“O ideal materno oscila entre a mãe sacrificada, a serviço da família e das crianças, e a superwoman [super mulher] capaz de conseguir tudo conciliando trabalho e criação dos filhos”, disse a escritora espanhola Esther Vivas, em seu livro “Mãe Desobediente. Um olhar feminista para a maternidade” [tradução para Mamá desobediente Una mirada feminista a la maternidad].
A maioria das mulheres vivem em uma condição de “super mulher”, que é uma condição imposta pelo patriarcado [um sistema social e cultural em que os homens têm poder e controle predominante sobre as mulheres], onde a tarefa de ser mãe diante desse sistema não é mais que uma mera obrigação, afinal, é o patriarcado o grande responsável pela maternidade compulsória [quando a maternidade não é pensada e leva a mulher a acreditar que o caminho biológico de toda mulher é ser mãe].
Independente do eixo político ativista, a luta está ligada a tempo, dedicação e organização pela mudança da realidade e é na construção desses espaços ativistas, que são encontradas muitas mulheres, que além da militantes são mães, e baseado na construção desses lugares, que precisamos entender os desafios que as mães ativistas vem enfrentando, não apenas na luta social, mas também na luta revolucionária que é maternar nesses espaços.
O questionamento que fazemos é, como as mulheres mães, conseguem lidar com a construção de espaços ativistas e conciliar com a maternância, e para entender como é construir esses espaços e ser mãe, o Tapajós de Fato traz a história de uma mulher afro-amazônida, de 30 anos, formada em agronomia, secretária da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Santarém (AMTR) e mãe da Madalena, Keyse Oliveira.
TdF - Como é ser mãe e equilibrar a maternidade com os espaços de ativismo?
“A maternidade já é um desafio por si só, mesmo que o pai seja presente e ativo, a mãe sempre será a mais sobrecarregada. Quando unimos isso ao ativismo é ainda mais difícil, a única forma de equilibrar essa vida é amando muito a causa. É imaginar que o que eu faço hoje, será um exemplo pra minha filha, essa foi a forma que eu encontrei de lutar por um mundo um pouquinho melhor para ela e para as próximas gerações”
TdF- Qual o principal desafio que as mães ativistas enfrentam?
O meu maior desafio em ser uma mãe ativista no contexto da Amazônia é sempre a logística envolvida em qualquer ação que eu possa participar, por morar longe e usar o transporte público, esse é um dos principais fatores para exclusão dos espaços.
TdF- Como são os espaços de ativismo para mulheres mães?
Os espaços de ativismo estão abertos, mas, ainda falta muito para serem inclusivos de fato. É muito bonito ver uma mãe com seus bebês nesses espaços e sempre ouvimos quanto somos guerreiras, mas ninguém sabe as dificuldades que enfrentamos para estar ali. Acho que falta uma sensibilização por parte dos próprios companheiros/as de luta, uma vez que tratamos de pautas tão progressistas, mas falta esse olhar mais humanizado e pensar nesses espaços com a interseccionalidade necessária para ampliar a participação de mães.
TdF - Quais são as políticas dentro das organizações que podem melhorar a inserção das mães nos espaços militantes?
Uma vez participei de uma imersão pela IARA e a organização foi super acolhedora, contrataram uma babá para ficar com a minha bebê, ela tinha 3 meses na época, e eu achei o máximo. Mas é claro que nem toda organização tem recurso financeiro para arcar com isso. Mas, deixar alguém da equipe responsável só para olhar os pequenos e preparar um lugar seguro para eles, com atividades que possam fazer, acho que já traz tranquilidade para as mães que participam. Eu mesma já participei de eventos que os organizadores não tiveram esse olhar e acabei não seguindo no evento, porque não conseguia me concentrar, infelizmente.
TdF- Qual é a importância da solidariedade entre mães ativistas? Como isso pode fortalecer os movimentos?
As mães entendem mães, a solidariedade entre mães ativistas é maravilhosa e essencial, para que possam se unir cada vez mais e dividir suas experiências, desta forma, toda a rede de apoio que envolve as mães são um exemplo a se seguir dentro do movimento.
Keyse Oliveira ressalta ainda alguns desafios que vem enfrentando nos espaços de ativismo e como está conciliando com a maternidade, - “eu enfrento vários desafios, seja a logística a falta de rede de apoio, a exclusão que a maternidade nos sujeita, a falta de recursos financeiros, mas, tento lidar da melhor forma possível, pois o movimento, apesar de tudo, me possibilita acompanhar de perto o crescimento da minha filha e isso é um privilégio que poucas mães têm” - finaliza.
As mulheres não podem ser reduzidas hoje as suas tarefas, como ou ser mãe, ou ser ativista, e escolher entre maternar ou militar, as organizações, os espaços de ativismos precisam de forma urgente olhar para essas mulheres, que saem das suas casas, muitas vezes com os filhos nos braços, com a esperança de construir um mundo mais justo e melhor para as futuras gerações.
Assim, precisamos de um feminismo que debate a maternidade, não trate ela apenas como uma escolha, porém, que consiga debater todos os dilemas de cada mulher com a maternidade.
A luta das ativistas mães não pode ser invisibilizada, as mães também são sujeitas de direitos, e precisam de seus espaços respeitados e garantidos.