Quinta, 05 de Dezembro de 2024
Reportagem Especial Impactos

Produções agroecológicas estão ameaçadas pela expansão do agronegócio no Oeste do Pará

“Nos se sentimos ameaçados, pois a contaminação por agrotóxicos cada vez mais se aproxima das nossas casas e das nossas plantações”, comenta a agricultora Veralicia Pereira.

30/03/2023 às 15h50 Atualizada em 11/04/2023 às 18h42
Por: Darlon Neres Fonte: Tapajós de Fato
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Foto reprodução
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Os agrotóxicos são produtos utilizados na maioria das vezes pelo agronegócio para matar pragas, e acabar com plantas invasoras que podem prejudicar o desenvolvimento de uma plantação. Apesar dos benefícios para o agronegócio, os agrotóxicos são extremamente nocivos para os seres vivos e podem desencadear contaminação e poluição do solo, água e até mesmo do ar.

 

O solo das regiões onde se pratica e se coloca é frequentemente exposto aos agrotóxicos. Essa contaminação pode ocorrer em razão da aplicação direta dos produtos nas plantas ou, então, por intermédio da utilização de água contaminada e do contato com embalagens descartadas incorretamente.

 

Como o solo é capaz de reter grande quantidade de contaminantes, com o tempo, os agrotóxicos fragilizam e reduzem a sua fertilidade. Eles também podem desencadear a morte de micorrizas, diminuir a biodiversidade do solo, ocasionar acidez, entre outros problemas.

 

A contaminação ambiental por agrotóxicos causa consequências graves ao meio ambiente e também aos seres humanos.

 

O ar também é exposto aos agrotóxicos, que podem ficar em suspensão. Esses produtos na atmosfera podem desencadear a intoxicação de pessoas e de outros organismos vivos que respiram o ar contaminado como as plantas que sobrevivem ao redor dos campos de soja.

 

As águas também são frequentemente contaminadas por agrotóxicos. Segundo o IBGE, a contaminação dos rios por esses produtos só perde para a contaminação por esgoto. Nesse caso, rios e lagos podem entrar em contato com o produto mediante o lançamento intencional e por escoamento superficial a partir de locais onde o uso de agrotóxicos é realizado.

 

Histórico da chegada do agronegócio em Santarém

 

O agronegócio chegou em Santarém no final da década de 90, quando muitos fazendeiros de outras regiões vieram em busca de terras mais baratas para o cultivo de grãos, principalmente o arroz, a soja e o milho. Nos primeiros anos foram plantados apenas milho e arroz, em seguida, iniciou-se o plantio da soja no planalto santareno e logo a Cargill se instalou em Santarém, destruindo um lugar histórico e com belezas naturais: a praia da Vera Paz.

 

A multinacional com sede nos Estados Unidos, tem como principal área de atuação o comércio internacional de grãos e é a maior exportadora de soja do Brasil, levando em seus navios não somente soja, mas também a história de um povo.

                                       Porto da Cargill em Santarém / Foto: Reprodução

 

Os impactos do agronegócio na região

 

Não é fácil ser pequeno agricultor de alimentos orgânicos na Amazônia. A falta de infraestrutura de transportes e a distância dos grandes centros consumidores impõem desafios logísticos grandes ao tamanho da maior floresta tropical do mundo. Para piorar, nos últimos anos a expansão desenfreada da fronteira do agro e da agropecuária tornou mais comum uma prática contra a qual esses pequenos produtores não têm defesa: o despejo de agrotóxicos em grandes áreas de soja na região do planalto de Santarém, que envenena cada vez mais as plantações das famílias próximas a concentração dos campos de soja e a vegetação nativa. 

 

A agricultura familiar na Amazônia é essencial para manter a floresta de pé e ajudar na regulação do clima no planeta, conforme já reconheceu o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) das Nações Unidas.

 

Na Amazônia, esse papel é feito por produtores, cooperativas e associações, que produzem com técnicas ancestrais aperfeiçoadas ao longo das gerações.

 

Em 2015 a agricultora familiar Selma Ferreira criou a AMABELA- Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Belterra, hoje conta com cerca de 45 integrantes, que cultivam em seus quintais uma grande variedade de alimentos orgânicos.

 

                                    Mulheres da AMABELA Foto: Bob Barbosa

 

A cidade de Belterra, está localizada no oeste do Pará, a cerca de 40 Km de Santarém e tem aproximadamente 17 mil habitantes, e é um lugar que tem parte de seu território ocupado pela Floresta Nacional de Tapajós, unidade de conservação onde vivem comunidades tradicionais, e a outra parte é dominada por lavouras de soja, em áreas pulverizadas com agrotóxicos.

 

No processo do avanço da soja em Belterra, muitos agricultores familiares venderam seus lotes e passaram a habitar terrenos menores, mais próximos da área urbana da cidade. Outros permaneceram em seus terrenos, mas cercados por grandes cultivos da soja. As mulheres da Amabela são a resistência contra o uso de agrotóxicos, atuando no cuidado com o meio ambiente e com o empoderamento feminino.

 

No coração de toda essa história, encontramos a dona Veralicia Pereira, atual presidente da Amabela e produtora orgânica.

 

Sobre sua produção, a agricultura relata que: “a produção da Amabela é bem diversificada, têm os quintais produtivos, temos a farinha, macaxeira, galinha caipira, plantas ornamentais e medicinais, os artesanatos, a produção processada, e nós somos da agroecologia”. 

 

A produção agroecológica é de forma orgânica, sobre o valor que isso tem, dona Veralicia responde.

 

“Pra nós é bem significativo por ser uma produção sem contaminação, sem agrotóxicos, então é um valor bem significativo pra todas nós, trabalhar com agroecologia pois ela é vida, uma alimentação saudável na mesa para nossa familia”.

 

Veralucia Pereira Foto: João Fotógrafo

 

Diante das ameaças de perder o selo de produção orgânica, por conta da contaminação por agrotóxicos que fica próximo a seu quintais, a agricultura comenta.

 

“Nós nos sentimos ameaçadas, pois a contaminação por agrotóxicos cada vez se aproxima mais das nossas casas, dos nossos terrenos, e nós sabemos essas ameaças são bem prejudiciais a saúde, então a gente fica preocupada por não usar agrotóxico nas nossas plantações, mas como aqui na área de Belterra, principalmente o uso do agrotóxico, é bem forte, cada vez que a gente olha ao redor do nosso território a gente vê que tá aumentando ainda mais a cada ano, é bem preocupante para nós, que trabalhamos com a agroecologia a gente se sente muito ameaçado".

 

Com o tom de voz preocupante e ao mesmo tempo cheio de esperança, Veralicia comentou.

 

“E ficamos nos perguntando o que fazer? Para combater né, essas ameaças para que pelo menos eles diminuam mais o uso do agrotóxico nas plantações deles e isso nos preocupa bastante. Para o assentamento a gente estava um pouco despreocupada porque pra lá não existia essas plantações. Mas hoje nesse ano de dois mil e vinte e dois né? No início de dois mil e vinte e três a gente vê que aqui na área do assentamento já aumentou muito o desmatamento. E está começando a abranger pra cá a plantação de soja. Então nesse ano de dois mil e vinte e três já aparece, né? Plantações

de soja, de milho e o uso fortemente do agrotóxico na nossa região de áreas de assentamento”.

 

A agricultora familiar lamenta ainda sua preocupação com o futuro do seu território.

 

“Então isso é bem preocupante para de que forma combater? De que forma reagir? Como vão ficar nossas plantações aqui no assentamento? E a nossa família? Os nossos filhos, nossos netos. Ingerindo esse ar contaminado, a doença se aproxima principalmente do câncer que cada vez aumenta mais no nosso município, e a gente fica perguntando até quando? Até quando nós vamos aguentar? O que fazer? Que solução tomar?”.

Pulverização na plantação de soja / Foto: Divulgação

 

 

Os impactos nas plantações já se percebe bastante no aumento dos insetos, que invadem as plantações e com isso vai ficando difícil ter uma produção de qualidade, e outro ponto são os animais que são tirados da mata, pois vão ficando sem alimentos e atacam a produção, principalmente quem planta milho, arroz até mesmo a mandioca e macaxeira.

 

Os pássaros vêm e atacam para se alimentarem, porque eles precisam, e como na mata, na floresta já existe pouco alimento para eles, então eles vão comer a produção dos agricultores familiares. Sobre isso, Veralicia relata.

 

"Muitas vezes como a agricultura familiar é um roçado pequeno, a gente não consegue fazer uma plantação muito grande e às vezes os macacos, os papagaios, eles acabam devorando tudo, os macacos quando eles chegam numa roça de milho eles comem muito rápido. Às vezes a gente não consegue nem colher porque eles começam a comer. Então a gente fica assim se perguntando: vão tirar as florestas, tirar a vegetação, tirar a alimentação dos pássaros e dos animais que sobrevivem das frutas que a natureza oferece. Então esse impacto aqui na área do assentamento é bem forte”. 

 

Outro problema são as vendas de terra, a ameaça que leva a perda do território, sobre isso a moradora relata como essa prática criminosa vem acontecendo na região.

 

“Os compradores de terra estão vindo fortemente para área do assentamento por ser uma área de terra bem produtiva, então eles estão vindo oferecendo uma quantia em dinheiro, e tem gente que acaba caindo achando que é um bom dinheiro e na realidade não, porque acaba vindo pra cidade e famílias grandes acabam gastando todo o dinheiro e acabam  passando necessidade na cidade”.

 

Esses são os principais problemas apontados por quem sofre diretamente com a atuação devastadora do agronegócio na região, principalmente em Belterra. Além desses impactos no solo, nas florestas, nos animais e nas pessoas, o ar também é contaminado, muitas vezes fazendo com que o vento leve para longe a contaminação por agrotóxicos.

 

Com tudo isso, nem as formas que vão contra essa destruição e surgem como alternativas boas, como a agroecologia e a prática de plantação orgânica, acabam escapando dos rastros de destruição que o agronegócio tem deixado na região.

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