Terça, 08 de Outubro de 2024
Gênero e Sexualidade Reportagem Especial

Como a entrada da mineração nos territórios impacta a saúde e a vida das mulheres na Amazônia

Quando uma empresa mineradora chega no território as primeiras pessoas impactadas são as mulheres, principalmente as mulheres negras. Com seu território invadido, seu corpo e sua saúde são drasticamente prejudicados, tornando- as mais vulneráveis à doenças, perseguição e morte, quando principalmente, assumem posições de liderança.

25/04/2024 às 12h26
Por: Conce Gomes Fonte: Tapajós de Fato
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Foto: Léo Rodrigues | Agência Brasil
Foto: Léo Rodrigues | Agência Brasil

O problema mineral brasileiro nos leva a refletir profundamente e de maneira crítica sobre como o sistema minerador atua e quais impactos provenientes dessa ação são causados na vida da população brasileira. Além do agravante gerador de conflitos. A atividade minerária provoca grande desestabilidade na saúde pública, destacando em maior grau de impacto a vida das mulheres.

Segundo o Atlas do problema mineral brasileiro, a mineração é um setor pouco conhecido do povo brasileiro, mas que chamou atenção de muitos após os recentes desastres com barragens, acontecidos a partir de 2015, em Minas Gerais, com o caso de Brumadinho e no Pará, com a mineradora Hydro em Barcarena, somente a partir de então os olhares da sociedade se voltaram mais preocupados para o tema que causou grandes desastres nesses estados brasileiros.

Estudar a atividade mineral no Brasil para que haja um acompanhamento eficaz na prevenção de desastres e no funcionamento geral nas ações mineradores e seus impactos nos municípios onde se instalam se torna difícil, haja vista que, o setor não dispõe de transparência nos dados e repasse de informações necessárias para que de forma coerente dialogue com a comunidade e para que haja controle social sobre a atividade por parte da sociedade civil organizada, dos movimentos sociais, das comunidades atingidas, dos interesses e das pesquisas acadêmicas, como apontam o dados do Atlas sobre o problema mineral brasileiro.

O Pará está entre os estados com mais reservas de minérios, estando entre as três maiores áreas de extração mineral do Brasil, sendo assim um grande alvo para as empresas mineradoras multinacionais, um agravante para as populações do território paraense, pois isso gera muito mais preocupações e conflitos nos territórios, principalmente quando essa entrada provoca grande desestrutura, inicialmente, na saúde das mulheres, idosos e crianças, como nos conta Sandra Amorim, de 53 anos, afroindígena, moradora do território quilombola São João e que atua na frente de defesa de seu território junto ao MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração).

Sandra Amorim / Foto: Cícero Pedrosa Neto

Sandra nos conta que hoje vive sob medida de proteção, e mora à 993 metros da primeira bacia de rejeitos da empresa mineradora Hydro Alunorte, em Barcarena, e os primeiros impactos, quem sofre, é sua comunidade, depois o rejeito desce rio abaixo, no rio Murucupi. A luta constante em seu território se dá principalmente por titulação de terra e acesso à água, elementos básicos e essenciais à vida dos povos da Amazônia. Ela relata ainda que todas as pessoas que habitam a área industrial possuem metais pesados no organismo, e isso é baseado em pesquisas e exames feitos pela pesquisadora doutora Simone Pereira do LAQUANAM, Laboratório de Química Analítica e Ambiental da UFPA e o laboratório do estado, LASSEM, devido a  isso pessoas estão morrendo e outras ficando com o corpo atrofiado.

Sandra nos diz que “em relação às mulheres na mineração, eu acredito que não só mulheres mas os homens né? Os idosos e as crianças…a gente tá tendo problema com má formação. Também as mulheres têm o ressecamento da pele(...) o estudo que foi feito, uma pesquisa diz que a partir de dois mil e dez muitas pessoas estariam com câncer de pele e de estômago, e isso está acontecendo aqui em Barcarena sabe?”.

Ela falou também que “a poluição dentro de Barcarena é muito grande, então mulheres além de ter em peso os metais no organismo as mulheres também não tem direito de trabalho(...)a gente no território não tem direito de trabalhar nessas empresas, sendo que hoje a gente não pode caçar, não pode pescar, nem água temos direito pra tomar né? Então o que acontece? As mulheres vão para outros estados… vão trabalhar(… ) Aqui no território tem muita mãe solo, você sabe que ela dá a vida, dá a alma pra criar seus filhos né? Então eu vejo que a mineração maltrata muito as mulheres nesse sentido, com negação de direito, porque a medida que uma mulher vai pra dentro dum lixão fazer um trabalho, é um trabalho, mas Barcarena é uma cidade rica cheia de impostos, e esses impostos não são vistos pelo povo pobre, pelo povo preto e pelo povo indígena que habita Barcarena, e a mulher, por ser mulher né, ela é mais atingida… Acredito que em todo lugar onde tem mulher preta e mulher indígena e mulher pobre, ela sente na pele o abandono e a negação de direito”. O que, sem dúvida, atinge a saúde da mulher nos âmbitos: físico, emocional, socioeconômico e psicológico.

Sandra pontua ainda que “eu como mulher, uma mulher afro-indígena, venho de duas famílias a partir do meu pai indígena e da minha mãe negra, então a gente sente na pele isso, que a gente incomoda, incomoda o povo branco, o homem branco, mulher branca, porque a gente foi buscar estudar um pouquinho, a entender pra gente poder ter o direito de sentar nos espaços e dialogar com esse povo porque nós somos menosprezado por  esse povo, então pra gente como mulher a gente tem que viver em lutas todo tempo, tem que viver lutando e buscando melhoria pra dentro do nosso território, aí não é fácil não, e fora as humilhações que gente passa no dia a dia né? Então pra cá pro município de Barcarena eu acredito que  a beneficiação de minério trouxe pobreza, doença e negação de direito não só pela mineração, pelo grande capital, mas pelo próprio governo municipal daqui da cidade de Barcarena. E pra não deixar atrás também pelo próprio Governo Federal, porque quando a mineração quer uma área de terra que a gente não concorda eles correm pro Estado. Então a gente vive esse conflito. Está difícil e aqui em Barcarena há mais mulheres que são lideranças, hoje nós estamos aqui conversando, debatendo, dialogando e amanhã não sei se vai ser só uma memória, porque a gente não sabe o pode acontecer daqui pra ali com a gente, sabe?”.

A área habitada por Sandra é onde ocorre o beneficiamento do minério, onde a bauxita é transformada em alumina, e após beneficiada ela tem uma aparência como o “açúcar”, e até que essa transformação ocorra, o processo é radicalmente violento, utilizando uma grande quantidade de água e soda cáustica, além de outros elementos químicos, poluindo assim o solo, o subsolo e os rios, agredindo diretamente a saúde da população.

Isabel Cristina militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração do Núcleo de base Raízes do Baixo Amazonas e Tapajós, também compartilhou com o Tapajós de Fato um depoimento de como a mineração afeta a vida e a saúde das mulheres e compromete a qualidade de vida de todos os povos da região em que atua, e diz ainda sobre a existência do MAM e de quão importante é o movimento na luta em defesa dos territórios, dos povos e principalmente, pela vida das mulheres.

 Isabel Cristina / Foto: Arquivo pessoal

“O MAM tem atuado em diversas frentes e uma delas é junto às mulheres que dentre a população atingida, são as mais afetadas e mais desfavorecidas, quer seja economicamente ou psicologicamente. A saúde física e mental é abalada diretamente quando ainda é pensado na chegada destes empreendimentos no território, primeiro ela sofre com a possibilidade de perder sua moradia, ou seja, seu território no sentido mais afetuoso possível, ela se sente amedrontada e temerosa com essa possibilidade. Sua saúde é afetada mesmo ela não estando trabalhando na mina, mas se seu companheiro ou filhos e filhas conseguem subemprego ela é diretamente afetada, pois é ela quem lava as roupas, então aquele pó ou rejeito do minério, ela tem acesso direto. Na mineração as mulheres são desvalorizadas profissionalmente, são minoria, e as poucas que ocupam algum cargo, não são do território, não são as negras e nem as indígenas. Essas mulheres sofrem o racismo de todas as formas. O racismo ambiental está presente desde a implantação da mina, poluindo rios e igarapés, destruindo áreas de coletas de produtos extrativistas e da produção da agricultura familiar”.

Isabel chama atenção para mais questões, “o trabalho na mineração é o que mais mata, mutila e gera sofrimentos mentais, dessa forma, se tratando das mulheres a gente enquadra o índice de abuso sexual altíssimo já que a mineração consiste em um setor dominado por homens, e as poucas mulheres que conseguem adentrar, lutam pela vida diariamente. As contradições são diversas que nos estimulam a querer organizar e lutar por um novo modelo de mineração em que a Soberania Popular aconteça, ou seja, que considere a todos os setores que são diretamente e indiretamente afetados, uma vez que esse modelo é desumano e não atende as necessidades do país. Que as mulheres possam se desenvolver e criar estabilidades de autonomia dentro de um modelo que as possibilitem serem vistas não como mão de obra secundarizada, mas como sujeitas que compõem a sociedade e requerem igualdade, respeito e principalmente que seus corpos não sejam vistos como meros objetos sexuais. Não existe soberania popular na mineração sem a emancipação das mulheres”.

A atividade mineral é um dos principais geradores de conflitos nos territórios da Amazônia. Ameaças, danos e irregularidades comprometem a vida da população, principalmente das mulheres, que em suma, são as responsáveis pelo cuidado aos seus, e onde sua saúde é em maioria, negligenciada. A entrada de uma empresa mineradora em territórios é violenta e tira completamente o direito à alimentação, água potável, moradia e o bem viver, dessa maneira, é necessário que o Estado junto a órgãos competentes garantam os direitos dos povos que habitam esses territórios, escutando os movimentos organizados para salvaguardar e preservar a essência territorial do direito à vida.

Quem também compartilhou sua vivência ao Tapajós de Fato foi Precila Soares, da comunidade Santa Rita de Cássia, região do município de Juruti, que como uma mulher jovem sente diretamente os impactos da mineração em seu território. Região essa que desde o ano de 2009 vem sendo explorada pela empresa Alcoa, e que já impactou territórios de maneira violenta, como é o caso da comunidade de Jauari, que teve seu igarapé assoreado em 2020.

Precila Soares/ Foto: Jerê Santos

Ela comenta sobre os danos e percalços de ser mulher em circunstâncias onde a atividade mineradora invade, sem respeito à cultura, à existência dos povos, seus direitos, e principalmente sem respeito para com as mulheres.

“Juruti é um município que é diretamente minerado e nós mulheres somos as principais afetadas. São inúmeras formas que a mineração nos afeta. É impossível dizer, quando se fala de mineração, um número exato de formas que a gente é impactada. Eu sou uma mulher jovem, tenho mãe, tenho irmãs, tenho colegas mulheres jovens, mulheres  adultas, mulheres idosas e todas são afetadas de uma forma diferente ou até mesmo da mesma forma. Cada uma lida de uma forma diferente com os impactos da mineração. Nossa saúde psicológica é abalada, física, famílias, porque muita das vezes a gente que vive no interior, no território, a mulher ela é tipo alicerce, é a base de uma família, a gente sempre considera isso, então quando uma empresa minerária entra a família é afetada e a mulher tem que ser o porto seguro daquela família. Aqui por exemplo tem muitas mulheres, mães solo que cuidam dos seus filhos sozinhas. Agora vamos imaginar uma empresa minerária entrando e essas mães solos no território. Vão ser as primeiras visadas por serem mães solos e por não ter um ganho, porque o capital não circula no interior e somente na cidade, então quando vem, muitas das mulheres pensam nesse sentido de entrar na empresa, né? Pra trabalhar ou se envolver com algum cara que trabalha na empresa. Quando a mineradora entra, a empresa entra no território e vem muitos homens de fora, as meninas novinhas, jovens elas são visadas, é a realidade da gente que vive aqui no interior. Eu sou uma mulher, uma jovem mulher, tenho uma mentalidade diferente assim de muitas daqui do nosso território. Então eu teria, eu acho que eu teria na verdade uma base assim se uma empresa minerária... e como eu poderia me defender. Mas aí as nossas mães, que já estão mais idosas, estão mais maduras, né? Mas às vezes imaturas também. Com o pensamento diferente do nosso. Muitas das vezes aqui na nossa comunidade as filhas têm o pensamento mais amadurecido do que muitas mães”.

Ela finaliza pontuando que para a população local não há benefícios com a mineração, “é uma realidade do nosso município, e pra falar sobre a mineração, dos impactos, não tem como eu dizer que a mineração me traz um bom benefício porque não traz, traz destruição, traz doenças, abala o psicológico, o físico, de todas as maneiras possíveis a mineração impacta na vida das mulheres. Principalmente das que moram em comunidades rurais e territórios. Porque são mais sensíveis e são mais visadas”.

A partir do relato dessa três mulheres aguerridas na luta pelos seus territórios é possível perceber que onde a mineração se instala, os movimentos organizados não tem apoio governamental, mas se mantém firmes na luta em seus territórios, pelo direito à terra, moradia, saúde e respeito à sua cultura e existência, e como diz a frase das mulheres do MAM, “onde tem mineração tem mulheres em luta”. Para que a sociedade e o mundo compreendam que territórios e mulheres têm o direito de usufruir do bem viver tendo em vista a existência de legislação que resguarda os direitos humanos em constituição, governos Estado precisam unir- se aos movimentos civis organizados em defesa dos direitos de todos os povos da Amazônia.

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