Brasília, DF – O GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, uma rede de mais de 50 organizações da sociedade civil brasileira, enviou na quarta-feira (20) uma carta ao grupo de trabalho criado pelo Ministério dos Transportes para analisar a viabilidade econômica e socioambiental do projeto da Ferrogrão (EF-170), a polêmica ferrovia proposta para incentivar a exportação de soja e outros grãos do agronegócio matogrossense por vias terrestres conectadas a terminais portuários e uma hidrovia no rio Tapajós, em plena Amazônia.
A Ferrogrão foi idealizada por um grupo de ‘tradings’ do agronegócio (Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus) para baratear os custos de transporte de grãos destinados à exportação, envolvendo a construção de uma ferrovia de 933 km entre Sinop (MT) e Miritituba (PA). Seus defensores argumentam que a Ferrogrão deve receber incentivos como projeto ‘verde’, por reduzir a utilização de combustíveis fósseis, em comparação com o atual transporte da soja por caminhões na rodovia BR-163.
Por meio da Portaria nº 994 de 17/10/2023, o Ministério dos Transportes criou um Grupo de Trabalho para acompanhar os processos e estudos relacionados ao projeto, com foco nos aspectos de viabilidade socioambiental e econômica. Além de instâncias do Ministério dos Transportes, participam o Instituto Kabu, Rede Xingu+, e os autores da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no. 6553, que questionou a redução do Parque Nacional de Jamanxim para abrir caminho a um trecho da ferrovia.
Citando graves problemas de viabilidade econômico-financeira e riscos socioambientais da Ferrogrão, identificados em estudos técnico-científicos, o GT Infraestrutura conclui pela necessidade de suspensão do projeto, argumentando que o governo deve rever o atual sistema de planejamento de logística de transporte na região, no sentido de permitir a identificação de alternativas com maiores benefícios socioeconômicos para a sociedade, e menores riscos socioambientais.
Segundo a carta do GT Infra, os estudos preliminares da Ferrogrão demonstram um forte ‘viés otimista’, superestimando a viabilidade econômica do projeto, enquanto subestimam seus riscos socioambientais e financeiros. Os estudos preliminares da Ferrogrão estimaram investimentos de bens de capital (CAPEX) de R$10,68 bilhões com um tempo de implantação do projeto de nove anos.
Em contraste, um estudo independente demonstrou que o CAPEX da Ferrogrão seria, na realidade, da ordem de R$34 a 40 bilhões, e que o tempo de implantação do empreendimento teria uma duração de 22 a 24 anos. Para viabilizar financeiramente a Ferrogrão, seria necessário um investimento de R$30 a 37 bilhões do Tesouro Nacional, prejudicando o atendimento de prioridades como a recuperação da precária malha rodoviária existente no país.
Outra falha grave de planejamento apontada é que os estudos preparatórios da Ferrogrão, assim como a atual versão do Plano Nacional de Logística (PNL 2035), não consideraram a concorrência com outras rotas de escoamento de grãos que afetaria a sua lucratividade, a exemplo da FICO (Ferrovia de Integração do Centro-Oeste), da extensão da Ferronorte e da FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste).
Além das evidências de inviabilidade econômico-financeira da Ferrogrão, a carta aponta uma série de riscos socioambientais do projeto que foram subestimados, envolvendo o aumento do desmatamento e conflitos fundiários na Amazônia, em contraste com as prioridades de governo relacionadas à proteção da Amazônia, redução das desigualdades e respeito aos direitos humanos.
Por fim, a carta chama atenção para a falta de respeito dos empreendedores da Ferrogrão para o direito dos povos indígenas e outras populações tradicionais a processos de consulta livre, prévia e informada, levando em conta os protocolos de consulta, antes da tomada de decisões políticas que afetem seus territórios e direitos.
Para Sérgio Guimarães, Secretário Executivo do GT Infra, “as inconsistências do projeto da Ferrogrão, e sua inclusão no PPI e no novo PAC, são um reflexo de problemas crônicos do atual sistema de planejamento da logística de transportes, voltado para atender interesses de grandes grupos econômicos, sem considerar alternativas de investimento, em termos de custo-benefício social, econômico e ambiental. Precisamos de uma nova concepção de infraestrutura para a Amazônia, priorizando serviços que contribuam para a qualidade de vida e a redução de desigualdades sociais, com destaque para o apoio a arranjos produtivos da sociobiodiversidade, gerando renda e emprego, e o fortalecimento da segurança alimentar”, completou.
O GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental vem acompanhando e contribuindo para debates públicos sobre a Ferrogrão nos últimos anos, tendo apresentado uma carta de alerta a potenciais financiadores do empreendimento, em conjunto com a produção de material educativo: https://gt-infra.org.br/9-alertas-ferrograo/,
Leia na íntegra a carta ao Grupo de Trabalho da Ferrogrão aqui