A relação entre a maternidade e a participação das mulheres na política é complexa e tem evoluído ao longo do tempo, refletindo nas mudanças sociais, culturais e políticas das diferentes sociedades.
Se levarmos em consideração o contexto histórico da luta pelos direitos das mulheres, é muito recente a presença de mulheres em espaços políticos, mulheres que são lideranças em seus núcleos de atuação, e ainda assim, se dividem na tripla e por vezes quádrupla jornada de trabalhar, militar, cuidar da casa, além de ser mãe, tarefa no qual se é dedicada a vida inteira em tempo integral.
As mães têm o poder de serem agentes de mudanças na sociedade, seja por meio do envolvimento na política formal, como candidatas a cargos eletivos ou ativistas, ou por meio de ações cotidianas e solidárias em suas comunidades. Como principais cuidadoras das futuras gerações, elas têm um interesse vital em garantir um ambiente saudável e sustentável para seus filhos e netos.
O Tapajós de Fato conversou com Débora Santos Miranda, que é professora concursada desde o ano de 2007, possui três graduações sendo elas Licenciatura em Letras pela Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, Licenciatura em Matemática e Física (2015) e Pedagogia (2019) e um mestrado em Física concluído em 2020. Já esteve à frente do SINTEPP por duas vezes. Débora iniciou sua vida política sindical em 2010.
Em defesa dos direitos dos educadores
No início de 2010 os professores da rede municipal de ensino estavam tentando implantar um sindicato municipal, mas que inicialmente não deu certo, apenas no dia 23 de julho daquele ano, ao receberam a visita de dois coordenadores gerais do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Pública do Pará/Regional (SINTEPP), que tinham como objetivo implantar novamente o sindicato em Alenquer, eles conseguiram. Com a criação do sindicato, Débora se filiou ao SINTEPP e desta forma iniciou sua vida sindical, “assinei a ficha de filiação exatamente porque já havia uma revolta com relação a algumas situações que aconteceram no nosso município na nossa vida trabalhista”, relata.
Débora nos conta que um dos principais problemas com a prefeitura na época eram as licenças prêmio, os professores que queriam tirar a licença tinham sua carga horária reduzida. “Eu achava isso um absurdo porque se era licença premium não tinha porque reduzir a carga horária do servidor, então quando diziam que iriam reduzir a carga horária ninguém tirava licença”. Outra questão levantada era a licença maternidade que era de apenas 4 meses, mesmo com a legislação assegurando o direito de 6 meses para as gestantes.
Além disso, demissões injustas eram frequentes, quem falasse mal do prefeito era transferido. Inconformada com essas situações, Débora ingressou na militância sindical, aceitando o cargo na coordenadoria de assuntos jurídicos no SINTEPP.
Destaque na Luta
Mesmo não estando na coordenadoria geral do sindicato, Débora se destacava na luta pelos direitos dos professores, sempre cobrando, mas ela também pontua que este destaque muitas vezes era negativo, “eu sempre fui muito atrevida, muito pavio curto, não sei se esse destaque foi totalmente positivo porque quando você fala, quando você cobra algo acaba incomodando e comecei a incomodar muita gente”.
Através destas lutas eles conseguiram o direito das gestantes terem a licença maternidade de seis meses e, logo em seguida, a reivindicação da licença prêmio foi atendida e isso intensificou os incômodos dando início as perseguições.
Naquela época, Débora tinha apenas um filho de cinco anos e vivia com seu ex-marido, mas se divorciaram cinco meses depois dela ter se filiado no sindicato, ela explica que não teve nenhuma relação com a filiação, mas que foi um momento muito delicado e complicado enquanto mulher.
“Eu estava à frente de uma luta do sindicato, estava com a minha vida toda atrapalhada por conta de que havia me separado do meu ex-marido e foi uma separação bem conturbada e eu tive que ser mãe e pai do meu filho, foi bem complicado, mas a gente conseguiu”, relembra Débora.
Foi neste cenário que as lutas pelos direitos começaram a ficar mais duras. Devido às reivindicações e reuniões, Débora vivia no Fórum, na época não havia o tribunal, os protocolos e intimações de processo via online através do Processo Judicial eletrônico (PJE) ainda não haviam sido adotados. “Eu saía da escola, ia pro fórum e tinha que deixar às vezes o meu filho com a minha avó, toda essa situação fez meu filho criar ‘ranço’ do sindicato”.
Débora conta ainda sobre a realidade dentro de alguns espaços de luta, “foi muito difícil, porque ser mulher e sindicalista é muito complicado, a gente tem que provar a todo momento que a gente é capaz, nós vivemos num país culturalmente e predominantemente machista”.
Apesar das dificuldades, estar no sindicato ajudou Débora a perceber problemáticas antes despercebidas. “Temos ainda um patriarcado muito enraizado e entrar no sindicato e conversar com outras mulheres que também faziam parte do sindicato com mais experiência do que eu me fez perceber que eu era uma reprodutora do machismo, porque nós somos enquanto mulheres infelizmente criadas para reproduzir o machismo ou criadas simplesmente para sermos donas de casa, mães, aquelas que têm que ser passivas a todo tempo, conformadas”.
Mas Débora pontua que sempre foi inconformada com essas questões apesar de ter um pai extremamente machista, ela sempre buscou aprender sobre o feminismo, mas se defender enquanto mulher ela afirma que aprendeu no sindicato.
Luta sindical e partidária
Em 2012, Débora ampliou sua participação política além do sindical, filiando-se ao PSOL. Dentro do partido, ela teve a possibilidade de se candidatar, mas preferiu dar a vez para outros colegas porque segundo ela aquele ano foi muito difícil dentro da luta, os servidores fizeram uma greve de mais de dois meses, onde Débora estava à frente e foi muito mais visada, exatamente por ser mulher, tendo que se reafirmar constantemente dentro dos espaços de poder, mostrando que era capaz.
“Os homens já nascem privilegiados pelo simples fato de serem homens. [...] a sociedade não nos vê como alguém capacitado, então é necessário provar. E o pior de tudo é como os homens nos olham e como as próprias mulheres também”, relata.
Apesar de todo esse preconceito sofrido, Débora conta que nunca ligou muito para o que as pessoas falavam, “eu acho que a melhor forma de lidar com o preconceito é mostrando que eu sou capaz e eu provo e isso acaba calando a muita gente preconceituosa”. Em 2020 ela se candidatou em um mandato coletivo, como deputada estadual, e foi co-candidata do professor Márcio Pinto. O preconceito obviamente foi muito grande por se tratar de uma mulher e por fazer parte de um partido de esquerda.
“Seria incoerente eu fazer parte de um sindicato, da luta sindical, da luta da classe trabalhadora e me filiar a um partido que não seja um partido que condiz com aquilo que eu defendo, na defesa dos LGBTs, na defesa da liberdade de expressão, então me filiei ao PSOL, eu me encaixo nas ideias do partido”.
Ela ainda chegou a se candidatar em seu município, conseguindo 520 votos, mas destaca que é muito complicado lidar com quem tem a máquina pública nas mãos.
Em meio a esse caos político, Débora concilia todas as suas outras atividades enquanto mulher e mãe, cuidando de seu corpo e sua mente, fazendo caminhadas, malhando ou correndo e participando das reuniões do sindicato.
Todo esse autocuidado é extremamente importante exatamente pela enxurrada de comentários pejorativos escutados no dia-a-dia, principalmente porque os ataques vêm de lugares de poder. Débora já recebeu diversas notas do governo municipal, a última a chamava de desequilibrada, colocando em xeque sua capacidade enquanto professora.
Em meio a tudo isso, ela cuida de seus filhos, muitas vezes com jornadas duplas ou triplas, mas permanece na luta. A maternidade envolve não apenas o cuidado e a criação dos filhos, mas também enfrenta desafios relacionados aos direitos reprodutivos, às políticas de licença-maternidade e paternidade, à igualdade de gênero e à proteção social para as famílias. As decisões políticas, sejam elas no âmbito local, nacional ou global, têm um impacto direto sobre a vida das mães e suas capacidades de exercer suas funções maternas, por isso estar presente em espaços políticos é extremamente necessário.
Apesar dos avanços recentes no cenário político, a mulher que é mãe, ainda encontra muita dificuldade de atuar enquanto agente político, uma vez que a estrutura ofertada nesses espaços não leva em consideração a maternância.
É uma realidade da mulher brasileira a falta de espaços que se importem com a maternidade, poucos são os núcleos que oferecem creches, banheiros adaptados, horários de plenárias e votações (para as mulheres parlamentares) que pensem essa realidade.
Maternar é um ato político, é criar sujeitos sociais, dessa forma, maternar em uma sociedade que ainda é excludente com a mulher mãe, é um ato político, e revolucionário.