Quinta, 05 de Dezembro de 2024
Reportagem Especial Coragem

Amazônia, um território em disputa: as dificuldades enfrentadas pelos agentes que lutam em defesa da floresta, das águas e das populações

“Devido a tanta devastação na Amazônia [...] a luta também é sentimental [...] eu sou uma mulher extremamente indignada”, afirma Ivete Bastos.

05/04/2023 às 16h55
Por: Marta Silva Fonte: Tapajós de Fato
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Guardiões do Bem Viver
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De Chico Mendes, décadas atrás, a Bruno e Dom, mais recentemente, passando por Dorothy Stang, casos mais conhecidos, inúmeros são os casos de assassinatos de lideranças, ativistas, ribeirinhos, indígenas, jornalistas e ambientalistas que agem em defesa da floresta, das águas e da vida na região amazônica. 

 

Para além dos casos que culminam em morte, maior ainda é o número de ataques, ameaças, perseguições, coações, e etc. Casos de violência física e psicológica, que, na maioria das vezes, seguem sem solução eficaz, mas que todos sabem, são encabeçados por madeireiros, agropecuaristas, sojeiros, mineradores, pescadores ilegais e etc. 

 

Realidades decorrentes de um processo de desenvolvimento, proposto (e financiado pelo Estado) e desenvolvido na região, que não leva em consideração as populações tradicionais e que explora e degrada recursos naturais e recursos humanos, inviabilizando a manutenção da vivência daqueles que aqui sempre estiveram (ribeirinhos e indígenas).

 

Nesse cenário, inúmeros são os movimentos sociais que encabeçam diferentes lutas em prol da sua terra, do seu território, da sua cultura, do direito à água, ao seu modo de vida e, em muitos casos, direito à vida. 

 

Logo, casos como o do seu Oswaldo, morador da comunidade de Retiro, no Projeto de Assentamento PAE Lago Grande, que teve de abandonar sua casa e sua terra devido ameaças a sua integridade física, não são casos isolados. Ao contrário disso, são casos recorrentes. 

 

Em conversa com o Tapajós de Fato, seu Osvaldo relata que em 2021 teve que abandonar sua comunidade. “Sempre estivemos à frente do movimento, desde de 2005, desde a criação do Assentamento[...] E a gente sempre esteve à frente da defesa do território, tanto na preservação quanto na conservação né, contra os madeireiros, contra o desmatamento ilegal, caçada ilegal, a gente discutiu isso muito né. E por conta disso - por ser linha de frente e por representar a Feagle lá dentro - eles entenderam que a gente estaria proibindo, fazendo denúncia [...] e por conta disso a gente sempre foi alvo de ameaças”. 

 

Ele, que já fez parte da diretoria da Feagle por dois anos, já fez parte da coordenação da associação da comunidade, e já foi coordenador da comunidade de Retiro lá no Lago Grande, se viu em 2021, em um caso de violência extrema. “Dia 06 de julho de 2021, eles deram dois tiros de espingarda cartucheira na porta de casa”, relata. 

 

Para as populações tradicionais, defender seus modos de vida e a floresta não é escolha e sim necessidade. Sempre invisibilizados por um projeto de expansão e desenvolvimento que exclui a sua existência e que degrada, contamina, explora e destrói, lutar não é MAIS uma opção, é a ÚNICA opção.

 

Inúmeros são os casos de violência a defensores da floresta e das populações na região do Baixo Tapajós e em toda região amazônica. Mais recentemente, Maria José Caetano Maitapu, indígena do povo Maitapu do Alto Rio Tapajós e atual presidente da Associação Tapajoara; Auricélia Arapium, indígena do Povo Arapiun e coordenadora do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA); e Maria Ivete Bastos dos Santos, presidenta do Sindicato de Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR); Edilson Figueira vice-presidente do Sttr de Santarém, também foram alvos de ameaças. 

 

Eles foram citados em áudios que circularam em grupos de whatsApp com ameaças a lideranças indígenas da região. Em um dos áudios, um homem diz “eu falei pra ela que se ela não cumprisse com a palavra dela, eu ia meter um projétil no miolo dela pra ela respeitar”, segundo informações esse aúdio seria direcionado a Maria José Maitapu. 

 

Casos como os citados acima, revelam a situação de insegurança que líderes comunitários e sindicais, bem como, qualquer outro agente que esteja à frente de lutas em defesa do território e da floresta, e contra os grandes empreendimentos, vivem.

 

Maria Ivete Bastos dos Santos, presidenta do Sindicato de Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR), que já viveu por mais de dez anos protegida por escolta armada - durante sua primeira estada à frente da direção do STTR - ao falar das várias dificuldades que as lideranças na região passam, ela cita para além das violências (físicas e psicológicas) o desmonte das organizações e dos sindicatos, desmonte organizacional e financeiro, bem como, o aumento da corrupção (principalmente em órgãos governamentais e de segurança) e da ganância. 

 

“O que é o nosso inimigo mesmo e até tem procurado interferir nas nossas lutas [...] são aqueles que vêm a partir do agronegócio, da exploração madeireira - que historicamente a exploração ilegal da madeira deixou esse local destruído mesmo dentro das áreas de Assentamento como é o Ituqui, Bueru, Tapera Velha, Corta-corda, antes Moju I e II era Santarém até 2012 depois passou a fazer parte de Mojui dos Campos, mas todas essas áreas foram palco de muito conflito, de ameaça de morte. Então já se tem um passado onde eu vivi muito tempo sob proteção armada, por causa dessa luta enfrentando latifúndios e eles atuavam em todo território”, relata Ivete. 

 

Ela, recentemente alvo de novas ameaças, com anos de luta em defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais aponta a falta de implementação de políticas públicas em áreas de assentamento, como um dos principais estímulos para que a região viva sempre em intenso conflito.

 

“Nos anos 2000 a implementação do Porto da Cargill em Santarém foi intensificando, porque[...] incentivou que os sojicultores viessem para a nossa região, com a ajuda do governo municipal da época. Então isso aí, foi fazendo uma disputa em nossos territórios. No planalto, inúmeras comunidades faziam a agricultura familiar e essas comunidades foram extintas e deram lugar à soja [...] e ninguém nunca fez um estudo das causas, onde uma das causas foi a falta de implementação de políticas públicas, como bem a questão da própria documentação da terra”. 

 

Casos como o do seu Osvaldo, que seguiu todos os protocolos de denúncia e teve acompanhamento jurídico, e que mesmo assim nem chegou a ser investigado a fundo, são a maioria.

 

“Essa lentidão da justiça só piora a situação. Agora está tudo sendo destruído lá [no território], porque os que estão lá têm medo”, diz seu Oswaldo. 

 

A organização Terra de Direitos, que acompanha lideranças comunitárias por meio do assessoramento jurídico e político, em entrevista ao Tapajós de Fato pontua que as violências e violações contra defensores e defensoras no território são variadas.

 

“A violência contra defensores e defensoras de direitos humanos ocorre de maneiras variadas: desde a ameaça até a violência física, mas também com processos judiciais sobre conflitos territoriais e outros. Nem sempre o sistema de justiça está coerente com a aplicação de direitos humanos, por tanto a justiça também atua como agente de violência contra defensores e defensoras de direitos humanos”, pontua Pedro Martins, assessor jurídico popular e coordenador do Programa Amazônia da Terra de Direitos.

 

Encabeçar a luta em defesa de uma população já tão fragilizada, explorada e, no caso dos territórios indígenas, dizimadas, para muitas organizações, ambientalistas, ribeirinhos é objetivo de vida e como pontua Ivete “o que seria desse povo e dessa região se não existisse quem luta?! 

 

“Devido a tanta devastação na Amazônia [...] a luta também é sentimental [...] eu sou uma mulher extremamente indignada”, afirma Ivete Bastos.

 

“A gente sabe que uma das grandes dificuldades, também, é isso. Correr atrás como liderança e não ter uma resposta para o que a gente objetiva, que é colocar um basta na exploração ilegal de madeira, que é colocar um basta na questão de tanto veneno porque o agrotóxico está sendo colocado 24 horas na nossa atmosfera, no ar, no rio, no nosso prato por meio da nossa comida [...] Eu não me incomodo com a mira na minha cabeça, se é arma, se é isso, se é aquilo. O que me incomoda é o que ameaça a nossa luta. O que ameaça a nossa resistência [...] nós já tivemos lideranças que desistiram, que se sentiram desestimuladas pelo medo, isso é normal, é pra ter medo mesmo porque a gente não é de ferro, a coragem ela vem acompanhada pelo sentimento do medo”, pontua Ivete.

 

Nesse cenário, hoje, há a possibilidade de se estar vivenciando mais um caso. Edilton Vilhena, Presidente da ACONQUIPAL, Associação quilombola do quilombo de Pacoval, em Alenquer, uma importante liderança, de uma atuação eficaz à frente de uma organização de classe, está desaparecido desde o último dia 30 de março. As investigações ainda não revelaram o paradeiro de Edilton, nem os motivos do seu desaparecimento.

 

Mas já é sabido a notória relevância do líder quilombola na região. A frente da Associação, que segundo relatos ele reergueu após assumir a liderança, Edilton vinha articulando progressos e melhorias para o território quilombola e para a sua população.

 

Os alvos são sempre esses, pessoas que proporcionam mudança, que se tornam vozes de uma coletividade, que encabeçam a luta e que são referência para os seus pares. Pessoas, que mesmo com medo - como conta dona Ivete e seu Osvaldo que seguem na luta - não param. Não desistem. 

 

Segundo dados da Terra de Direitos, no Baixo Tapajós, “o território que mais concentra agentes violadores de direitos humanos, sejam públicos e privados, associados à exploração da terra e das pessoas, é o PAE Lago Grande”. 

 

Mesmo perseguido, tirado de sua terra e de seu lar, seu Osvaldo fala com orgulho da sua atuação em defesa daquilo que acredita e enche a boca (como diz o dito popular) para dizer que “eu sigo contribuindo”. E Ivete, que mesmo com o histórico de vida, segue à frente do STTR, colocando seu rosto e sua voz para estampar o grito de muitos. 

 

Denunciar o sistema que oportuniza e, de certa forma, incentiva essa realidade conflituosa na Amazônia é necessário. Assim como denunciar a ineficiência de governos municipais e estaduais em atuarem no enfrentamento a esses conflitos. 

“O que há na verdade pela via do poder executivo é o Programa Estadual de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, que mesmo com precariedades, é um dos poucos mecanismos à disposição pelo poder público para apoiar lideranças ameaçadas”, relata Pedro Martins.  

 

É necessário e primordial, também, contar essas histórias de luta e resistência de um povo que como o diz o trecho da música ‘Apesar de Você’ de Chico Buarque “Amanhã há de ser outro dia/ eu pergunto a você onde vai se esconder [destruidores da floresta e da vida das populações] da enorme euforia [da luta do povo]/ como vai proibir quando o galo insistir em cantar…”, grifo nosso entre colchetes.

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