Quinta, 05 de Dezembro de 2024
Reportagem Especial Crime

Pesca predatória: como a prática da pesca de arrastão impacta pescadores e comunidades

Pesca de arrastão tem causado impactos econômicos e ecológicos na região. Movimento indígena pede fiscalização permanente dos órgãos responsáveis.

08/11/2023 às 17h42 Atualizada em 10/02/2024 às 00h53
Por: Damilly Yared Fonte: Tapajós de Fato
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Foto: Tapajós de Fato
Foto: Tapajós de Fato

Na região amazônica, a pesca é um traço cultural, uma atividade de subsistência para diversas famílias da região, além de ser uma importante atividade econômica.

E quando falamos da região do Baixo Tapajós, onde fica localizado o município de Santarém, no oeste paraense, devemos lembrar que essa é uma região rica em várias espécies de pescados. Por isso, é comum [dependendo da época] encontrar diversidade e fartura de peixes, o que é muito bom; afinal, é o pescado que proporciona a renda de diversas famílias ribeirinhas. Além disso, peixe faz parte da dieta do povo das regiões de rios. Ele é um alimento inserido em boa parte da nossa gastronomia. Comer peixe, principalmente adquirido por meio da pesca artesanal, faz parte da nossa cultura.

Foto: Sapopema

A pesca artesanal é uma atividade ancestral, um ensinamento de práticas que passam de geração em geração, além de ser uma atividade que, na maioria das vezes, mobiliza toda a família, bem como a maioria dos moradores da nossa região. Essa atividade movimenta bastante a economia do município de Santarém, que tem centenas de trabalhadores ligados à Colônia de Pescadores Z-20, além de outros que pescam para subsistência de suas famílias em suas comunidades ribeirinhas, tradicionais ou originárias.

Infelizmente, a pesca artesanal não é a única forma de conseguir peixes na nossa região, nos últimos dias, diversas denúncias de pesca predatória tem sido noticiadas e, para entender a diferença entre a pesca predatória e a pesca artesanal, o Tapajós de Fato conversou com Manoel Pinheiro, presidente da Colônia de Pescadores Z-20, de Santarém.

Para Manoel, o tema pesca predatória é grave e a prática pesca de arrasto ou arrastão, como é popularmente conhecida uma das modalidades predatórias praticadas na região, é muito impactante, por isso, ele ressalta que a colônia de pescadores Z-20 trabalha muito a conscientização dos pescadores a respeito do que pode e do que não pode, informando quais práticas são irregulares.

Foto: Fernando Sette Câmara

O presidente da Z-20,  reforça ainda que “a pesca de arrastão, se sabe que é uma pesca predatória, é uma pesca irregular, e sabemos que quem faz isso são pescadores clandestinos, aqueles que não estão habilitados para exercer a atividade, pescadores que não valorizam a organização, por exemplo, são pescadores inconscientes, que não pensam nas consequências [dessa prática] amanhã” - Manoel Pinheiro, diz-se ainda revoltado com esse tipo de atividade, principalmente, porque ela impacta a produtividade dos pescadores profissionais, além de criar um impacto econômico em toda a cadeia do comércio pesqueiro e em todo o ecossistema de onde ocorre essa prática criminosa. Os pescadores cadastrados na Z-20, fazem relatórios de suas atividades que não se estendem pelo ano inteiro, como é o caso da prática da pesca predatória.

O Tapajós de Fato conversou também com seu Adalci Dias, pescador ligado à Z-20, membro do conselho fiscal da Z-20 e morador de Vila Brasil [rio Arapiuns].

De acordo com Adalci, a pesca de arrastão é uma captura ilícita do pescado que ocasiona diversos prejuízos aos lagos e aos rios, pois ela acaba diminuindo a diversidade de espécies de peixes, deixando cada vez mais escassa a pesca das famílias que dependem disso para sobreviver, especificamente, as famílias de áreas ribeirinhas que têm o pescado como a fonte da sua sobrevivência.

Foto: Tapajós de Fato / Feira da prainha - Porto dos Milagres

No entanto, ainda de acordo com o membro do conselho fiscal da Z-20, essa modalidade de pesca [pesca de arrastão], vem crescendo na região, e ela cria grande impacto ecológico, o que tem gerado grande preocupação para os pescadores da região. Aldaci finaliza a entrevista com um recado aos pescadores da região: “que eles busquem priorizar o nosso meio ambiente, que se coloquem no lugar de pescadores defensores do meio ambiente”.

O impacto da pesca de arrastão

Na manhã desta quarta-feira, 8 de novembro, foi chamada uma coletiva de imprensa pelo Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns - CITA, para falar sobre essa atividade que tem causado conflito nos territórios e, nos últimos dias, gerou grande conflito no território Kumaruara, na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. 

Com a falta de fiscalização dos órgãos responsáveis, os indígenas do território partiram para o campo para tentar frear essa atividade que traz grandes impactos ambientais.

Diante do problema exposto, o Tapajós de Fato conversou com Auricélia Arapiuns, coordenadora executiva do CITA. De acordo com ela, a situação “é muito grave, porque a gente não sabe o que está acontecendo com a natureza, ou como ela vai reagir a tudo que está acontecendo, mas isso [a pesca de arrastão] deixa muito estrago, porque eles [indivíduos não membros da comunidade] não escolhem os peixes e eles vão jogando muito peixe morto no rio, vai estragando e aí eles fazem arrastão nos poços [como é chamado por quem pratica esse tipo de pesca] de reserva de peixe. E eles acabam levando todo o peixe e, com isso, vai faltando alimento. Quando os parentes vão pescar, eles acabam tendo dificuldades na pesca porque eles não fazem a pesca dessa forma, a pesca dos parentes é para a subsistência deles, então, eles acabam tirando todos os peixes e no período do defeso não vai ter como pescar”.

Auricélia ressalta ainda que os acordos de pesca  não são respeitados por esses aproveitadores. Por exemplo, pelo acordo de pesca são permitidos 500 metros de malhadeira por embarcação, mas uma bajara foi apreendida com 4000 metros de malhadeira e ela questiona “quanto de peixe e estrago isso está causando à natureza?”.

A coordenadora executiva do CITA, reitera ainda que todos querem saber quem está por trás dessas atividades de pesca predatória; além disso, é necessário que os órgãos responsáveis pela defesa e pela fiscalização do meio ambiente deem respostas. Como o que eles estão fazendo é crime, é indispensável que os infratores sejam punidos. Apenas dar o peixe para as comunidades não resolve, porque os criminosos sempre acabam voltando. Auricélia enfatiza ainda que “nós não queremos fiscalização só quando o povo chama, tem que ter fiscalização permanente dos órgãos [responsáveis] nessas áreas, [em] que são proibidas a pesca. Nós queremos fiscalização permanente”.

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