A cidade de Itaituba, localizada no Médio Tapajós, concentra uma infraestrutura logística que funciona para atender principalmente às demandas do agronegócio, que é um dos principais causadores dos diversos impactos ambientais na região do oeste do Pará.
Esses impactos se dão de várias formas, o mais recente exemplo não só na região de Itaituba, mas na Amazônia como um todo, foi a extrema seca que os rios enfrentaram.
O rio que banha Itaituba é o Tapajós, e no ano de 2023 a travessia entre a cidade e o distrito de Miritituba esteve sob ameaça de parar por diversas vezes por conta da seca. Vários episódios de balsas encalhando se tornaram comuns, e a cidade até decretou situação de emergência diante do episódio.
Ainda em 2023, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) abriu um edital para que uma empresa fosse selecionada para realizar a obra de dragagem no rio Tapajós, entre Itaituba e Miritituba, com a finalidade de resolver o problema da locomoção fluvial por conta do banco de areia que se formou devido a seca.
A empresa que está realizando o serviço é a RP LOCAÇÕES E PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS PORTUÁRIOS LTDA, e a obra está orçada no valor de R$ 50.760.096,90. A placa da obra sinaliza seu início no dia 28 de dezembro de 2023 e término em 14 de abril de 2024.
Uma balsa e duas pás carregadeiras estão no meio do rio para viabilizar os trabalhos. A movimentação começou a chamar atenção da população, gerando vários questionamentos, principalmente sobre valores e necessidade da obra.
Placa da obra de dragagem no rio Tapajós / Foto reprodução da internet
Parte da população vê como desenvolvimento toda essa dinâmica de infraestrutura que a região possui, mas existem aqueles que questionam os impactos que tudo isso gera não só para o meio ambiente, mas também para as pessoas, como é o caso dessa dragagem.
Em conversa com o Tapajós de Fato, moradores relatam que nessa região as decisões são tomadas sem levar em consideração o pensamento e bem estar da população, e isso acontece com frequência.
Um exemplo foi a instalação de uma empresa de fertilizante no meio de Miritituba, que aconteceu, segundo moradores, “de um dia para o outro”, sem que a população fosse consultada. Isso gerou revolta mobilizando uma pressão popular na Justiça até que as obras fossem paradas e a empresa não se instalasse mais ali.
Os moradores também relatam a falta de transparência em relação à entrada das grandes empresas e multinacionais na região de Itaituba e principalmente Miritituba, e consideram que, muitas vezes, elas chegam a invadir os territórios e geram danos em nome do “progresso”. Com a presença de grupos indígenas na região, essa denúncia acende uma luz vermelha quanto ao direito de Consulta Prévia, Livre e Informada desses povos que pode estar sendo violado.
Os moradores também suspeitam que os bancos de areia, ao contrário de serem a consequência das secas, como afirma o poder público local, são o resultado de uma série de irregularidades ambientais acumuladas, que resultam da instalação sem controle adequado das empresas na região.
Ouvimos um morador, que prefere não se identificar, que vive na cidade de Miritituba há mais de 40 anos, e ao analisar a obra, relembra como era a paisagem há alguns anos. “Essa ilha aí no meio do rio não existia, existia a praia do meio, mas essa quantidade de areia não existia. Eu acho no meu entendimento, como leigo, que isso são as areias que descem devido a ação do homem, porque por exemplo, essa areia não existia há 20 anos. É claro que isso precisa de uma fundamentação técnica, porque é um leigo que tá falando”.
Para entender melhor as possíveis causas do banco de areia que se formou em meio ao rio Tapajós, o Tapajós de Fato ouviu Tatiana Oliveira, que é assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), organização da sociedade civil que trabalha politicamente junto a instituições parceiras e movimentos sociais com o intuito de garantir mais pluralidade de vozes nos espaços nacionais e internacionais de discussão de políticas públicas e direitos humanos, sempre de olho no orçamento público. O Instituto também atua na região de Itaituba.
Tatiana explica que, “o assoreamento dos rios na bacia do Tapajós está diretamente conectado com as questões climáticas, que afetam o mundo todo, mas também com o crescimento do desmatamento e das queimadas associados à expansão da fronteira agrícola no Mato Grosso e no planalto santareno. Como resultado dessa expansão, estamos vendo maior pressão de desertificação e, portanto, da disponibilidade de água na região. Outro fator é a operação das empresas de logística internacional que atuam na região, uma vez que, no transporte de grãos pelas balsas, uma fração da carga cai no rio. O que também tem implicações ecológicas para o rio e a saúde humana”.
Meio do rio no período de seca entre Miritituba e Itaituba / Foto enviado por morador da região
Uma outra inquietação relatada à equipe do Tapajós de Fato pelo morador é em relação à falta de atuação dos órgãos competentes: “os órgãos ambientais observam tudo isso e não tomam atitude para frear essas coisas, cada vez acontecem mais situações movidas pelo interesse dos empresários”.
Diante desse cenário, a preocupação do morador é com o futuro de quem nasceu nessa terra, mas se vê aos poucos expulso dela. “A tendência que eu vejo é a população de Miritituba se afastar das margens do rio para dar lugar pra essas empresas, até porque boa parte desses terrenos já pertencem a essas empresas, os moradores têm muita dificuldade de documentar suas terras, então é uma série de fatores que prejudica a população de Miritituba”.
Outro alerta se refere às grandes obras que já estão projetadas para a região, e que vão causar ainda mais danos para o meio ambiente. “Porque isso não é desenvolvimento, o crescimento pode até ter chegado aqui mas o desenvolvimento ainda não, e a tendência é que isso piore, a Ferrogrão, por exemplo, é algo que ninguém vai conseguir impedir a realização”.
A obra citada pelo morador, Ferrogrão, é um projeto para construção de ferrovia entre os municípios de Sinop (Mato Grosso) e Miritituba (Pará), proposto pelo governo federal. Ele integra um complexo logístico que inclui rodovias, portos, hidrovias e ferrovias, no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Presidência da República. Mesmo considerada uma obra prioritária no setor ferroviário, ela ainda não saiu do papel e enfrenta dificuldades para a sua aprovação e financiamento, segundo o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
A Ferrogrão é uma ameaça para as populações tradicionais por onde passar, a organização Terra de Direitos estima que caso a ferrovia seja implementada em sua integralidade, ao menos 48 áreas protegidas, entre Unidades de Conservação e Terras Indígenas, serão impactadas.
Para tentar barrar o início desse projeto, os povos que serão os mais afetados realizaram um julgamento simbólico da Ferrogrão, levando a júri popular as denúncias das violações, que principalmente os povos indígenas vem sofrendo a partir das implantações de projetos portuários na região, como é o caso de Miritituba em Itaituba.
A sentença do julgamento feito pela população foi a condenação das empresas ATM, Bunge, Cargill e outros grandes projetos que estão impactando não só a região do Tapajós, como também do Xingu. Além disso, pedem que o governo federal leve em consideração a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho respeitando seus direitos à consulta prévia, livre e informada.
A sentença foi assinada por 40 organizações de povos indígenas, tradicionais e movimentos sociais, e será enviado um documento para os órgãos responsáveis, ao Supremo Tribunal Federal, principalmente após o Ministro do STF, Alexandre de Moraes autorizar a conciliação e retomada dos estudos da Ferrogrão.
Essa mobilização dos povos indígenas e movimentos sociais além de ser necessária para posicionar a opinião dos povos afetados em relação a um grande projeto, também exemplifica a relevância da consulta à população diante de obras que modificam seus modos de vida. Itaituba e região são um reflexo de como infraestruturas que atendem apenas o interesse do empresariado podem trazer impactos irreversíveis para determinada população local e meio ambiente, e a dragagem milionária que está acontecendo no rio Tapajós é apenas uma pequena parte desse problema.