O que é feminismo para as mulheres do Tapajós?

Em um território plural como o Tapajós, com diferentes lutas e movimentos, é preciso entender como as mulheres amazônidas têm entendido, visto e vivido o feminismo em uma região sabidamente machista.

12/04/2023 às 14h28 Atualizada em 02/05/2023 às 16h52
Por: Adrielly Pantoja Fonte: Tapajós de Fato
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Tapajós de Fato
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O feminismo vai muito além de um movimento social, é um ato político essencial quando falamos sobre emancipação feminina, luta por igualdade de gênero e de direitos. A construção de uma sociedade igualitária perpassa muito pelas pautas construídas e defendidas por feministas.

 

O movimento que iniciou no final do século XIX por mulheres do Reino Unido e dos EUA, em sua grande maioria mulheres brancas e de classe média, buscava na época igualdade jurídica - direito a voto - além de rever os critérios de casamento arranjados, a luta era por uma relação equilibrada. 

 

A luta se expandiu, ganhou mais adeptas em outros países, mas sempre com o mesmo objetivo de combater a estrutura social que temos baseada no patriarcado e os abusos e violência contra as mulheres.

 

No Brasil, o movimento feminista iniciou no final do século XIX, com o mesmo objetivo de buscar a participação da mulher na política e cultura da socieadade, naquela época só restava a elas serem donas de casa, operárias ou serviçais. Seu papel social era o de submissão ao patriarcado, cabia a elas apenas o papel de boas esposas e mães.

 

Aos homens cabia o papel de liderança, a natureza passional e mais sentimental das mulheres seria um problema, sua "inconstância de espírito" atrapalhariam suas decisões.

 

O engraçado é perceber que uma problemática do séc. XIX ainda se faz presente na sociedade e ainda é usada como desculpa para que mulheres não ocupem os espaços de poder.

 

Mulheres do Tapajós e suas lutas 

O Centro-Oeste e Norte do Brasil, são consideradas as regiões mais machistas do país, nesse sentido o desenvolvimento do movimento feminista apresenta-se mais difícil. Diversa em sua cultura, a região do Tapajós é constituída por várias etnias, com saberes diferentes.

 

Então como esse movimento é visto e praticado hoje na região do Tapajós? Como as mulheres enxergam e vivenciam o feminismo?

 

Renata Moara, 24 anos, acadêmica do curso de História da Ufopa, é presidente do PSOL Santarém e é da coordenação nacional do Coletivo Juntas - um coletivo feminista que tem atuação em todo o país desde 2011 organizando lutas nos movimentos de rua, nas universidades, nas escolas e também ocupando a política institucional - teve sua imersão no mundo político e feminista muito jovem, fugindo da cultura patriarcal.

 

“Eu felizmente, assim como muitas meninas hoje em dia, tive a oportunidade de acessar muito cedo debates políticos no geral, com 13 anos eu comecei a militar, conheci o Coletivo Juntos, eu já tinha acesso a esses debates [políticos] porque o meu ambiente familiar me proporciona essas discussões, então tive acesso a esses debates, do lugar da mulher, da mulher como um ser político, como um agente político, desde cedo eu pude acessar esses espaços, lugares e enxergar outras mulheres ocupando esses espaços”, ela comenta.

 

Foto cedidas por Renata Moara 

 

Moara ressalta a atuação do Coletivo Juntas, em sua formação enquanto militante e feminista, o espaço vem sendo uma escola para muitas mulheres nesse processo de reconhecimento enquanto mulher feminista.

 

“Pensando nesse sentido, acho que vale fazer um breve resgate também de como que eu me reconheci como uma mulher feminista, em 2014 a gente teve ali as eleições presidenciais, tivemos a Luciana Genro, fundadora do Psol, que hoje é nossa deputada estadual no Rio Grande do Sul, que na época estava sendo candidata à presidência e colocou pela primeira vez na televisão aberta, em um debate na Rede Globo, o tema sobre a legalização do aborto, isso me chamou muita atenção, acho que eu tinha 16 anos, mas isso me chamou muita atenção porque ali eu consegui enxergar que nós podemos falar às nossas demandas em todos os espaços e que vão ter que nos ouvir falar sobre isso”, explica ela.

 

Inserida no mundo político, Moara acredita que o feminismo que aprendeu no Juntas, é um movimento político de emancipação das mulheres, uma ferramenta teórica e prática que tem como objetivo revolucionar a vida das mulheres e fazer uma mudança estrutural no que hoje entendemos como “papel das mulheres”, uma forma de derrotar o patriarcado e as estruturas machistas que colocaram historicamente as mulheres em determinados papéis que ainda hoje causam segregação, violência e desigualdades.

 

“Mas para além disso não basta  pensar o feminismo de uma forma que todas as mulheres são iguais, porque não somos. Somos mulheres negras, indígenas, ribeirinhas, quilombolas, PCDs, LGBTs, brancas, pobres e ricas, então somos mulheres muito diversas e aí quando a gente começa a falar sobre feminismo, sobre luta das mulheres, direito ao nosso corpo, com o tempo a gente vai percebendo isso, enquanto a luta das mulheres brancas lá atrás era pelo direito a trabalhar fora de casa, ter o direito de viver esse ambiente que não era só o familiar, de trabalhar, as nossas ancestrais negras já trabalhavam fora de casa e sempre trabalharam, então é importante ter essa capacidade de compreensão de que as nossas vivências são diferentes”.

 

Moara finaliza destacando um ponto muito importante do movimento feminista dentro de uma sociedade capitalista que tem em sua base de sustentação, o racismo, o machismo e a exploração da classe, que o real feminismo é aquele que de fato é antiracista e anti-capitalista.

 

A luta sindical, historicamente um espaço mais masculino, tem sido ocupado por grandes mulheres, como é o caso do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Agricultores e Agricultoras de Santarém (STTR), que atualmente tem em sua presidência uma mulher. Maria Ivete Bastos dos Santos, também da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do município de Santarém.

 

Como liderança sindical, Ivete acredita que o feminismo atualmente exige mais respeito por parte da sociedade que historicamente criminaliza a mulher que sofre há anos diversos tipos de violência.

 

“O movimento feminista é um movimento que avança, que procura envolver cada vez mais as mulheres e procura fazer com que entendam sobre essa luta, sobre esse direito, sobre como erradicar esse preconceito, essa violação de direitos. O movimento é justo e muito importante, porque buscamos cada vez mais nos firmar como mulher e nessa luta para que possamos mostrar esta realidade para que o mundo nos respeite”, ela comenta.

Imagem: Reprodução da Internet

 

A liderança finaliza dizendo que o feminismo não possui um conceito bem definido, mas ele dá um horizonte para as mulheres sobre seus direitos, sua autonomia, seu valor e a sua importância dentro da sociedade.

Ainda dentro da diversidade plural do Tapajós, é preciso entender como o movimento feminista é visto em comunidades tradicionais e originárias, locais sabidamente machistas. Então como o feminismo é interpretado nesses espaços?

Alana Oriente é quilombola, do território Juquirizinho, do alto Trombetas, em Oriximiná, graduada em Licenciatura em Pedagogia pela Ufopa, e em conversa com o Tapajós de Fato, exemplificou um pouco da realidade dos quilombos.

“Sobre as opressões dentro do ambiente familiar, a questão do papel da mulher dentro de casa, pra lá é muito ‘comum’, as meninas casam cedo, não terminam de estudar, porque pelo que eu já vi algumas acham que não vale a pena e são induzidas a morar junto, digo isso porque queriam coisas assim comigo. São esses tipos de coisas que acontecem, e ao meu ver tá fazendo muita falta a presença do movimento [feminista] lá. Uma vez uma tia minha de lá [território], mas que mora na cidade agora, falou sobre criar um projeto para ajudar as meninas da comunidade para terminar de estudar, fazer uma faculdade, justamente por essas coisas”.

 

Foto cedida por Allana Oriente 

 

Ela acrescenta que não está muito por dentro do movimento feminista, que seu entendimento sobre o feminismo é de senso comum, sem muita profundidade no assunto. “Eu entendo o feminismo como um movimento que luta pela igualdade dos direitos das mulheres, igualdade política, social, além da luta para combater os abusos e violências que a gente sofre", conclui Alana.

 

Este panorama do movimento feminismo passa tanto pela juventude como por lideranças quilombolas antigas.

 

Ana Cleide Vasconcelos, moradora do quilombo de Arapemã, do município de Santarém, hoje com seus 70 anos, também não foge ao senso comum da ideia de feminismo, apesar de estar a frente e participar de uma grupo de mulheres quilombolas, a mesma não se considera feminista.

"Eu não sou feminista, sou uma pessoa de luta que trabalha com as mulheres em defesa de políticas públicas dos direitos da mulher, tenho a minha convivência com o meu parceiro e vejo o nosso trabalho voltado para a saúde da mulher, como ajudar essa mulher em situação grave e encaminhá-las para os lugares onde elas podem ser ouvidas, escutadas e bem acolhidas".

Cleide Vasconcelos em sua casa, quilombo Arapemã.

Mesmo não se vendo parte do movimento, dona Cleide exalta o trabalho do feminismo: "o feminismo veio também dar sustentabilidade para as mulheres, porque hoje precisamos muito se apoiar umas nas outras, porque a gente vê também atualmente que já não tem mais confiança na própria parceria que a gente vive junto. Então, cada vez mais a gente vê que está avançando, que estão desenvolvendo trabalhos maravilhosos".

 

Vale a pena ressaltar que o movimento feminista não é sexista - não tenta impor algum tipo de superioridade ou rivalidade entre os gêneros - mas busca a igualdade entre os sexos.

 

Keline dos Santos Passaranuk, vice-coordenadora do Diretório Acadêmico Indígena (Dain), acadêmica do curso de Arqueologia da Ufopa, é do município de Jacareacanga, região do Alto Tapajós, comentou sobre sua visão do movimento feminista enquanto mulher indígena.

 

Foto cedida por Keline Dos Santos Passaranuk

 

“A princípio, o feminismo enquanto um movimento que foi conquistado, sua origem e significado, à meu ver, é um plural composto por todas nós, mulheres cis, mulheres trans. Movimento esse que obtém o propósito de alcançar e ajudar outras mulheres em diversos aspectos de demandas. Em relação a esse movimento no Tapajós, no que é de meu conhecimento, acredito que já podemos ter uma ótica sobre essas mulheres enquanto os efeitos positivos que esse movimento tem causado e vem causando nas mulheres em diversos pontos.  Acredito que o feminismo enquanto um espaço de acolhimento, auxílio, segurança, voz e etc, está caminhando de forma correta em relação ao seu objetivo com esse público, que dele precisa”,

Keline finaliza falando sobre o que vem acompanhando através da vivência com outras mulheres munduruku: “percebi que elas tornaram-se mulheres confiantes e seguras para estarem atuando nessa caminhada à busca de seus sonhos e até mesmo nas lutas pelo direito enquanto Munduruku em defesa dos territórios e rios”.

Novamente é importante ter a visão de lideranças mais antigas dentro do movimento, como é o caso da Zenilda Bentes Kumaruara, coordenadora do Conselho Indígena do território Kumaruara, e entender como o feminismo é visto por elas.

"O feminismo está em nossa pauta de organização de mulheres indígenas, embora  ainda com pouca visibilidade, mas já temos um departamento de mulheres indígenas no Conselho Indígena Tapajós Arapiuns-Cita, que realiza assembleia, encontros e oficinas sobre o direito das mulheres sobre a violência e autonomia. No nosso território do povo kumaruara temos também um grupo de mulheres que participam do movimento indígena na tentativa de garantir espaço político e visibilidade. Buscamos apoio de organizações para a realização de assembleia para discutir a importância da defesa da mãe terra, do território, da desconstrução do machismo, da ocupação de espaço de poder e autonomia das mulheres indígenas", explica Zenilda.

 

Foto: reprodução da Internet 

 

"Se para as mulheres brancas essas lutas são consideradas pautas feministas, para nós indígenas isso significa resistência contra o machismo, contra a violência doméstica e toda forma de exclusão. Percebemos ainda a pouca participação de mulheres que precisam se libertar dessa dependência econômica, social e política. Assim, estamos nos organizando para também ir nas marchas e lutas nacionais e nessa troca de experiência cada vez mais construir nossa autonomia enquanto mulher indígena", finaliza a liderança indígena.

 

Nesse sentido podemos observar através das falas dessas mulheres, que diferente do que a sociedade alienada pensa, a atuação do movimento feminista se faz extremamente necessária para continuar mudando a estrutura social, as mulheres podem e devem estar presentes em todos os espaços de poder e discussão, um exemplo disso é a região do Tapajós, que atualmente possui a frente de organizações mulheres como presidentes e diretoras.

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