A frente da cidade de Santarém registra, diariamente, um fluxo intenso de embarcações de grande, médio e pequeno porte, o aumento dessas atividades demandam mais infraestrutura e muitas construções são feitas de forma irregular e, além das irregularidades, ainda causam prejuízos alterando o ambiente natural prejudicando a pesca e espremendo os pescadores em locais cada vez menores, tendo, inclusive, registros de embarcações destruídas por balsas.
Essa é a realidade da população que depende das margens do rio Tapajós, na altura do porto dos milagres, área que envolve os bairros de Santana e Uruará. Onde os moradores procuraram o Tapajós de Fato para denunciar toda essa movimentação que impacta em suas dinâmicas.
Foto da região do bairro Santana e Uruará encaminhada para o TdF /Reprodução.
Em contato com a Comissão Pastoral de Pescadores, organização que atua prestando apoio a comunidades pesqueira em Santarém, uma série de preocupações e problemas foram apontadas, isso porque, a região do Porto Milagres e a área que se estende até o porto do DER é completamente ocupada por portos de cargas e passageiros.
As margens do rio estão ocupadas por empresas privadas e isso fez os pescadores se deslocarem para a região do bairro Uruará e Área Verde. “O fato é que, ao longo do tempo, as comunidades perderam essa área e estão perdendo de vez essa área que sempre foi de uso tradicional. Então a nossa preocupação enquanto pastoral, enquanto CPP é a privatização dos espaços, da privatização dessas áreas que são de uso comum e a perda de territórios pesqueiros”, comentou um representante da Comissão Pastoral de Pescadores, que pediu para não ser identificado.
O comércio do pescado é forte em Santarém. Alguns bairros, como o bairro do Uruará, concentram um grande número de pescadores. Nesse bairro a comercialização da produção pesqueira é feita na feira, na orla, dentro das canoas e rabetas, mas até esse espaço os pescadores estão perdendo. "Uma parte da orla do Uruará, que está abandonada por sinal, foi derrubada para construir um desses portos, a nossa preocupação é que chega um momento que eles tomem conta de toda essa parte aí na frente do bairro do Uruará, ali do da Feira do Pescado, do Porto dos Milagres”, comentou o representante da CPP.
Já houve acidentes
Além de interferir diretamente na atividade pesqueira, o fluxo de grandes embarcações e a obras às margens do rio colocam em risco a segurança dos pescadores. Acidentes já foram registrados e o prejuízo foi para donos de pequenas embarcações, como informou o representante da CPP: “aconteceu ano passado um acidente, uma balsa foi dar ré e dois comunitários estavam saindo na lancha a balsa passou por cima. Por pouco não matou os dois, né? Então essa é uma preocupação também com a questão da segurança”.
Área de um dos portos que estão sendo construídos / Foto encaminhada para o TdF
Ainda na entrevista o representante da pastoral reclama da falta de fiscalização dos órgãos de governo sobre as obras clandestinas, segundo os moradores, que estão sendo realizadas no local. “Como a gente fala: depois que está feito, dificilmente tira né? Dificilmente se remove, então a nossa preocupação é essa, que a gente tem certeza que eles estão usando dessa estratégia, primeiro faz clandestinamente e depois continua lá porque o município não se importa”, explicou.
O relato de pescadores
O TdF ouviu dois pescadores, de diferentes regiões. Preservando suas identidades, serão chamados de Pescador 1 e Pescador 2. O pescador 1 diz que a “situação é complicada… grande parte dos pescadores da região do Tapará e do Ituqui vendem seus pescados na região da Buxada”.
Ele fala que a área é “muito afetada”. Segundo o entrevistado, ele já chegou a naufragar na região por conta do intenso fluxo de embarcações. “Eu já naufraguei ali, passei por um momento bem difícil e graças a Deus estou vivo”.
A região fica completamente tomada por embarcações / Foto: reprodução.
Os pescadores estão se organizando e discutindo estratégias para impedir maiores prejuízos para a pesca e para suas vidas. “A gente teme que possa perder vidas aí”, finaliza o pescador 1.
As ruas ficam cheias de entulhos de embarcações antigas
Já o Pescador 2 inicia seu relato com o seguinte: “Nós, pescadores daqui de Santarém estamos sofrendo uma grande ameaça com as construções de portos aqui”. O pescador relata ainda que alguns pescadores têm sido obrigados a atracar as embarcações em outras regiões que são mais afastadas, “principalmente os que atracavam entre o Mercado da Buxada e o Mercadinho de Santana”.
Assim como o primeiro pescador, durante a entrevista o segundo pescador também relata já ter presenciado alagamento de pequenas embarcações na área, “devido a grande quantidade de balsas com embarque e desembarque de materiais”, comentou.
Em seu relato, o pescador afirma que a situação tem acontecido de forma mais intensa nos últimos três anos. O sentimento é de medo e ameaça, “nos sentimos ameaçados porque são muitos portos clandestinos que têm se instalado… não temos condição de atracar para vender o seu próprio pescado, com isso muitos pescadores têm deixado de exercer sua atividade que sustenta a família", desabafa o pescador 2.
Os pescadores entrevistados esperam que sejam tomadas providências por parte da Colônia de Pescadores e do próprio Ministério Público do Pará, frente aos problemas de supostos crimes de irregularidades na construção de portos.
O Tapajós de Fato entrou em contato com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Santarém e, ao fazer questionamentos sobre os portos denunciados pelos moradores, não teve resposta. Foi dito ainda que a Secretaria não possui e-mail ou um telefone para contato de comunicação, utilizando o número de denúncia para realizar, também, o serviço de imprensa.
Os aterros mudam as margens e o ambiente natural, espantando os peixes para outros locais / Foto reprodução
Enquanto nada é feito para pôr ordem ou impedir a destruição das áreas de pesca e comercialização de pescado, quem sofre são os pescadores que têm prejuízos com embarcações destruídas, tendo que acometer o deslocamento para conseguirem pescar e o prejuízo financeiro que impacta diretamente na economia do município e no sustento da família. Nesse jogo da irregularidade, quem é sufocado é o pequeno pescador.