Vitória popular: ordem de despejo que ameaçava dez famílias em Santarém (PA) foi suspensa pela Justiça

Moradoras há 34 anos, as famílias estavam ameaçadas após pedido de reintegração de posse por um empresário da região

26/07/2023 às 10h44 Atualizada em 08/08/2023 às 14h57
Por: Tapajós de Fato Fonte: Terra de Direitos
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Foto: Tapajós de Fato
Foto: Tapajós de Fato

A 2ª Vara Cível e Empresarial de Santarém suspendeu o despejo das famílias que moram no terreno chamado de Sítio Bacabal, localizado perto do novo Centro de Convenções e do Aeroporto do município. A decisão, publicada no dia 19 de julho, foi resultado da apelação judicial feita em nome das famílias pela assessoria jurídica da Terra de Direitos, que está atuando no caso em parceira com Sindicato de Trabalhadores Rurais Agricultoras e Agricultores Familiares de Santarém (STTR).  

 

Desde o final de junho, quando receberam a notícia que deveriam sair da terra em que moram há 34 anos, as 10 famílias de Sítio Bacabal estavam vivendo sob tensão e medo. A possibilidade de despejo veio do pedido de reintegração de posse feito por Edilson Muniz, empresário que se diz dono da área, mas que segundo relatos dos moradores nunca exerceu a posse.   

 

Seu Valdeci Gomes, a esposa Luzenira e o filho mais velho são os mais antigos moradores da área. Eles chegaram a Sitio Bacabal em 1987, onde estabeleceram moradia, construíram casa, plantaram e criaram seus outros filhos, que cresceram e agora possuem suas próprias famílias que também moram no terreno. Atualmente, Sítio Bacabal conta com 37 pessoas, sendo 18 adultos e 19 crianças. 

 

As famílias não têm outro local para residir e nem recursos financeiros suficientes para reconstruir a vida, por isso a recente decisão que suspendeu o despejo trouxe tranquilidade. Valdeci Gomes, patriarca da família, e quem está implicado no processo de reintegração de posse, afirma que mesmo com a suspensão do despejo ainda possui receios por conta dos conflitos persistentes com o empresário e suposto dono do terreno. 

 

“Nós estamos um pouco tranquilos com essa decisão, mas a gente tem medo que eles venham aqui porque enquanto não tiver uma decisão definitiva não vamos nos sentir seguros”, conta.   

 

Valdeci e os familiares vem há pelo menos 25 anos tendo que lidar com os conflitos pela posse da terra, ameaças, criminalização e até com a destruição arbitrária de patrimônio. Em 2017 e 2021, as casas dos filhos de Valdeci foram destruídas por máquinas a mando do empresário – situações que deixaram traumas e angústia em todos de Sitio Bacabal, em especial nas crianças, relatam os moradores.  

 

Para a assessoria de Terra de Direitos, que acompanha o caso em parceria com o STTR, a suspensão do despejo é um passo importante para que as famílias continuem na luta pela moradia. "A decisão de suspensão foi tomada a partir de questões formais do processo, ou seja, ainda não foi garantida definitivamente a proteção da posse exercida por décadas. Mas de toda forma nos traz alívio de que essas famílias poderão continuar a luta pelo reconhecimento do direito à terra sem terem que abandonar suas casas".

 

Além da suspensão do despejo, a decisão também solicitou que seja feita uma inspeção na área para verificação da quantidade de pessoas que residem no local. No processo movido por Edilson Muniz, somente Valdeci e Luzenira aparecem enquanto ocupantes da área, o que descaracteriza o caso enquanto conflito fundiário coletivo, ou seja, que afeta várias famílias.   

 

A assessoria jurídica da Terra de Direitos, o STTR, Conselho Pastoral de Pescadores, Movimento Tapajós Vivo, Cáritas Santarém, Colônia de Pescadores Z-20, Associação de Moradores de Santa Maria, Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Santarém, Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Federação das Associações de Moradores, Comunidades e Entidades do Assentamento Agroextrativista Eixo Forte, Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAGRI), - Grupo de Defesa da Amazônia, Sociedade para Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente e Tapajós de Fato acionaram o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) para garantir o direito à moradia das famílias e o cumprimento das determinações do Supremo Tribunal Federal em relação aos conflitos fundiários coletivos urbanos e rurais, no âmbito da ADPF 828. Em resposta, o Conselho solicitou ao juiz do caso que sejam observados os atos normativos resultados da determinação do STF e que regulamentam a Comissão de Conflitos Fundiários do Pará, que deve promover a conciliação entre as partes envolvidas.  

 

Além disso, foi solicitado o acionamento do Ministério Público do Pará, que ainda não havia sido incluído na ação – na avaliação da assessoria jurídica da Terra de Direitos esta situação representa uma falha significativa para o andamento do processo. O Ministério Público cumpre o papel de fiscal da lei, garantindo que o direito à moradia das famílias de Sitio Bacabal seja observado.  

 

Luta Coletiva 

As famílias de Sítio Bacabal estão sendo acompanhadas pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR) e pelas entidades de Santarém que se mobilizaram na luta pelo direito à moradia e direitos humanos.  

 

Uma carta de solidariedade e apoio às famílias foi articulada pelas entidades solicitando que o governador do estado Helder Barbalho possa intervir no processo e garantir a permanência de todos na terra.  

 

O documento traz como forte argumento a ocupação mansa e pacífica exercida pelas famílias há muitos anos e a não escuta das famílias no processo: Vale ressaltar que no ano de 2013 o senhor Valdeci e família ingressaram com ação de usucapião da área, após 26 anos de ocupação mansa e pacífica, e que somente após o ingresso da referida ação judicial o suposto proprietário moveu ação de reintegração de posse já comentada. Como poderá ser executada essa sentença, sem que as partes acusadas nunca tenham sido ouvidas?, diz a carta.  

 

Especulação Imobiliária 

 

As dez famílias têm sido ameaçadas pela criminalização e especulação imobiliária da região que, além do aeroporto e praias nas proximidades, conta também com o novo Centro de Convenções, que será inaugurado em breve. A alta especulação imobiliária na região é entendida como um dos principais motivos de disputa pela terra.  

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