Domingo, 03 de Novembro de 2024
Reportagem Especial Futuro

Os desafios de mães e de pais em preparar as novas gerações para os efeitos das mudanças climáticas em busca de um futuro mais sustentável e resiliente para todos

Educar filhos engajados nas questões climáticas é um nobre e necessário empreendimento que as famílias devem adotar neste século.

21/08/2023 às 14h44
Por: Marta Silva Fonte: Tapajós de Fato
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Arquivo pessoal
Arquivo pessoal

Em um mundo cada vez mais impactado pelas mudanças climáticas, é crucial preparar as novas gerações para enfrentar os dilemas ambientais que se apresentam. 

 

Uma pesquisa realizada pela Nickelodeon, em 2011, demonstrou que, dentre os países da América Latina, as crianças brasileiras são menos preocupadas com o meio ambiente. Esse dado, mesmo mais de uma década depois, preocupa e chama atenção para o papel dos pais, mães e/ou responsáveis em relação a essa temática  na educação de crianças.

 

O processo de aquecimento global vem afetando os recursos naturais, o acesso à água, à produção de alimentos, à saúde e ao meio ambiente, o que necessita de adaptações, a curto, médio e longo prazo, de um modo de vida e de consumo diferentes. 

 

Na atual conjuntura, não só é essencial educar os filhos para serem conscientes e ativos em relação ao meio ambiente, mas também é necessário equilibrar essa conscientização com uma abordagem positiva e empoderadora. O medo do futuro e a sensação de impotência podem prejudicar a motivação das novas gerações, tornando-se um obstáculo para a transformação efetiva.

 

No contexto amazônico, muitas são as mulheres mães que vêm se empoderando em relação à luta pela preservação do meio ambiente e ao modo de vida tradicional da região, combatendo as mudanças climáticas através de ações mais conscientes e sustentáveis. Mães trabalhadoras rurais, mulheres mães indígenas, ribeirinhas e pescadoras, militantes de causas sociais em prol da defesa da qualidade de vida dos seus e de sua família têm encabeçado a luta e trazido consigo os seus pequenos. É cada vez mais comum, a presença de crianças em mobilizações e em eventos que pautam a luta por segurança alimentar, por acesso à água de qualidade, acesso à terra e contra o uso de agrotóxicos. 

 

Keyse Costa, mãe da Rosa Madalena e ativista socioambiental, engenheira agrônoma, educadora popular, primeira secretária na Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Santarém (AMTR), onde atua na captação de recursos e coordenação de projetos voltados para o fortalecimento do associativismo na região, relata que “a família é fundamental. Ela é a base. Quando vamos até os territórios notamos que as crianças e jovens mais participativos vem justamente das famílias que se envolvem com as causas ambientais e de defesa de seus territórios”.

 

Para ela, que há muito está na luta e que há pouco tempo se tornou mãe, a prática educa. Quando ela é enraizada ainda na infância, é muito mais simples aplicar durante a vida adulta. “Quando as pessoas já têm uma educação ambiental básica, é muito mais simples o processo de aprendizagem”, aponta Keyse.

 

Mulheres, mães, militantes com seus pequenos durante encontros da campanha Climou, Mulheres pela Justiça Climática do MTV/ Foto MTV

 

Contudo, essa caminhada não é nada fácil. Uma das principais dificuldades reside na complexidade dos temas climáticos. A compreensão das causas e dos efeitos das mudanças climáticas envolve uma série de conceitos científicos, econômicos e políticos que podem ser desafiadores para mães, pais e/ou responsáveis na educação das crianças. Se os temas são de difícil compreensão para os adultos, imagine para crianças e adolescentes, haja vista que são muitos os fatores que dificultam a assimilação plena do assunto. Transformar esse conhecimento em ações concretas exige um esforço educacional cuidadoso e deve ser adaptado à idade e ao nível de compreensão de cada indivíduo.

 

Além disso, a educação voltada para questões climáticas, muitas vezes, esbarra na resistência de sistemas educacionais tradicionais. Esses sistemas podem priorizar currículos conteudistas em detrimento de abordagens contemporâneas e mais lúdicas, dificultando a inclusão adequada de tópicos relacionados ao meio ambiente. A falta de recursos e de treinamento adequado para os professores também pode limitar a eficácia do ensino sobre questões climáticas.

 

A influência da mídia e da cultura também é um desafio notável. Em uma sociedade na qual o consumismo e o desperdício são práticas comuns, educar crianças e adolescentes para adotarem um estilo de vida sustentável pode parecer uma batalha árdua. A publicidade incessante de produtos e práticas prejudiciais ao meio ambiente pode minar os esforços educacionais, tornando difícil para os jovens discernir entre escolhas ambientalmente responsáveis ou escolhas ecologicamente prejudiciais.

 

Esse ano durante os encontros da EMSA as mães participantes puderam levar as crianças/ Foto MTV

 

Apesar dessas dificuldades, é crucial perseverar na educação de filhos engajados nas questões climáticas. Para superar esses desafios, é necessário um esforço conjunto de pais, de educadores e da sociedade como um todo para formar uma geração consciente e comprometida em lidar com os desafios climáticos do século XXI.

 

A próxima geração será fruto da geração que hoje luta em prol de um projeto econômico mais sustentável para o planeta. Aquela que discutirá o meio ambiente já com noções a respeito de impactos causados, direta e indiretamente, pelas mudanças climáticas. Consequentemente, espera-se que ela seja mais preparada e, também, mais engajada em viver um modo de vida mais sustentável.

 

“Ser ativista socioambiental foi uma escolha inconsciente e sou muito feliz em ver minha vida profissional alinhada a uma causa que acredito”, relata Keyse. 

 

Para ela ser mãe só intensificou tudo. “Confesso ter tido sérias crises em relação a isso [a maternidade], um novo ser humano e eu tenho a missão de moldar pra que seja alguém decente e ainda lutar pra que ela tenha a oportunidade de uma vida tranquila nesse mundo”, declara.

 

Keyse e Rosa Madalena/ Foto Arquivo Pessoal

 

A importância de educar filhos preocupados com as questões ambientais transcende as fronteiras do ambiente doméstico, refletindo-se em um impacto significativo na sociedade e no planeta Terra. Em um mundo cada vez mais afetado pelas mudanças climáticas e pela degradação ambiental, a educação dos filhos em relação à sustentabilidade e ao respeito pelo meio ambiente não é apenas uma escolha responsável, mas também uma necessidade urgente.

 

A educação ambiental no seio familiar desempenha um papel fundamental na formação de valores, de atitudes e de comportamentos das gerações futuras. Ao introduzir as crianças desde cedo nas questões relacionadas ao meio ambiente, os pais têm a oportunidade de instigar senso de responsabilidade, de empatia e de consciência ambiental que influenciará nas decisões do infante ao longo da vida. Esses petizes têm maior probabilidade de adotar estilos de vida sustentáveis, fazer escolhas conscientes de consumo e se engajar em ações que promovam a preservação do planeta Terra.

 

Além disso, pais e mães que educam seus filhos sobre questões ambientais estão contribuindo para a formação de cidadãos globais informados e ativos. A compreensão dos desafios ambientais atuais e a busca por soluções criativas podem impulsionar o desenvolvimento de pensamento crítico, resolução de problemas e de colaboração, habilidades socioemocionais essenciais para os cidadãos de um mundo em constante evolução.

 

Ao cultivar uma mentalidade voltada para a sustentabilidade, os filhos podem se tornar agentes de mudança em suas comunidades e além. Eles podem influenciar colegas, amigos e familiares, inspirando uma cadeia de ações positivas que se espalham gradualmente. Além disso, a conscientização e a educação sobre questões ambientais podem moldar políticas públicas, impulsionar a inovação tecnológica e pressionar a economia por decisões empresariais mais responsáveis.

 

No entanto, a importância de educar filhos preocupados com as questões ambientais vai além das repercussões externas. Esse processo também pode fortalecer os laços familiares, promovendo discussões saudáveis e significativas sobre valores, ética e responsabilidade. Pais e mães que compartilham e vivenciam juntos o compromisso com o meio ambiente podem criar um senso de união que transcende gerações.

 

“Eu sou uma grande privilegiada e reconheço isso. Ser mãe é algo novo pra mim, minha bebê [...] me acompanha onde eu vou, não é todo emprego que possibilita isso. E é muito bom ver que tem espaço pra maternidade no ativismo socioambiental. Esse é o verdadeiro bem viver, a possibilidade do afeto em meio à luta”, pontua Keyse.

 

A educação ambiental transmitida por pais e mães desempenha um papel crucial na formação de indivíduos conscientes, compassivos e engajados. Ao preparar os filhos para enfrentarem os desafios ambientais, os pais criam agentes de mudança capazes de contribuir para um futuro mais sustentável, resiliente e equitativo. A importância dessa educação não se limita ao âmbito familiar, mas reverbera em toda a sociedade, moldando positivamente as trajetórias individuais e coletivas em busca de um planeta saudável e próspero.

 

Vemos isso no movimento das mulheres rurais e no movimento indígena, cujo número de jovens - cada vez mais novos - que vêm assumindo a luta em defesa da Amazônia e do seu modo de vida, sendo agentes de transformação, só aumenta. É o papel pedagógico do exemplo.

 

Três gerações ligadas a terra: Keyse, sua filha Rosa Madalena e sua mãe/ Foto arquivo pessoal

 

“A Madalena é bem pequena ainda, mas nós já plantamos o umbigo dela. É um pé de mangueira. Esse foi nosso pequeno ritual. Essa é a forma que os antigos faziam pras futuras gerações sempre voltar pra terra em que eles foram concebidos, independente do quanto eles andem”, comenta Keyse.

 

Preparar as gerações futuras para os efeitos das mudanças climáticas é uma jornada contínua que exige esforços coordenados em diferentes níveis da sociedade. É um investimento vital para garantir um futuro mais sustentável e resiliente para todos e não pode ser tratado como mera formalidade, tem que ser prioridade.

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