Potencializar as vozes das periferias da Amazônia e fortalecer as lutas dos territórios, esses são os objetivos do Projeto Telas em Rede, que realiza a 2o edição no Baixo Tapajós, em bairros periféricos de Santarém. A primeira etapa é no bairro Pérola do Maicá, e a segunda é no Vista Alegre do Juá, territórios que são fortemente afetados por grandes empreendimentos e que possuem histórias de resistência em defesa do seu povo, da floresta e do rio.
Os dois bairros receberão oficinas de comunicação popular com foco no audiovisual durante o período de março a junho, e além de teoria terão muita prática, ao final da vivência em cada bairro os moradores irão produzir filmes sobre aquilo que vivenciam nas suas regiões.
A primeira vivência já está acontecendo no bairro Pérola do Maicá, em Santarém que vive em contexto de construção de projetos portuários, dentre outras ameaças que impactam socio e ambientalmente. O Educador Popular (Fase) e coordenador do projeto Yuri Rodrigues, explica sobre a importância da escolha do território para iniciar as atividades, “O bairro está inserido em contextos de pressão do mercado imobiliário, avanço do mercado agroexportador, dentre outras ameaças orientadas por interesses privados do grande mercado que desconsidera quem vive nesses territórios e entende a região apenas como mercadoria”.
O Telas em Rede busca democratizar o acesso ao audiovisual trazendo, principalmente, a juventude para o debate sobre os assuntos, a exemplo do o Racismo ambiental, que afetam seus territórios, fazendo com que através da comunicação popular eles possam contar suas vivências a partir das suas próprias narrativas, sendo protagonistas das suas próprias histórias, mas também visibilizar as potencialidades que existem na periferia.
“Pra mim, esse encontro tem sido muito gratificante, porque a gente também tá discutindo sobre essas questões socioambientais, e o principal impacto que a gente vem lutando é desses projetos de portos que estão querendo se instalar aqui no território, e vai impactar principalmente os pescadores e nós também enquanto comunitários, enquanto produtores e agricultores familiares, e a gente enquanto juventude tem se organizado e vendo como a gente se soma nessa luta” afirma William Victor, que direciona o departamento de juventude da Associação dos Moradores do bairro Pérola do Maicá (AMBAPEM) e é participante do projeto Telas em Rede.
DEMOCRATIZAÇÃO DO AUDIOVISUAL
As oficinas são construídas por comunicadores e educadores populares amazônidas da região do Tapajós e Arapiuns, pensando sempre em desenvolver atividades que se encaixem no cenário das periferias da Amazônia. Por isso, são utilizados os próprios celulares dos participantes adaptados com ferramentas acessíveis para que eles consigam produzir materiais de comunicação de onde eles estiverem com os seus próprios equipamentos.
A democratização da comunicação em territórios amazônicos, principalmente nas periferias, é o que o Telas em Rede busca disseminar com o projeto, principalmente, para que os moradores se sintam capacitados para desenvolver produções audiovisuais, e mostrar a partir das suas próprias vivências o que acontece nos seus bairros, fazendo com que a comunicação se torne aliada na luta em defesa dos seus territórios.
O BAIRRO PEROLA DO MAICÁ
O bairro Pérola do Maicá está localizado em área periurbana composta por terra firme, que configura a parte urbana do bairro, e outra rural, destacando a área de várzea com acesso por meio do lago do Maicá, importante ecossistema que desempenha papel fundamental na vida dos moradores e na manutenção da fauna e flora. A população do bairro é composta por agricultores, pescadores, agroextrativistas, quilombolas, indígenas e ribeirinhos que mantêm dinâmicas produtivas relacionadas à agricultura familiar, à pesca artesanal e ao turismo de base comunitária. Mas, vem sendo ameaçado pelo agronegócio e a expansão de projetos logísticos portuários para o escoamento de commodities, especificamente a soja.
O processo organizativo se dá por meio da Associação de moradores do bairro Pérola do Maicá - AMBAPEM, que tem a função de lutar por melhorias dos equipamentos e serviços públicos, além de desenvolver projetos que fortaleçam alternativas ao modelo desenvolvimentista, valorizando os potenciais econômicos locais, culturais e de proteção do meio ambiente.
O modo de vida dessas comunidades está em risco por um desejo alheio às necessidades delas: a busca por um caminho mais curto para a soja brasileira sair do país. Com a construção do porto, seria possível diminuir em cerca de 800 quilômetros o trajeto feito por terra pelos grãos que saem do Mato Grosso e, atualmente, necessitam passar pelo Porto de Santos. A alternativa de passar pelo Porto do Maicá, em Santarém, encurtaria em sete dias o tempo que os barcos levam para chegar à Europa.
O porto é parte de uma série de projetos com o mesmo objetivo: escoar a produção agrícola brasileira para o mercado internacional. Mas, esse é um “desenvolvimento” para os outros, porque irá impacta negativamente o lago do Maicá e afetará também o modo de vida das pessoas.
Um dos principais impactos está na alteração da água, pelo aterramento e escavação que se faz durante o processo de construção dos empreendimentos às margens do lago afetando também diretamente sobre a pesca, no qual tem provocado a diminuição das espécies já que não há medidas para preservação dos peixes, que é responsável pela sustentação dos moradores da região.
Os efeitos do processo de urbanização no bairro tem gerado o processo conhecido como gentrificação, que “expulsa” os moradores de bairros periféricos para dar lugar a áreas nobres, favorecendo a privatização de áreas de uso coletivo, a expropriação de moradores do bairro para lugares mais distantes, além de influenciar na cultura, nas relações identitárias e nas práticas tradicionais e produtivas do bairro.
Diante de todos esses impactos, é possível compreender como os problemas relativos às questões climáticas estão se intensificando na região do bairro Pérola do Maicá, relativos ao que se reconhece concretamente como Racismo Ambiental.
CONHECENDO O TELAS EM REDE
O projeto Telas em Rede - tecendo a comunicação popular nas periferias da Amazônia, é fruto da conexão entre três produtoras audiovisuais: Na Cuia - Produtora Cultural, Negritar Filmes e Produções, e Dzawi Filmes, de Santarém, essa última, tornou- se realizadora do projeto Telas em Rede, na região do Baixo Tapajós.
No ano de 2021, houve a realização de duas vivências sobre audiovisual, sendo uma na Aldeia Vista Alegre do Capixauã (Resex tapajós Arapiuns) e outra na comunidade Vila Brasil (PAE Lago Grande), município de Santarém.
Em 2023, o projeto vem ampliar as lutas da floresta e do campo e unificar às lutas das periferias urbanas. Bem como, fortalecer os laços das comunidades e juventudes por meio de formações em comunicação popular, trocas de experiência e reunir todes em um Festival Cultural das periferias de Santarém.
A segunda edição do Projeto Telas em Rede vem sendo realizado via Emenda Parlamentar da Ex Deputada Federal Vivi Reis (Psol), que por meio de diálogos aceitou apoiar o projeto, principalmente por reconhecer que a inciativa tem como foco defender a justiça ambiental, os povos da Amazônia e alcança também as periferias da cidade na luta pela garantia de seus direitos.
Por entender que a luta não se faz sozinho, o projeto Telas em Rede tem orientado suas ações juntamente com organizações que tem histórico e reconhecimento de atuação na defesa da região, como a Fase Amazônia, Kitanda Preta, Movimento Negro Unificado (MNU), Associação do Moradores do Bairro Pérola do Maicá (AMBAPEM), Guardiões do Bem Viver, Negrices Caripuna e Projeto Saúde e Alegria.