Agrotóxicos, pesticidas e defensivos agrícolas são diferentes terminologias usadas para disfarçar o que realmente eles representam: venenos. Dessa forma, essas expressões apenas mascaram um produto, fazendo com que a população despreze os maléficos poderes que ele tem. O poder de poluir, de adoecer e o poder de matar. Entretanto, existe um lobby muito forte a respeito do assunto no Congresso Nacional e um poder intenso da bancada ruralista que insiste em propor leis que favoreçam ainda mais o uso dessas substâncias nocivas à saúde humana.
“Pacote do Veneno” retorna ao plenário de votações do parlamento brasileiro
Voltou a tramitar novamente, no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso, o projeto de Lei 1.459/2022 (conhecido como ‘Pacote do Veneno’), o qual prevê a redução brusca de tributos sobre agrotóxicos – 60% no ICMS e 100% no IPI –, além da liberação de alguns venenos que hoje são proibidos, o que promoverá, caso o PL seja aprovado, o uso de agrotóxicos ainda mais danosos na comida do povo brasileiro.
O PL do Veneno foi aprovado na manhã desta quarta-feira (22), na Comissão de Meio Ambiente do Senado. Esse Projeto de Lei é um verdadeiro risco ao meio ambiente e para a espécie humana.
O setor de agrotóxicos no Brasil sempre recebeu, e continua a receber, benefícios de medidas estatais, ainda que sejam comprovados os danos que os venenos na produção de alimentos trazem à saúde humana, a diversos ecossistemas e ao meio ambiente. Ademais, as isenções fiscais para o setor acarretem perdas consideráveis aos cofres públicos. Só em 2021, essas perdas chegaram perto dos 13 bilhões de reais. Mais que a perda de dinheiro do erário público, isto é, conjunto de bens públicos, pais, mães, filhos, amigos se vão intoxicados para sempre do convívio dos seus. Por conta disso, diversas instituições têm se manifestado contra o “pacote do veneno”.
Segundo o estudo intitulado Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde, elaborado por Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs) de 19 estados brasileiros, os agrotóxicos têm um elevado potencial de causarem diversos tipos de câncer; desregulação endócrina, interferindo na produção, secreção, transporte, ligação, ação ou eliminação de hormônios, que são substâncias responsáveis por funções como desenvolvimento, reprodução, funcionamento do metabolismo e comportamento dos organismos; e elevado grau de toxicidade ambiental. Ademais, muitos problemas de saúde têm sido apontados como consequências do uso de agrotóxicos.
Segundo a pesquisadora Larissa Bombardi, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), no livro ‘'Agrotóxicos e o Colonialismo Químico”', que denuncia os impactos dos agrotóxicos para a saúde humana, em 2010, 2.300 pessoas foram intoxicadas. Em 2019, esse número foi de 5.189. Mais que o dobro. Em tudo o que diz respeito aos impactos dos agrotóxicos, nos últimos 10 anos, houve piora. Na Amazônia brasileira, o uso da atrazina teve aumento de 575%. Ela é uma substância proibida na União Europeia, já que está ligada a casos de câncer (de estômago, de próstata, de tireoide, de ovário), doenças neurológicas (como o mal de Parkinson) e de má formação fetal. (Fonte: Revista Marie Claire)
A comercialização de agrotóxicos é um alerta para a Vigilância em Saúde, pois o aquecimento desse mercado significa alta de intoxicação e de diversas enfermidades.
Estudo realizado no planalto santareno mostra sintomas de envenenamento após manipulação de agrotóxicos
O Tapajós de Fato conversou com a pesquisadora Caroline Gois Braga. Ela é mestra em Biociências e doutoranda em Ciências Ambientais pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). A pesquisadora apresentou, para conseguir o título de Mestrado, uma dissertação pautada em investigar a exposição ambiental a agrotóxicos na comunidade rural de Boa Esperança, município de Santarém-PA. Entre os sujeitos da pesquisa, há comunitários que moram perto de plantações de soja. Consoante os entrevistados, as manifestações clínicas mais sentidas, logo após a aplicação de agrotóxicos, foram dores de cabeça, irritação nos olhos, dor abdominal, tosse, cãibras, visão turva, diarreia e falta de ar. (Fonte: https://repositorio.ufopa.edu.br/jspui/bitstream/123456789/713/1/Dissertacao_AvaliacaoDaExposicaoAmbiental.pdf)
A pesquisadora contou como surgiu a ideia de pesquisar a respeito do assunto: “A ideia de pesquisar a respeito do risco químico pela aplicação de agrotóxicos surgiu a partir da primeira pesquisa que realizei com a cadeia produtiva da soja na região, na qual mensuramos a pegada hídrica do plantio e desenvolvimento desta cultura produzida na Amazônia. A partir disso, fiquei instigada por perceber o potencial passivo pelo uso de agrotóxicos através da expansão da fronteira agrícola na região Oeste do Pará, fronteira esta que está no entorno e/ou fragmentando diversas comunidades e suas populações”. Segundo ela “Os agrotóxicos podem ser absorvidos pelo contato direto (ocupacional, intencional, acidental) e indireto (ambiental) e chegam ao organismo por meio das vias de exposição que podem ser inalatória, ocular, dérmica, digestiva e por aspiração. Na pesquisa que realizei na dissertação, o recorte está no ambiental, isto é, efeitos na saúde humana decorrentes, principalmente, da exposição pela proximidade de algumas comunidades rurais de Santarém às áreas pulverizadas (deriva de agrotóxicos)”.
O Tapajós de Fato perguntou se, após a pulverização, é possível resquícios desses defensivos penetrarem no solo e contaminarem o lençol freático. Ela respondeu que “Eles têm esse potencial sim, por meio da degradação da substância, lixiviação e adsorção pelo solo, sendo percolado e atingindo os lençóis freáticos. Muito depende do/s ingrediente/s ativo/s da formulação do agrotóxico, como sua molécula interage com o meio e, então, pode haver a potencialização desses processos”, o que realmente preocupa. Ela cita ainda que, portanto, o uso de agrotóxicos pode a acabar comprometendo corpos de água que abastecem a população. Segundo Caroline Gois Braga “Pode comprometer de maneira direta e indireta através da contaminação, afetando a qualidade da água - com maiores desafios no caso de moléculas persistentes como o DDT que, mesmo proibido, até os dias de hoje é encontrado no meio. Interfere também na saúde humana e ambiental a considerar a exposição e intoxicação de organismos aquáticos como peixes, e os possíveis danos ao DNA e manifestação de sintomas em humanos”.
Ela considera que esses resultados danosos podem ser idênticos em outros municípios da região: “Os resultados podem ser os mesmos em Mojuí dos Campos e Belterra sim, até porque estes municípios estão inseridos em um mesmo cenário e possuem comunidades rurais com histórico parecido frente a chegada da fronteira agrícola à região Oeste do Pará. Sobre isso, há o adendo de que a pesquisa de doutorado que estou realizando é verificar efeitos genotóxicos em humanos que residem no entorno da fronteira agrícola, principalmente monocultura de soja, nos três municípios Belterra, Mojuí dos Campos e Santarém. Além disso, o projeto do qual faço parte (que é fomento da CAPES, Ufopa e Projeto aprovado pelo Iniciativa Amazônia +10), irá verificar também a saúde ambiental (sedimento, peixes, solo, água) relacionado à exposição a agrotóxicos na região. Trata-se de uma ampla equipe”.
A pesquisadora ressalta que a contaminação ambiental é ampla. “O impacto negativo ambiental envolve a contaminação de diversas matrizes como o ar, solo, água e, em consequência, os organismos como nós, nossa segurança dos alimentos, e os demais seres vivos pelos efeitos adversos que podem ser causados a todos, uma vez que, embora não sejam alvo, são atingidos”. Ela diz que cedo ou tarde o efeito da intoxicação aparece: “Os sintomas dependem muito de qual é o ingrediente ativo do produto que está sendo manipulado. Nesse sentido, vemos uma grave dificuldade de mapeamento de manifestações clínicas, pois há múltiplas substâncias utilizadas para cultivo da soja/fronteira agrícola, o que pode potencializar a toxicidade delas ao interagirem com os organismos (humanos ou não), ou se potencializam também no caso de princípios ativos associados em um mesmo produto (ambos principalmente a longo prazo/exposição crônica)”, conclui a pesquisadora com palavras ratificadas por um médico que falou com o Tapajós de Fato.
Agrotóxicos e a relação deles com doenças
O Tapajós de Fato procurou o médico Átila Barros Magalhães para falar sobre a manipulação de agrotóxicos e a consequente intoxicação. Ele é Neurocirurgião e Professor da Universidade do Estado do Pará. Dr. Átila disse que “A exposição a agrotóxicos, tanto no manuseio na lavoura quanto na água, pode representar riscos significativos à saúde. Os principais perigos incluem danos ao sistema nervoso central, respiratório e a possibilidade de carcinogenicidade”.
O médico destacou os problemas a que estão sujeitos aqueles que se expõem a agrotóxicos. De acordo com ele, “Os acometimentos relacionados à exposição a pesticidas nocivos, especialmente, os que afetam o sistema nervoso, podem incluir distúrbios neurológicos como tremores, déficits cognitivos e até doenças neurodegenerativas, exigindo atenção especializada. Sintomas a serem observados para buscar ajuda médica incluem desde irritações agudas, náuseas e tonturas a longo prazo, até problemas neurológicos persistentes como cefaleia, alterações sensitivas ou motoras. A busca precoce por assistência é vital para mitigar possíveis danos à saúde”.
O neurocirurgião enfatizou também que “Medidas de proteção são cruciais. O uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), práticas seguras de manuseio e o investimento em métodos agrícolas sustentáveis são maneiras eficazes de minimizar a exposição e seus impactos.”
O médico demonstrou preocupação com a preservação da fauna e da flora amazônica ressaltando que “Na realidade amazônica, onde a biodiversidade é única, a atenção aos agrotóxicos é crucial para preservar ecossistemas. Métodos agroecológicos e a promoção da agricultura sustentável são, com certeza, decisões mais apropriados para a nossa região”, concluiu.