Pesca na orla de Santarém: lazer, costume ou injustiça social?

O rio Tapajós é fonte de subsistência a muitas pessoas que precisam dele para levar alimento pra casa, tanto para quem pesca por lazer ou necessidade.

05/05/2023 às 12h06 Atualizada em 05/05/2023 às 12h18
Por: Darlon Neres Fonte: Tapajós de Fato
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Tapajós de Fato
Tapajós de Fato

A orla de Santarém foi construída a partir do ano de 2017, e é um espaço onde muitas pessoas do município, e de outros estados e países visitam, sendo um espaço turístico do município.

 

Além de ser esse lugar para passeio, atualmente ao longo de suas calçadas muitas pessoas têm pescado diariamente. Com isso, muitas pessoas se perguntam, por que essas pessoas pescam nesse espaço de orla? Será que o peixe/pescado é consumido por eles? É por lazer ou por necessidade?

 

Pescador na orla de Santarém / Foto: Tapajós de Fato

 

E o Tapajós de Fato foi buscar algumas dessas respostas para passar informações aos nossos leitores que acompanham o TdF.

 

Ver o pôr do sol na beira do Tapajós é lindo, é para isso que muitas pessoas vão para a orla no final da tarde, até mesmo quando saem do trabalho, para caminhar, fazer um lanche com a família. Mas outras vão com seu caniço, isca e anzol (instrumentos de pesca) para pescar nas proximidades da orla.

 

Em um desses fins de tarde seguimos para a orla de Santarém, e conversamos com pessoas que no momento estavam na prática da pescaria, e outros vendendo matérias de pesca.

 

O Tapajós de Fato entrevistou Raimundo Mendonça, vendedor de materiais de pesca, como isca, linhas, e insetos para colocar no anzol para pescar. “Aqui é uma renda extra que a gente faz e serve bem, não dá muito mas a gente vai se mantendo, todos dia a gente vendendo um pouquinho para quem vem pescar, antes eu não vendia aqui, mas aí teve a ideia de experimentar e deu certo, muita gente vem pra cá pesca e já comprar seu material comigo”, comenta o vendedor.

 

Raimundo Mendonça, vendedor de materiais de pesca / Foto: Tapajós de Fato

 

Sobre os materiais da pesca, seu Raimundo apresenta o que vende, “eu vendo linha, isca, esses materiais, anzol, chumbada. O público que eu mais vendo é o pessoal que pesca mais por necessidade, porque eles precisam desse peixe para se alimentar e até mesmo para vender, aqui muitos pescam e vendem e já transformam em renda maior”.

 

Entrevistamos ainda  João Cavalcante, que no momento estava pescando na beira da orla da cidade, onde mora desde o seu nascimento em Santarém.  Quando perguntado o porque vai pesca na orla, ele responde que “não venho pescar por necessidade, não é vício, mas sim um costume, eu pescava desde quando ainda existia o Vera Paz e a gente veio se acostumando, e aí chega a idade e eu pesco durante quase toda a minha vida, a hora que dá uma folga, até porque agora eu já estou aposentado, não tenho mais quase nada a fazer, e é como se fosse uma rotina vim aqui no final da tarde”.

 

João Cavalcante, pescador / Foto: Tapajós de Fato

 

João Cavalcante relata ainda que o peixe que ele pesca é consumido por ele e por sua família. “Com isso já levo meu peixe pra casa, dou pros meus filhos, vizinhos, irmãos, eu me alimento do peixe daqui sim. Eu tô com 60 anos comendo esse peixe daqui e nunca eu senti nada, fazer o que se as vezes só tem esse rio pra pescar”.

 

Quando questionado sobre consumir o peixe com a família, visto que esse peixe deve estar contaminado, pois todos os esgotos da cidade são jogados no rio Tapajós.

 

“Sabemos que a água nossa não é igual como de antes, mas se a gente for esperar o peixe que venha de um rio que não esteja poluído, não tem, porque essas embarcações jogam os dejetos tudo no rio, porque não têm forças dentro dos barcos, e outra muita gente joga lixo no rio, Santarém é sem saneamento básico, e não tem uma lei rígida para não jogar lixo no rio”.

 

Entrevistamos ainda Sequeia Rebelo, mãe de três crianças, no momento se encontra desempregada, e estava pescando. A mesma relata que vem a orla, pois de fato precisa, é uma necessidade, pois sem emprego no momento, vê o rio como uma fonte de sobrevivência, para levar comida pra casa.

 

“Eu venho porque eu tenho necessidade de um alimento, e outra não tem recurso para comprar peixe de grande porte, porque está muito caro, eu preciso levar comida pra minha casa, e para isso eu vejo aqui uma forma de adquirir meu alimento e para meus filhos, aqui também é uma oportunidade de ver como esse rio, o rio Tapajós, precisa ser preservado e não poluído, pois muita gente precisa dele para sobreviver”, afirma Sequeia.

 

Sequeia pescando / Foto Tapajós de Fato

 

Sequeia comenta ainda a falta de oportunidade na cidade para conseguir um emprego, e ver tantos restaurantes com comidas boas, peixes grandes, e quando olha para sua pescaria só vê peixes que a sociedade da elite santarena não comeria, pois não é saudável.

 

“Aqui, quando eu passo em frente a esses restaurantes eu vejo comidas bem feitas, peixes de muitas espécies e vejo eu sendo obrigada a comer esse peixe que eu pesco aqui na orla, por falta de oportunidade e porque preciso de alimentação, eu acredito que esse peixe pra mim é saudável, porque se eu achar que tá contaminado eu não me alimento, se eu tenho necessidade tenho que comer o que tem”.

 

A fome no Brasil é um problema persistente que afeta milhões de pessoas no país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2020, cerca de 19 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar grave, o que significa que eles não têm acesso adequado à alimentação em quantidade e qualidade suficiente para atender suas necessidades nutricionais básicas.

 

A fome no Brasil está diretamente relacionada à desigualdade social, à falta de acesso a empregos e renda, à pobreza e à falta de políticas públicas eficazes para enfrentar o problema. Além disso, a pandemia da COVID-19 agravou ainda mais a situação, levando muitas famílias a perderem suas fontes de alimentação e tornando ainda mais difícil o acesso à alimentação.

 

Existem diversas iniciativas de organizações governamentais e não governamentais para combater a fome no Brasil, como a distribuição de cestas básicas e a criação de programas de incentivo à produção de alimentos e geração de renda. No entanto, é necessário um esforço conjunto da sociedade e do governo para garantir que todas as pessoas tenham acesso a uma alimentação adequada e que a fome seja erradicada no país.

 

Seu Raimundo, João, e tantos outros fazem a pesca na beira da orla, por lazer, costume ou diversão, mas pessoas como Sequeia estão lá por necessidade, reflexo da injustiça social no nosso país, isso ocorre principalmente nas cidades da Amazônia.

 

A injustiça social refere-se à desigualdade e à falta de equidade na distribuição de recursos e oportunidades na sociedade. Isso pode ser manifestado em diferentes formas, como discriminação racial, de gênero, de orientação sexual, de idade, e classe. 

 

Para combater a injustiça social, é necessária uma abordagem ampla que envolva ações em todos os níveis, incluindo políticas públicas, programas de inclusão social, educação, conscientização e mudanças culturais. Isso requer esforços coordenados por governos, organizações da sociedade civil, e movimentos sociais na construção das políticas sociais. Para combater a fome, a pobreza, e criar empregabilidade é preciso fazer justiça social.

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