Terça, 08 de Outubro de 2024
Educação Construção

Conselho Indígena Tapajós Arapiuns realiza o III Encontro de Educação Indígena do Baixo Tapajós, em Santarém

O encontro discutiu questões relacionadas à educação indígena ofertada hoje nas aldeias, e a construção da matriz curricular indígena, que é um anseio do movimento indígena do Baixo Tapajós para que seja implementada.

06/07/2023 às 15h45
Por: Marta Silva Fonte: Tapajós de Fato
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O Conselho Indígena Tapajós Arapiuns - CITA, promoveu nos dias 03, 04 e 05 de julho o III Encontro de Educação Indígena do Baixo Tapajós, que ocorreu na sede do CITA, localizado ao longo da rodovia Fernando Guilhon, em Santarém, Pará. 

 

O encontro, que como o nome já identifica, está na sua terceira edição com objetivo de discutir pautas acerca da situação da educação indígena na região, em suas três esferas, municipal, estadual e federal. O público-alvo do encontro esse ano foram todos os profissionais indígenas que atuam na educação, e em especial, na educação indígena. 

 

De acordo com Hélia Kumaruara, mulher indígena da etnia Kumaruara, Mestre em Educação Escolar Indígena, professora, caciqua da aldeia Muruary e coordenadora do Departamento de Educação Escolar Indígena do CITA, o objetivo principal do encontro deste ano foi “trazer uma discussão panorâmica no contexto da educação indígena nos três municípios do Baixo Tapajós - Santarém, Aveiro e Belterra - pois cada um tem uma realidade diferente”, afirma.

 

Participantes do III Encontro de Educação Escolar Indígena do Tapajós/ Foto arquivo pessoal CITA

 

Neste sentido, foram avaliados vários pontos em relação ao tema, como, avanços que aconteceram, novas perspectivas e anseios que precisam ser pontos de luta do movimento indígena no futuro. 

 

Hélia aponta que avanços já aconteceram nos últimos anos. De acordo com ela, “muitas demandas nossas já estão sendo atendidas no contexto do ensino”. Entre essas demandas, ela pontua o modular indígena e a nível de ensino superior o curso Intercultural para formação de professores indígenas promovido em parceria com a Universidade Federal do Estado do Pará (UEPA).

 

A coordenadora explica que essa formação a nível de formação superior, foi/é, muito importante pois “o nosso quadro [povos indígenas] na educação era bem baixo porque os professores não eram formados a nível de ensino superior, poucos tinham a formação a partir do Parfor”, relata a professora.

 

Outros pontos de debates analisados e pontuados durante os três dias de encontro apontados por Hélia, são referentes a precariedade do transporte escolar indígena municipal, que no geral é ofertado de forma bastante precária, e a merenda escolar. Pois a realidade das escolas indígenas, na sua totalidade, em relação a esses pontos, são bastante parecidas. Hélia explica que na maioria das aldeias o transporte é, na maior parte do ano, subsidiado pela própria aldeia e a merenda escolar não possui logística para chegar ofertada pelo governo, no geral, a diretora da escola precisa vim buscar a merenda em Santarém e arcar com o transporte da mesma até a aldeia. 

 

Contudo, além dessas discussões que são pontuais em relação a problemáticas referentes ao ensino ofertado hoje nas escolas indígenas, a professora que é mestra em Educação Escolar Indígena, explica que, durante o encontro, está sendo construída a matriz curricular indígena. A construção dessa matriz curricular é uma demanda da educação indígena, pois é a partir dela que deve acontecer a inserção da disciplina Nheengatu e Notório Saber na grade curricular da educação básica.

 

Professora Ms. Hélia Kumaruara, mulher indígena da etnia Kumaruara, Mestre em Educação Escolar Indígena, caciqua da aldeia Muruary e coordenadora do Departamento de Educação Escolar Indígena do CITA / Foto arquivo pessoal CITA

 

É importante pontuar que, hoje, o Nheengatu e o  Notório Saber são trabalhados nas escolas indígenas a nível de atividade complementar e não como disciplina curricular, e isso dificulta a construção de um projeto de ensino e também prejudica os profissionais que atuam com essas atividades. Hoje, os profissionais contratados para trabalhar o essas disciplinas nas escolas das aldeias, são contratados não como professores e sim como instrutores, logo, eles não possuem cadastro com o MEC e isso os impossibilita de acessar programas de formação continuada e políticas afirmativas educacionais, como por exemplo o Programa Nacional de Formação de Professores – PARFOR.

 

Além disso, a construção e a implementação de uma matriz curricular indígena, precede uma série de lutas que visam estruturar e organizar a forma como a educação básica indígena vem sendo ofertada. A professora Hélia explica que a partir da implementação da matriz curricular é possível se lutar por concurso público, exclusivamente indígena, e pela institucionalização da Secretaria de Educação Indígena, o que possibilitaria a captação de mais recursos a serem investidos na educação indígena e maior autonomia para se construir políticas e projetos no sentido de melhorar a forma como a educação básica vem sendo ofertada às populações indígenas da região. 

 

Sobre os passos dessa construção da matriz curricular ela explica que “está sendo construída desde o ano passado, juntamente com as instituições. Nós formamos um GT para começar a construção dela e para nos apoiar, nós formamos um outro grupo que se chama GT Interinstitucional, conjuntamente com a OAB, o MPF, as Universidades e várias outras instituições daqui do município”.

No âmbito do ensino médio, de responsabilidade do Governo Estadual, a discussão se pauta na necessidade de construção de uma escola de Ensino Médio Indígena em Santarém, pois de acordo com a coordenadora, os alunos indígenas do Ensino Médio hoje são veiculados as escolas do campo e isso dificulta a captação de recursos disponibilizados por meio do Governo Federal, uma vez que esses alunos são veiculados ao censo do Programa Escola do Campo.

 

A nível do Ensino Técnico e do Ensino Superior, Hélia explica que o evento visa, também, discutir com as instituições a oferta de cursos para as populações indígenas, que vá além da oferta de licenciaturas, o que é corriqueiro na atualidade. De acordo com ela é necessário que a Formação Técnica e Superior que chega às aldeias tenha uma diversidade de cursos ofertados, como, enfermagem, direito, medicina, comunicação e etc.

 

Nesse sentido, ela aponta que muito ainda precisa ser construído, mas o Movimento Indígena e os povos, já comemoram algumas vitórias, como por exemplo a construção da matriz curricular do curso de Especialização Intercultural, que trabalhará a realidade histórica dos povos tradicionais da Amazônia: indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e etc. Em parceria com o Instituto Federal do Pará - IFPA e será ofertado por ele.

 

A professora pontua ainda a atuação da UFOPA na região, que abarca um número significativo de indígenas e que já oferta o processo seletivo especial índígena. Contudo, ainda deixa a desejar em relação a forma como esses indígenas são incorporados na instituição em relação ao racismo indígena e a vários tipos de preconceitos, o que dificulta a permanência deles e, consequentemente, a conclusão do curso de, também, um número significativo desses indígenas que adentram a universidade.

 

Finalizando, a professora Hélia pontua a importância da educação para a formação dos indígenas, a nível intelectual acadêmico, mas principalmente, a nível de repasse de conhecimentos tradicionais culturais. Nesse sentido, é papel, também, da escola indígena a transmissão desse conhecimento, desses saberes antigos, aos mais jovens, perpetuando assim o tradicional e a tradição. Essa é a luta dos povos indígenas do Baixo Tapajós, que já possui, como ela aponta, “profissionais mestres e doutores”, e que agora conseguem construir, através do movimento, o futuro que os povos indígenas desejam.

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