Segunda, 07 de Outubro de 2024
Empate Retrocesso

'Nós não pedimos um ministério esvaziado’ diz Auricélia Arapiun, liderança indígena do Baixo Tapajós, sobre o desmonte do MPI

O desmonte dos ministérios e a urgência do Marco Temporal afeta diretamente os 14 povos do Baixo Tapajós. Apesar de não estar surpresa, a liderança indígena afirmou que não esperava tanta velocidade; “o congresso se fortaleceu contra nós”.

26/05/2023 às 14h27 Atualizada em 26/05/2023 às 14h38
Por: João Serra Fonte: Tapajós de Fato
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Foto: reprodução; Nádia Pontes/DW
Foto: reprodução; Nádia Pontes/DW


A sociedade brasileira e a comunidade internacional têm visto com muita preocupação as manobras do Congresso Nacional  que esvaziam o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima  e o Ministério dos Povos Indígenas e a flexibilização do controle de desmatamento da Mata Atlântica. Na noite da última quarta-feira (24), foi aprovada a Medida Provisória  1154/23 e votada a urgência do Projeto de Lei 490/07, que  institui o marco temporal sobre as terras indígenas. 


O esvaziamento dos ministérios


Ao Ministério do Meio Ambiente e Mudanças  do Clima, comandado por Marina Silva (REDE), principal nome da luta ambientalista do Brasil, o impacto foi retirado de diversas  pastas de sua guarda, na tentativa de enfraquecer sua atuação. As manobras mostram-se como retaliação após o Ibama  negar o pedido de exploração de petróleo na foz do Amazonas.  Dessa maneira são das mão de Marina Silva:  ANA (Agência Nacional de Águas); CAR (Cadastro Ambiental Rural); Sinisa (Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico); Sinir (Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos) e; Singreh (Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos). Essa manobra, segundo a ministra, é "implementar o governo Bolsonaro no governo Lula".

Do Ministério dos Povos Originários, de responsabilidade da liderança indígena Sônia Guajajara (PSOL), foi tirada da Fundação Nacional do Povos Originários  (FUNAI) e colocada  para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Essa ação foi uma maneira de desmobilizar as demarcações de terras indígenas em todo o Brasil, já que esta é a principal pauta  dos povos indígenas.

PL 490/07


O Projeto de Lei 490/07 tramita na Câmara Federal desde o ano de 2007, período da segunda gestão de Lula. O documento representa a maior ameaça para a vida dos povos indígenas do Brasil. Nele, é instituído o Marco Temporal, ou seja: só tem direito à terra os indígenas que já estavam ocupando   o  território  até 05 de outubro de 1988, ano de promulgação da Constituição Federal. Assim, todas as aldeias ou povo indígena que se autoreconhece a partir do dia 06 de outubro de 1988 perde todos os direitos conquistados.

A região do Baixo Tapajós, rica em biodiversidade, cultura e povos, é diretamente  afetada pelo PL. Os 14 povos indígenas reivindicam o território somente a partir do final da década de 90, o que significa que perdem  todos os seus direitos sobre os territórios que seus ancestrais povoaram.

Os povos são representados pelo Conselho Indígena Tapajós e  Arapiuns - CITA, entidade que luta diariamente pela garantia dos direitos indígenas à saúde, educação, cidadania, e direitos aos territórios. Ao Tapajós de Fato a coordenadora do CITA, Auricélia Arapiun,  fala  dos retrocessos  que vêm junto a aprovação da MP 1154/23 e da votação do PL 490/07, além de trazer sua percepção em relação ao governo  de Lula.

Auricélia fala que  “é um momento muito difícil. Um  cenário que não é tanta surpresa pra nós. A gente já sabia que não ia ser fácil o congresso se fortaleceu mais contra nós. A Amazônia inclusive perdeu muitos parlamentares, então a gente não tem uma boa frente de atuação lá no Congresso fortalecido. Mesmo estando com a Célia e a frente parlamentar indígena com vários deputados aliados da causa”.  Apesar da saída de Bolsonaro, o campo da direita é maioria  no Congresso, o que facilita a ocorrência dessa enxurrada de retrocessos por meio de Medidas Provisórias e Projetos de Leis.

Segundo a liderança indígena, o que não se esperava era a velocidade como as coisas aconteceram: “a surpresa pra nós foi dois ataques no mesmo dia, ataque diretamente aos nossos direitos, inclusive com apoio da base aliada do governo. E o desmonte da política ambiental já vem sendo feito no outro governo”, comenta.

 

Na visão da coordenadora do CITA, são três frentes de ataques: a destruição da Amazônia, com a exploração do petróleo na foz do Amazonas, a desestruturação do Ministério do Meio Ambiente e  o desmonte do Ministério dos Povos Indígenas. “Que diria que não é retirar a competência apenas dos ministérios, mas a competência de duas mulheres que são as defensoras da Amazônia, do meio ambiente, que têm lutado. A história delas é de luta, de defesa e que estão sendo atacadas por um projeto machista,  inclusive. desabafa, Auricélia Arapiun.

Já em relação ao impacto da regulamentação do Marco temporal por meio  do PL 490/07, a liderança Arapiun afirma ser “um ataque direto  a todos os povos indígenas, incluindo nós aqui do Baixo Tapajós!”.  Auricélia conta que “todas as terras indígenas aqui do Baixo Tapajós foram solicitadas as demarcações nos  anos  dois mil” , cerca de vinte anos após a promulgação de 1988. 


Sem as políticas indigenistas, principalmente a demarcação de territórios,  populações indígenas ficam sob o grave risco de extermínio, por culpa do Estado brasileiro. Por conta da iminente ameaça às vidas dos povos indígenas do Baixo Tapajós, as lideranças estão se mobilizando para fortalecer o enfrentamento e a defesa de seus parentes. “Ontem nós passamos o dia em várias reuniões, em várias frentes indígenas de atuação, tanto nacional como a nível da Amazônia e a nível local também pra gente fazer esse enfrentamento”, explica Auricélia Arapiun.

O chefe do executivo, como lembrou o jornalista Guilherme Amado, em uma rede social, disse: " O Lula não subiu a rampa com um exportador de soja. O Lula subiu a rampa com o cacique Raoni”. Portanto, Auricélia espera que o chefe do executivo tenha uma postura coerente e firme ao compromisso que fez  desde a campanha. “Esperamos que o Lula se pronuncie hoje após a reunião com a Marina Silva e a Sônia Guajajara e que ele tenha um posicionamento firme, que não seja só discurso. Né? Que, de fato, ele faça na prática”.

Auricélia finaliza trazendo o alerta de que “a luta continua, os ataques no Congresso estão se intensificando”, e desejando força para as mulheres: Célia Xakriabá, Marina Silva, Joênia Wapichana  e  Sônia Guajajara. "Nós não pedimos um ministério pela metade, nós queremos um ministério completo, cheio, não um ministério esvaziado como está propondo o governo”, finalizou a coordenadora do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns, Auricélia Arapiun.

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