Domingo, 26 de Janeiro de 2025
Reportagem Especial Orgulho

A criminalização do casamento igualitário no Brasil e a luta pelo direito de SER e AMAR

A discussão sobre o casamento homoafetivo voltou ao Congresso Nacional, mesmo após 10 anos da conquista histórica do direito à realização do casamento em cartório; já são mais de 76 mil famílias formadas legalmente.

06/10/2023 às 14h23 Atualizada em 06/10/2023 às 14h57
Por: Damilly Yared
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 Reprodução
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Nas últimas semanas, a pauta sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo voltou a ser motivo de debate no parlamento brasileiro. Um assunto que, até então, parecia simples e resolvido, pois, se duas pessoas LGBT+ quisessem casar, elas podiam, porque desde o ano de 2011, após um entendimento do Supremo Tribunal Federal [STF], esse tipo de casamento era permitido no Brasil e, em 2013, a Comissão de Constituição e Justiça [CCJ], aprovou que os cartórios pudessem realizar o casamento homoafetivo.

A união estável, de acordo com o Direito da Família, que está orientado na Constituição Federal, é a união entre duas pessoas, caracterizada pela convivência pública, contínua e duradoura, com o objetivo de constituir uma família.

Reprodução da Internet.

A discussão sobre o veto ao casamento igualitário vem ocorrendo desde o dia 19 de setembro e, após muitas discussões, parlamentares da chamada “bancada da bíblia” que são contra a união de casais homoafetivos e que foram por diversas vezes LGBTfóbicos durante as sessões. Em meio a tantas discussões, a votação foi adiada para o dia 27 do mês setembro.

Neste intervalo de tempo, houve uma audiência pública, realizada no dia 26 de setembro, antes da apreciação do Projeto de Lei, para debater a proibição do casamento igualitário no Brasil.

No último dia 27 de setembro, após a realização da audiência pública em Brasília, o relator do projeto Pastor Eurico (PL) pediu mais tempo para analisar o texto que está em apreciação e, mais uma vez, a votação foi adiada. 

Seguindo o eixo dessa discussão, precisamos entender como estão as pautas que beneficiam casais homoafetivos no Brasil, afinal, aqueles que pedem o veto à união estável entre casais homoafetivos afirmam que a lei está contribuindo para a destruição da família tradicional brasileira.

Casamento igualitário no Brasil nos últimos anos

No Brasil, desde a Constituição de 1988, não existe no Congresso Nacional nenhuma lei aprovada sobre o casamento igualitário, esse “entendimento” veio do STF em 2011.

O Projeto de Lei sobre direitos LGBTQ+ que mais avançou dentro do Congresso Nacional foi o de Marta Suplicy, que buscava alterar o Código Civil, o qual reconhece a entidade familiar como a “união estável entre homem e mulher” para “união estável entre duas pessoas”, mas, o projeto não foi analisado pelo plenário e foi arquivado no ano de 2018.

De acordo com os dados, desde 2013, com a aprovação do casamento igualitário em cartório, o Brasil registrou nos últimos 10 anos [2013-2023], 76 mil registros de uniões entre casais homoafetivos, sendo o estado de Minas Gerais, uma das unidades federativas com maiores registros. Em 2022, foi registrado ainda que 56% desses casamentos são entre parceiras femininas e 46% entre parceiros masculinos.

 Ed Ferreira

Pelo direito de Ser e Amar

O Tapajós de Fato conversou com Anderson Pereira, de 43 anos, artista plástico, antropólogo e casado, há 15 anos, com seu companheiro, Maycon Chaves. O artista contou como se sente com a volta dessa discussão e como esse debate é acima de tudo um retrocesso.

Para Anderson Pereira, a volta da discussão sobre a proibição do casamento igualitário no Brasil é assustadora, “porque pessoas LGBTs+ estão sempre na ressalva, a gente tem uma vida marcada por dores, por lutas e por conquistas de espaços, não só na sociedade, mas, principalmente, no nosso núcleo familiar, principalmente, muitos de nós somos expulsos de casa, muitos de nós perdemos amigos, quando a gente assume aquilo que a gente é e é dessa maneira que a gente quer que as pessoas nos aceitem”. Ele lembra que o direito de união estável entre homoafetivos é resultado de muita luta e lamenta que essa conquista volte a ser questionada.

Foto: Acervo Pessoal.

O antropólogo ressalta que é necessário pensar o que está por trás desse discurso conservador do congresso sobre o casamento homoafetivo e da disseminação de fake news de que união homoafetiva é crime previsto em lei, com a justificativa rasa de que a família tradicional seria destruída pelo simples fato de um casal homoafetivo buscar o direito que é dado constitucionalmente a todo cidadão brasileiro.

De acordo com Anderson, as escassas leis que temos atualmente asseguram direitos básicos, “essas leis garantem que a gente proteja nossos bens materiais adquiridos enquanto casal, nos garante acesso às políticas públicas, tanto de moradia, de financiamentos, garante o nosso patrimônio, garante o nosso seguro de saúde. São grandes garantias [por] que a gente vai lutando politicamente, e nós não tínhamos esse amparo legal. Então, atacar esse amparo legal é justamente atacar aquilo que nos protege, (...) é algo pensado para destruir toda uma estrutura que garante a nossa segurança”.

 

Segundo Pereira, a discussão do casamento homoafetivo está muito ligada ao fundamentalismo religioso. O artista questiona, ainda, “que tipo de Deus é esse que tanto devotam, que sempre está pregando a nossa morte. Não sei que Bíblia é essa, que Deus é esse que eles servem. Até onde eu sei, todas as energias, todos os saberes, todos os ensinamentos de Deus, tanto do ocidental, como de outros saberes religiosos, são deuses que pregam o amor. O amor ao próximo, o respeito e a inclusão. Então, não sei que Deus é esse que eles relatam, e não sei que família é essa que eles dizem que são exemplos, mas é pautada em uma mentira, nas traições…”.

Anderson Pereira finaliza a entrevista falando sobre seu casamento: “Eu sou casado com o Maycon, vai fazer 15 anos. É uma construção de uma vida, é uma construção de amizade, é uma construção de cumplicidade, de compromisso, e não tem algo mais feliz do que todos os dias a gente acordar, olhar um para o outro, olhar nossa casa, olhar nossas plantinhas, fazer a nossa comida e celebrar todos os dias o privilégio da gente estar juntos e vivos, pois sei que isso para a gente [LGBTQI+] ainda é uma exceção, mas a gente quer que isso seja uma referência, não o modelo, mas, uma referência para muitas outras vidas, para muitas outras pessoas que querem constituir sua casa, sua família e celebrar suas felicidades (...) a gente luta por respeito e amor, dentro de uma sociedade que olha nosso amor como algo demonizado. Isso é muito triste, mas estamos aqui firmes e demonstrativos, debatendo e lutando, marcando esses locais, não só com nosso conhecimento, mas também com a demonstração do nosso amor, e eu acredito que o poder do amor é o maior [para] derrubar toda e qualquer barreira, e destruir o mal, porque o amor tem esse poder”.

A equipe do Tapajós de Fato conversou também com a influenciadora digital, Lívea Amazonas, humorista, lésbica e criadora de conteúdo. Ela é casada com Nicole Amazonas, desde 2022.

Lívia Amazonas, relata em entrevista que “a primeira vez que vi essa notícia achei que era Fake News [mentira], porque de fato é um absurdo. E ver o esforço de alguns políticos em trazer essa discussão com um tom de ódio, de desdém, com uma narrativa que tenta nos inviabilizar e nos marginalizar é realmente triste. E, o pior de tudo, é que eles usam o nome de Deus para fazer tamanha atrocidade”, por isso, a influencer acredita que esse debate no Congresso Nacional “é um retrocesso, inconstitucional e vergonhoso”.

A influenciadora destaca ainda que, quando foi realizada sua declaração de união estável, em 2018, com sua companheira, não teve dificuldades de sacramentar a união estável e, no ano de 2022, Lívea e sua esposa realizaram o casamento em cartório.

Lívia Amazonas, relata em entrevista que “a primeira vez que vi essa notícia achei que era Fake News [mentira], porque de fato é um absurdo. E ver o esforço de alguns políticos em trazer essa discussão com um tom de ódio, de desdém, com uma narrativa que tenta nos inviabilizar e nos marginalizar é realmente triste. E, o pior de tudo, é que eles usam o nome de Deus para fazer tamanha atrocidade”, por isso, a influencer acredita que esse debate no Congresso Nacional “é um retrocesso, inconstitucional e vergonhoso”.

A influenciadora destaca ainda que, quando foi realizada sua declaração de união estável, em 2018, com sua companheira, não teve dificuldades de sacramentar a união estável e, no ano de 2022, Lívea e sua esposa realizaram o casamento em cartório.

Acervo pessoal.

A humorista ressalta ainda em entrevista que “para aqueles que são da Comunidade LGBTQIAP+: não abaixem a cabeça! Nós somos muito fortes para suportar tudo isso e iremos vencer. Para a comunidade geral: entendam [que] casamento homoafetivo não veio apenas para mostrar que nossas famílias existem, pois, sempre estivemos aqui. Nosso amor sempre existiu e é tão lindo quanto qualquer outro amor, mas também [veio] para garantir direitos civis que todo casal precisa ter no momento que vai constituir uma família. 

Não estamos falando sobre religião, e sim sobre direitos básicos para pessoas que até hoje sofrem preconceito e que morrem pelo simples fato de serem quem são”.

Reprodução da internet.

O Congresso brasileiro parece ainda, apesar de muita luta de alguns deputados contra a bancada da extrema-direita que é fundamentalista religiosa, longe de entender que a garantia de direitos mínimos a pessoas LGBTQIAPN+ tem que fazer parte de uma política pública do Estado, que a religião não deve interferir no Estado que é laico [onde o poder do Estado é oficialmente imparcial em relação às questões religiosas, não apoiando nem se opondo à nenhuma religião],

Como disse a Deputada Erika Hilton, durante a sessão no Congresso Nacional que discutia o casamento homoafetivo: “A sociedade teve guerras históricas horrorosas, e as piores delas foram aquelas que foram feitas em nome de Deus. O nazismo é um exemplo disso, nós não caímos mais nessa farsa. Não caímos mais nesta encenação de dizer ´estamos aqui falando em nome de Deus, somos pessoas boas, pessoas dignas, honradas’. Falsos profetas. Deus deve estar envergonhado de tanta maldade, crueldade e ódio sendo proferido em seu nome, não existe uma guerra entre cristãos e LGBTQIA+, não existe uma tentativa de combater igreja, não existe perseguição ao evangelho, não existe ódio a ninguém. O que estamos tentando fazer aqui, com muito sacrifício e com muita dificuldade, é defender os pouquíssimos direitos em uma sociedade que nos pisa, todos os dias, constantemente, ninguém está discutindo se padre, pastor, pai de santo, nenhum líder religioso de qualquer denominação religiosa, terá que praticar algum tipo de cerimônia que não concorde, aqui estamos falando de direito civil. Não abriremos mão da nossa humanidade, não negociaremos os nossos direitos, não abriremos mãos de nossa cidadania”. 


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