A Bienal das Amazônias está com as portas abertas ao público até 5 de novembro com obras de 120 artistas dos nove estados amazônicos brasileiros e dos sete países que integram a Pan-Amazônia. O ponto principal de exposição das obras é um novo espaço cultural de Belém, o prédio desativado de uma antiga loja de departamentos, com quatro pavimentos e 7,6 mil metros quadrados, no centro comercial da cidade. Uma galeria do tamanho que a bienal merece, por representar a grandeza do povo amazônico. A apreciação das obras tem entrada franca.
A organização do evento apresenta a bienal como o retrato de uma Amazônia cujo território ultrapassa as fronteiras, fazendo irmãos pessoas de diferentes estados e de diferentes países; logo, de diferentes etnias. São índios, negros, latinos, brancos; moradores de aldeias, vilas, comunidades, distritos, cidades, metrópoles, que trafegam por igarapés, rios, estradas, avenidas. Todos amazônidas. Uma multiplicidade de povos que se diferenciam por seu cotidiano e por suas práticas culturais, mas que se aproximam por seus desafios e por sua origem – a Amazônia.
Toda essa pluralidade, uma das grandes riquezas da região, precisava de ação pensada e desenvolvida por artistas, produtores e criadores que vivem a Amazônia, com o objetivo de provocar o habitante da região a se ver e a se mostrar, não apenas através da contemplação, mas da reflexão contextualizada, afirmando sua identidade plural. (Fonte: https://www.bienalamazonias.com.br/)
De acordo com Vânia Leal, uma das curadoras do encontro, são diferentes expressões que brotam da individualidade amazônica, mas que expressam a convivência do artista, seus valores, suas identidades por meio da arte, construindo a multiplicidade de expressões que é a cultura amazônica. A arte historiadora fala sobre a diversidade no evento, que é muito necessária, pois a Amazônia é diversa. Ela diz que “Somos plurais, não existe uma forma única de se fazer arte, o que existe são diferentes individualidades que produzem arte” (fonte: Agência Brasil).
Vânia, no processo de escolha e curadoria dos artistas e das obras que compõem a Bienal, explorou o conceito de “sapukai”, termo de origem guarani que significa grito, sugerindo uma polifonia – as múltiplas vozes –, representando o som de todas as pessoas que participaram de um processo de pesquisas no território amazônico e de todas as pessoas e identidades individuais e coletivas que são representadas pelas obras expostas.
Nesse caldeirão cultural, foi adicionada uma pitada de tempero santareno: Francisco Vera Paz – mais que um nome que traz à memória uma das mais belas praias na zona urbana de Santarém e que era um ícone da cidade até a década de 1990 (e que foi destruída por um empreendimento graneleiro), ele é mestre em Educação pela Ufopa, atuante no teatro e nas artes plásticas, escritor e ilustrador.
Francisco teve obras selecionadas para a exposição e falou ao Tapajós de Fato sobre a importância do evento: “Posso dizer, sem exagero, que esse é um evento de peso histórico, no cenário da arte nacional e transnacional, por vários motivos: primeiro, é protagonizado pela Amazônia que eleva sua representatividade no cenário das grandes bienais. Segundo, o evento ocorre 101 anos após a semana de arte moderna de São Paulo”. A Semana de 1922 foi um marco na história das artes para o nosso país, mas foi resultado de um movimento elitista do Sudeste. A Bienal das Amazônias sai desse eixo Rio-São Paulo, dando protagonismo à Amazônia, ao artista amazônida e às suas diversas expressões artísticas.
Francisco fez um breve comentário a respeito da diversidade na curadoria do evento e fala porque, comparando com a Semana de Arte Moderna, a bienal é mais diversa e democrática: “Naquela época, a participação dos homens era majoritária, e, hoje, temos um evento com uma curadoria que teve a coragem de convocar um corpo de mais de 50% dos artistas formado por mulheres, artistas trans, arte drag, arte de periferia, artistas negros, indígenas de todos os países da Pan-Amazônia. Isso nunca aconteceu antes! Em nenhum lugar do mundo. E compor esse coletivo de artistas que vem pensando e sentindo os rumos da humanidade, da floresta, da existência, é sem dúvida uma grande realização pessoal e social”.
O artista explora uma tendência contemporânea chamada “Matrizes urbanas [que] é uma pesquisa visual que explora a urbe como ateliê e galeria; também é um lamento ante o espanto daquilo que considero uma progressiva e violenta forma de devoração vegetal que se intensifica em minha cidade”. Dessa forma, o uso de madeira como material de sua obra, ajuda a denunciar a exploração desenfreada de recursos naturais, o que acarreta danos socioambientais graves à população da Amazônia, bem como do mundo todo.
Na bienal, o artista está com uma exposição que, segundo ele, “faz parte de uma grande série de gravuras chamadas ‘Sudários’ que desenvolvi entre os anos de 2009 a 2015, em nossa cidade [Santarém]. O processo de criação é a xilogravura sobre tecidos. A madeira utilizada vem dos troncos de árvores cortadas. O trabalho é uma tentativa de resposta ao desaparecimento progressivo das áreas verdes em nossa cidade, pela escolha de um modelo de desenvolvimento divorciado das preocupações socioambientais”, conclui o artista.
No tecido negro, o artista grava as bases de troncos de árvores vitimadas por motosserras. A comparação das xilogravuras com um exame de imagem faz todo o sentido, pois elas mostram um raio X de uma Amazônia que está doente e que pede socorro, uma vez que tem sofrido demais com as ações da grilagem, do latifúndio, da garimpagem e da exploração ilegal de madeira.
A arte de Francisco Vera Paz é um exemplo de um olhar sensível e pontual a respeito de uma temática tão relevante e necessitada de destaque: a Amazônia. O artista preconiza uma iniciativa de arte-denúncia que atua para além da função artística, ela oportuniza um olhar crítico para o cenário de extermínio da floresta amazônica.