O Big Brother Brasil está em sua vigésima terceira edição e em 23 anos de programa o reality, de entretenimento, já pautou diversas discussões sobre pautas importantes à sociedade brasileira. Nesse sentido, o reality da TV aberta brasileira já foi palco de ataques homofóbicos, injúrias, assédio e importunação sexual, dentre outras pautas sociais de grande relevância. Esse ano, com um número expressivo de pessoas negras entre os participantes, a pauta racial tem sido recorrente.
Nesta edição, excepcionalmente, vários foram os episódios de micro agressões aos participantes negros no decorrer do programa e em diversos contextos, de racismo religioso à racismo recreativo, esse último, com episódios recorrentes, que nos leva a discurtir o tema a partir do contexto do BBB.
Dando nome aos bois, em várias ocasiões a participante Bruna Griphão se utilizou do “humor” para fazer comentários e ataques racistas, e essa prática - comumente histórica e recorrente na sociedade brasileira - tem nome: racismo recreativo.
Sobre o tema, o Tapajós de Fato conversou com Ciro Brito, advogado, presidente da Comissão de Promoção à Igualdade Étnico-Racial da OAB Santarém.
Para Ciro, “a faceta do racismo recreativo é uma das mais comuns do racismo, por isso é muito relevante combatê-lo para que cada vez mais essas práticas sejam coibidas. Por isso, também é positivo que tenha atenção da opinião pública, para que o cerco normativo seja cada vez mais fortalecido e o judiciário sancione os criminosos".
Definindo o conceito de racismo recreativo
O termo se refere a “piadas” e “brincadeiras” que, aparentemente, são inofensivas e/ou um meio rotineiro de interação social, mas que possuem um cunho racial em que associa as características, físicas e culturais, das pessoas negras ou indígenas como algo inferior ou desagradável.
Para os estudiosos das pautas raciais, a prática do racismo recreativo está "camuflado” em uma categoria de humor que retrata a negritude como um conjunto de características esteticamente desagradáveis e como um sinal de inferioridade.
Djamila Ribeiro em seu Livro “Quem tem medo do feminismo negro?” aborda o aspecto legitimador de discursos de ódio e práticas opressoras do humor. Ela afirma que "sendo a sociedade racista, o humor será mais um espaço onde esses discursos são reproduzidos”.
Essa prática reforça padrões racistas. No caso do BBB, essa prática tem sido ferramenta de ataque. Como analisar o contexto do momento em que Bruna cria uma rima ridicularizando uma participante senão como um ataque, “camuflado” de humor?
Nesse sentido, o ataque vem maquiado de brincadeira e reforça as vieses estruturais do racismo.
Isso não é novidade no contexto social brasileiro, inúmeros foram os programas humorísticos que se utilizaram, e ainda se utilizam, de um humor racista para a nível de “piada” denegrir e reproduzir estereótipos pejorativos sobre membros de grupos raciais.
O advogado Ciro Brito pontua que “as práticas de racismo recreativo são perversas porque são práticas de racismo dissimuladas de humor, com base racial. Enquanto quem pratica se diverte, quem é alvo dessa recreação é diminuído, animalizado, irracionalizado. Isso gera traumas tão cruéis em quem sofre, que esse conceito de racismo recreativo acaba de ser considerado como um crime no Brasil, por meio da sanção da Lei n. 14.532, de 11 de janeiro de 2023”.
A criminalização do racismo recreativo
Como o presidente da Comissão de Promoção à Igualdade Étnico-Racial da OAB informou, a partir de janeiro deste ano (2023) o racismo recreativo tido como crime de injúria racial foi tipificado como crime de racismo.
Logo, comentários jocosos ou piadas que ridicularizam pessoas de determinada raça, cor, etnia ou procedência nacional, mesmo que de forma "inconsciente", pode-se tipificar como crimes de intolerância e discriminação.
Em relação ao racismo recreativo, a nova Lei n. 14.532 de 2023 inseriu o art. 20-A na Lei n. 7.716/89, aumentando de 1/3 (um terço) até a metade os crimes de preconceito e discriminação nela previstos, “quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação.
Se ofende e machuca não é brincadeira
Situações como as que vêm ocorrendo no BBB acontecem na vida real, fora das telas, a séculos e como justificativa, quando questionados, os opressores se utilizam do discurso de que “foi só uma brincadeira”, “não tive a intenção de ofender”.
Não fugindo à regra de como a sociedade trata essa questão, foi assim que a equipe que representa a assessoria de Bruna Griphão se pronunciou em defesa da mesma, quanto a emissora responsável pelo reality, o silenciamento do assunto é a metodologia abordada.
Brincadeiras também machucam, segregam, reforçam estigmas e ridicularizam. Estudos apontam que o racismo recreativo não ataca somente o indivíduo, mas diminui e estereotípica toda uma população.
O professor e escritor Adilson Moreira em seu livro “O que é o Racismo Recreativo?”, que faz parte da coleção Feminismos Plurais, afirma que “o humor racista é um tipo de discurso de ódio, é um tipo de mensagem que comunica desprezo, que comunica condescendência por minorias raciais”. Para o professor, que também é jurista, o humor racista opera como um mecanismo cultural que propaga o racismo, mas que ao mesmo tempo permite que pessoas brancas possam manter uma imagem positiva de si mesmas.
Logo, naturalizar essas violências camufladas de “humor”, de “brincadeira” não é mais possível na modernidade. O BBB é um reflexo do que acontece na nossa sociedade, a forma como os participantes reagem às situações impostas, é inerente a como o indivíduo está inserido na sociedade.
Bruna segue na edição, com possibilidades de ser campeã - isso não é o ponto aqui - mesmo após os vários episódios de ataques, enquanto que, os atacados foram eliminados. Isso demonstra o quanto é difícil pautar as causas raciais e não legitimá-las, mesmo com os avanços nos debates de cunho raciais.
No entanto, como nos lembra Djamila Ribeiro, é necessário perceber que o humor não é isento e, muitas vezes, vem carregando consigo o discurso do racismo, do machismo, da homofobia, da lesbofobia e da transfobia. Denunciar essas práticas é necessário, e é fundamental pontuar: não são “apenas” brincadeiras inofensivas, o nome disso é racismo recreativo e a lei o tipifica como crime.
Para Ciro, “quanto mais houver canais de comunicação sobre esse assunto, mais nichos da população estarão tendo a oportunidade de ser conscientizados e ir mudando suas atitudes. De um lado, é preciso que as iniciativas pública e privada incluam essa concepção nas suas práticas e governança. De outro, é importante que o Judiciário seja criterioso na investigação e punição de quem cometer o crime de racismo recreativo” enfatiza.
A importância da educação racial passou a ser pauta nas discussões da internet diante do exposto nesta edição do BBB. A lentidão da implementação da Lei 10.639/03 nas escolas públicas brasileiras é reflexo dessa “deseducação” em relação às questões raciais.
Assistimos a saída de um a um dos participantes negros dessa edição. Pessoas, homens e mulheres, empoderados de várias formas em relação às questões raciais e em relação a sua posição na sociedade.
Logo, percebemos que sem o papel formador propiciado por uma educação decolonial e antiracista, combater o racismo e os seus muitos vieses é impossível.