Foto Tapajós de Fato

 

Durante o governo Dilma, a situação não foi diferente, para pesquisadores e ativistas a prioridade que o Lula deu para as questões quilombolas, especialmente em seu primeiro mandato, foi muito maior do que a prioridade dada pelo governo da Dilma, tanto nas condições de estrutura física quanto de estrutura orçamentária.

 

Daí a alta expectativa dos movimentos representativos da população quilombola em relação à atuação do governo federal nesse momento. 

 

A expectativa do movimento negro e quilombola é que o novo governo, através dos orgãos responsáveis, coloque em andamento os mais de 1.800 processos de regularização de territórios quilombolas que ficaram paralisados ao longo do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). Hoje há pouco mais de 200 territórios regularizados no país. 

 

O coordenador da FOQS pontua a importância da atuação do movimento quilombola a nível municipal, que mesmo diante da despolítica nacional conseguiu avançar, muito em decorrência da luta das organizações.

 

“Nós entendemos que, a partir do momento que você tem um governo que ele vem com uma ideia de desconstrução [governo Bolsonaro] de uma política, no caso dos quilombolas que era uma política social. Nós partimos para outras buscas, né, então a gente foi para o Estado, a gente foi para o Município, e a gente avançou em muitas coisas: avançou na área da educação, na área da saúde, na construção cultural interna que foi o fortalecimento da cultura… não ficamos parados”. 

 

“Em relação ao novo governo e nossas pautas, dos quilombolas em contexto amazônida, nós estamos trabalhando já isso. Nós temos a intenção de irmos a Brasília, levarmos algumas pautas que ficaram paradas ao longo dos 4 anos do governo anterior, nós estamos discutindo isso com as associações através dos seus presidentes”, pontua Mário Augusto.  

 

Registro de atividade da FOQS no dia da Consciência Negra 2022 / Foto reprodução

 

Mário aproveita para enfatizar que ainda é muito cedo para fazer uma avaliação em âmbito geral, quanto a postura em relação às demandas das populações quilombolas, mas “pelo menos abre-se portas para o avanço”.

 

No seu entender, o que o governo federal vem propondo na teoria é excelente para os territórios quilombolas. Contudo, ele pontua que é muito cedo para se festejar pois tudo ainda é muito teoria, “agora quando vier para a prática, aí sim a gente vai vê os avanços. Aí vamos ter uma avaliação profunda da posição do governo atual em relação aos quilombolas e suas políticas públicas”.

 

“Ainda não dá para dizer tá bom, tá melhorando, não, existem projetos teóricos, né, que ainda estão em andamento. Quando eles forem colocados em prática, aí vamos trabalhar e poderemos dizer: o governo está atuando e tem se preocupado com a população quilombola”, pontua Mário.

 

Cuidar do meio ambiente é também proteger e respeitar os povos originários: quilombolas, indígenas e os povos das florestas que combatem o desmatamento e a degradação ambiental. 

 

Nesse sentido, espera-se que, de fato, os objetivos apresentados na íntegra do Programa Aquilombar como: garantir a regularização fundiária; fortalecer a educação escolar quilombola; promover a proteção prioritária dessa população, entre outros, esteja realmente na pauta prioritária do governo, e como o senhor Mário pontuou, não seja só bonito na teoria e sim, que seja efetivo na prática. 

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