O Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Desenvolvimento e Direitos Humanos (GEDHA), vinculado à Diretoria de Pesquisas e Grupos de Estudo (DPGE), do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF), do Ministério Público do Estado do Pará, apresentou nota técnica que traz uma análise preliminar dos casos de estupro e estupro de vulnerável ocorridos no estado entre 2018 e 2022.
O estudo revelou que, nesse período, há um total de 19.839 registros, sendo: 7 casos de abuso sexual; 4002 estupros; 14.661 estupros de vulnerável; 18 casos de estupros de vulnerável com resultado morte; 774 tentativas de estupro; e, 377 tentativas de estupro de vulnerável. Em relação ao perfil das vítimas, dos 19.839 registros, 17.643 vítimas eram do sexo feminino, 1.928 do sexo masculino e 268 registros o campo de preenchimento com a informação do sexo da vítima consta como não informado ou prejudicado.
Infelizmente, em muitos casos, o agressor é alguém próximo e até mesmo familiar da vítima. Em 3.716 registros, o agressor era padrasto, pai do padrasto, ex-padrasto, genitor, pai ou padrinho; em 2.298 registros, o agressor era tio, primo ou mantinha parentesco por afinidade; em 1.160 registros, o agressor era marido, namorado, companheiro, ex-companheiro, esposo ou em união estável com a vítima; em 1.083, o agressor era amigo/amiga ou um vizinho; em 579, o agressor era avô ou bisavô; em 8 registros, o agressor era o sogro; em 2 o patrão; em 5.006 registros o campo de grau de relacionamento foi preenchido com a frase não informado; em 5.138 o campo não foi preenchido (vazio); e em 846 com diversos tipos de proximidade.
Entre os locais de maior ocorrência de crime, a residência particular (residência; condomínio residencial e afins) destaca-se concentrando 13.987 registros.
Ao analisar os dados, pôde-se perceber que o crime de estupro é, majoritariamente, praticado contra mulheres, sendo, assim, caracterizado como violência de gênero. E os dados poderiam ser precisos, se não fosse o mal ou o não preenchimento das informações no sistema de registro de Boletins de Ocorrência Policial, que deixou alguns indicadores indisponíveis, o que impediu a realização de uma perfilação mais precisa tanto das vítimas dos crimes sexuais como dos agressores; ou ainda, o esboço de qualquer detalhamento sobre os crimes de violência sexual, como por exemplo o padrão, local ou a frequência de ocorrência. Os dados também não identificam casos em que o crime de estupro tenha sido cometido contra pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIAP+.
Considerando o mesmo período (2018-2022), uma pesquisa do Ministério da Saúde foi realizada para uma melhor visualização do perfil das vítimas de estupro nos casos notificados no estado do Pará, quando a idade, raça e etnia. A faixa etária das vítimas entre 10 e 14 aos de idade somam 6.049 registros do total de 14.290 notificações. Quanto à raça, segundo os dados, do total de 14.290 registros, 12.072 das vítimas de estupro no estado do Pará são da cor preta ou parda.
Para refletir sobre isso, o MP levou em conta estudos anteriormente publicados, como o de Chimelly Louise de Rezende Marcon & Grazielly Alessandra Baggenstoss, publicado com o título “Entre Medusa e Sísifo: o acesso à justiça nos crimes de estupro contra mulheres e meninas”, na obra “A defesa dos direitos humanos na visão de mulheres do Ministério Público”. Segundo as pesquisadoras, “violência sexual é um ato radicado numa dimensão de poder, de disciplinamento e controle de corpos, e as reações, individual e coletiva, a essa violência também são realidades socialmente construídas”. Natália Petersen, na obra “Estupro: uma abordagem jurídico-feminista”, postula que estupro e assédio são crimes “comumente praticados por homens contra mulheres, em razão de a estrutura patriarcal e machista fomentá-los como seres dominadores, capazes de agir sobre seus dominados. A própria estrutura cria as mulheres como seres domináveis, adestráveis, atingíveis, frágeis, submissos. Ao tempo que constrói o masculino como viril, dominador, inatingível, inabalável e autoritário”.
A socióloga Heleieth Saffioti, na obra “Gênero, patriarcado e violência” afirma que além da violência física, o abuso e a violência de gênero são acompanhados por um sentimento de culpa. Para ela “As violências física, sexual, emocional e moral não ocorrem isoladamente” e acarretam em um silenciamento feminino que é reforçado por uma construção coletiva responsável por estabelecer um “pacto” estrutural, ocultando e naturalizando a violência sexual, o que vulnerabiliza ainda mais a mulher.
Vale ressaltar que, muitas vezes, a violência sexual ocorre no ambiente doméstico e, consoante a Lei Maria Penha (11.340/2006), cabe “ao Poder Público a incumbência de desenvolver políticas públicas que garantam os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares”.
Discute-se ainda, na nota, o fato de que muitos membros do judiciário acreditarem que em alguns casos, a liberdade/dignidade sexual não é violada quando existe o consentimento da vítima (mesmo que menor de 14 anos). Os defensores desta compreensão têm argumentado que, a realidade social, em função das mudanças que tem exposto os jovens a experiências sexuais mais cedo. Todavia, o MP continua a defesa de que menores de 14 anos, como estabelecido pela lei, são incapazes de consentir em razão da sua personalidade ainda estar em formação e desenvolvimento; logo, são vulneráveis. A condição de vulnerabilidade já é prevista em lei e não deve ser alvo questionamento com o fito de justificar/relativizar as práticas dos agressores, culpando as vítimas pela violência que sofreram.
Além disso, entre os produtos resultantes dessa análise está a criação de uma página na web para disseminar informações e atividades do Observatório de Direitos Humanos, bem como o desenvolvimento de um aplicativo para operacionalizar a Rede Estadual de Direitos Humanos do "Expresso DH".