“Repare nas mãos das mulheres que benzem…”, assim diz a música composta e interpretada por artistas amazônicos que faz uma homenagem a todas as mulheres que carregam em suas mãos o poder da cura.
A existência das rezadeiras ou benzedeiras é muito antiga no Brasil e se origina da cultura indígena desde antes da colonização, e da cultura africana com a chegada do povo negro ao Brasil, pois esses conheciam as ervas e suas funções. O uso das ervas pelas mulheres existe desde os tempos mais antigos.
E quem é da Amazônia e não tenha passado pelas mãos de uma benzedeira? É de se duvidar. São elas que nos socorrem quando não há respostas para dores misteriosas no corpo, na alma, e no espírito, são nossas médicas curandeiras, rezadeiras, parteiras e benzedeiras, as médicas do povo. Mulheres da medicina sagrada amazônica, que conhecem a cura que vem da floresta, das folhas, das plantas e das rezas milagrosas.
Para quem cresceu aqui por essas bandas, do Norte, da Amazônia, está acostumado a ouvir histórias, e tem histórias pra contar de visagem, de encantes, de parteiras e de benzedeiras que curaram e curam todos os males que possam existir, e, curam também menino danado que foi flechado pela mãe d’água por teimosia de pular no igarapé em hora proibida. É assim a cultura por aqui, tem de respeitar a natureza, senão sofre as consequências. E quem pode ajudar na cura, são sempre as mulheres que benzem, que curam e que trazem esses dons de nascença.
Não somente, mas as benzedeiras têm um conhecimento que vem de maneira forte e misteriosa, nas rezas e orações ditas como sussurros que curam, benzem, abençoam. Lhe são revelados em sonhos ou mesmo das vivências com as mais antigas da comunidade que também trazem consigo esse dom, que para que não morra, é deixado como herança para que alguém continue a linhagem de cura e conhecimento ancestral, repassado também através da oralidade e do ensino das plantas para cada tipo de remédio, e a outras, herdadas de nascença. As que possui o dom de nascença, caso ela não aceitem, também sofrem por não aceitar seu dom que lhe é dado como uma “missão” aqui nesta terra, segundo a pesquisa em desenvolvimento "Palavras que curam: comunicação popular como forma de luta e resistência ancestral das benzedeiras do Aramanaí no rio Tapajós".
As histórias de quem carrega consigo o dom da cura são sempre marcadas por circunstâncias adversas, desde a infância essas pessoas demonstram dons que surgem sem uma explicação, ensinam remédios com folhas, cascas de árvores e conhecem as plantas, é na infância que se identifica uma benzedeira. Outras demonstram o dom já na juventude, e quando se sabe desse dom, “é preciso trabalhar”, é como uma missão da qual não se pode fugir, nem negar assistência a quem busca cuidados. Como dona Raimunda Farias Figueira que mora no bairro do Mapiri, em Santarém, Pará, mas que nasceu na ilha de Marimarituba na região do Arapixuna, e veio para Santarém no ano de 1999, e aos dezoito anos começou a trabalhar nos cuidados das pessoas sendo parteira, daí em diante continuou seu trabalho auxiliando as pessoas que lhe procuram pedindo ajuda. Há sempre resistência ante aos dons descobertos em alguém, o medo surge, pois, reside ainda, por rastros de uma colonização impregnada ainda hoje, o preconceito às mulheres e pessoas que trazem os dons da cura e conhecimento das ervas. Assim foi com dona Raimunda, que sentiu medo no início, mas quando começou a trabalhar e oferecer seus dons, não parou até hoje. Ao ser perguntada se alguém lhe havia ensinado, ela respondeu.
“Não, ninguém, foi de minha livre e espontânea vontade e eu já trouxe de nascença!".
"Só que eu não assumi, eu não assumia porque tinha medo, medo não, eu não gostava, eu tinha medo que assim, por exemplo, eu tinha medo daquilo meio de me 'avacalharem'. Mas, depois eu assumi, as crianças que eu cortava o umbigo nunca teve nenhum morreu na minha mão, vinha de bunda, vinha com o cordão umbilical trançado, vinha pelo meio do saco quando era homem né? Mas eu vencia, me pegava muito, muito, muito com Deus e nossa Senhora, que não acontecesse nada e viesse na santa paz, e nós batia prato, nós batia panela. E até hoje são tudo rapaz, moça, já tem filhos mas graças a Deus acho que tudo se sente feliz nas minhas mãos né? Tudo se sente feliz. Olha, com dezoito anos eu já tinha aquela coisa".
Assim nos conta dona Raimunda, como foi o início de seus trabalhos de benzedeira, onde começou auxiliando no parto das crianças e sempre com muita fé, tudo deu certo sempre. Ela continua:
"Porque eu apanhei muito, tinha aquela coisa que perseguia de noite, eu não conseguia dormir, me perseguia, aí minha madrinha era uma pessoa que consertava osso, botava osso quebrado no lugar, ajeitava tudo e ela me ensinou isso e eu na minha inteligência eu não assumi, e ela morreu, ela disse, 'ao menos assumir o que tu já sabe'. E agora eu tô aqui em Santarém, recordando muitas coisas que as pessoas precisam da minha ajuda né? vem uma hora que tem alguma coisa tocando no teu coração que vai acontecer, né? Então isso, às vezes quando a gente tá só pensando assim, em outras coisas, tem muita gente que diz assim eu vou morrer, como ontem uma mulher disse: eu vou morrer, a senhora tá na cidade? Tô. A senhora que vai me levantar ainda hoje porque médico não tem, não consegui médico pra me fazer bom, e acabando o dela era uma desmentidura embaixo do peito, a espinhela caída. Aí ela saiu daqui respirando, se sentindo melhor e hoje ela me ligou dizendo que ela tá bem melhor".
Esse depoimento de dona Raimunda, onde consertou espinhela caída, mostra um pouco da relação de confiança e certeza no trabalho que as pessoas têm com as benzedeiras. Espinhela caída é uma situação que causa muito desconforto e dor, falta de ar, entre outros sintomas como febre, é um osso no centro da costela, no peito que sai do lugar e é preciso consertar, colocá- lo no lugar, ou, a dor não para. Normalmente somente uma benzedeira ou puxadeira consegue colocar uma espinhela caída no lugar. Ela compartilha também um outro caso onde auxiliou uma senhora a curar um derrame, em outras maneiras de dizer, um AVC- Acidente Vascular Cerebral.
"Muitas plantas, arruda, cana mansa, sálvia de marajó, e, arruda é um chá que a gente põe com aquele que é bom pra derrame, então quando é derrame une tudo, que vai torcendo né? Então quando é na hora a gente ainda pode meter, mas quando passa dois três dias não pode mais, quando é na hora ainda dá pra meter no osso, como uma senhora ali pro Maracanã, ela veio carregada, aí deu das pernas dela pro braço né? Só que o braço eu não consegui porque puxou tendão e as cadeiras estavam por cima, e ainda deu pra mim empurrar e deu pra ela andar. Hoje ela se sente muito feliz que ela anda. E assim, as pessoas me procuram pra endireitar crianças (isso em mulheres grávidas), costela, as cadeiras, joelho, braço é tudo, desmentidura, e tudo".
Segundo dona Raimunda, isso é algo que já vem da memória da gente, como se fosse de uma pessoa que já soubesse alguma coisa. Ela conta que não pensava nada disso, mas sentia alguém que a protegia, em seus sonhos,e de uma certa forma a incomodava. Na família de dona Raimunda não havia ninguém, ao que ela se recorda, que benzia, mas compartilhou conosco sobre uma senhora sacaca do centro do Marimarituba, uma comunidade localizada no município de Belterra.
Contextualizando, sacacas são aquelas pessoas que já demonstram trazer um dom muito forte desde o ventre da mãe, já houve casos em que quando se escuta o bebê chorando no ventre da mãe, é um dos primeiros sinais de que será um sacaca e que desde muito cedo demonstrará dons de cura, que muitas vezes são identificados quando aos sete anos a criança ensina remédios às pessoas, sem nunca alguém ter lhe ensinado.
“Na minha família não tinha, mas eu tive uma vizinha do centro do Marimarituba que era a finada Antoniazinha, que era sacaca mesmo e puxava, benzia, ela tinha uma coisa que quando os espíritos dela chegavam parece que vinham num cavalo né? Era tão bonito, bonito mesmo, cheguei ainda a ver, aí depois que ela morreu eu ainda era jovem, meu pai e minha mãe escutavam, e quando chegava aquela coisa perto dela, aí pronto…Ela curava, ela era curandeira mesmo, porque as coisas dela era tudo encantado, naquela época a gente dizia, existe encante, existe encante ainda, só que as pessoas duvidam e elas não percebem. E aí já se mostra que lá, na cabeceira, em lugar fundo tem alguma coisa, né? E sacaca é uma pessoa que já traz a inteligência desde o início da vida, já vem trazendo aquele dom pra ser alguma coisa em terra, ele dorme n’água, ele vai pra água, ele ta dormindo mas ele tá andando, assim ela dizia pro meu pai, ela deve tá andando com eles por aí. Já sabe no sonho, dormindo que vem gente vindo atrás dele, eu sei aqui assim, eu tô dormindo mas tem gente que vem tropeçando atrás de mim, aí, aquilo me desperta e aí eu não sei dizer. E as pessoas me ligam, mas eu só atendo de tarde”.
Ela diz que se sente feliz podendo ajudar, mas com a perda de seus filhos ela se sente triste algumas vezes. Ela também faz a prática do autocuidado, conseguindo puxar e consertar coisas em si mesma na parte da frente. E assim ela segue benzendo, rezando e cuidando de pessoas que a procuram.
Quem nos cedeu entrevista também foi a dona Maria Inês da Silva Gomes, 49 anos, que há vinte anos chegou em Santarém vinda de Manaus, ela é filha de Amazonense com Maranhense, e também se identifica como benzedeira, pois desde muito cedo começou a prática, inicialmente do autocuidado, fazendo banhos de folhas. Ela fez banhos de asseio após seu primeiro parto e depois seguiu dizendo às pessoas que fazia remédios caseiros.
“Quando eu tinha de 14 (quatorze) pra 15 (quinze) anos tive meu primeiro filho e eu mesma fiz remédio pra mim tomar, pra me assear, de lá fui falando pras pessoas que eu fazia remédio caseiro e as pessoas foram pedindo de mim, aí eu também aprendi a fazer remédio pra rins, e daqui prali o pessoal vem pedindo, e eu rezo também, puxo desmentidura, faço massagem, e esse ano que passou fiz um parto de uma bebezinha. Sobre desmentidura, meu marido puxa também, e nesse dia ele não estava, aí eu peguei e falei, me dá aqui a neném, aí me deram a neném eu puxei, e até hoje tô puxando as pessoa, graças a Deus não tem reclamação, falam que tão se sentindo bem, tem gente que vem de longe que até eu me espanto porque disque meu nome fica rolando bem longe, que eu puxo bem, e graças a Deus tá dando tudo certo. Sobre as rezas é assim, tem gente que chega com quebrante, “olho gordo”, entendeu, aí pede pra eu rezar, aí eu rezo, são três vezes, e se sentem bem também graças a Deus. Acho que esse conhecimento meu é um dom que eu não sabia, eu comecei pela criança né? Puxando porque meu esposo não tava, e acho que isso já veio dos tempos atrás de avós, bisavós, e ai eu tô aqui, puxando o povo".
E dona Inês diz ainda: “Que as pessoas acreditem, entendeu? Porque isso é um dom, porque tem muita gente que duvida das pessoas, entendeu? Não acredita em gente antiga, porque eu sou do tipo de pessoa antiga (risos), entendeu, eu sou uma pessoa muito antiga, se tiver chovendo eu desligo televisão, tampo o espelho porque eu sou bem antiga mesmo".
A quem se pergunte no território amazônico se já foi numa benzedeira, acredita- se que a maioria das respostas será sim, pois a Amazônia é um lugar onde ainda predomina a crença no sagrado. As benzedeiras têm papel fundamental, elas trazem consigo a medicina ancestral que cura e que alimenta a fé mantendo viva a cultura local. E essa fé se complementa através das pessoas que procuram essas mulheres em busca de cura e de cuidados, tanto físicos quanto energéticos e espirituais. Todos movidos pela fé, como nos conta dona Maria José Gomes, de 62 anos, nascida no Aracy, Lago Grande e que veio ainda em sua juventude morar na cidade de Santarém, e compartilha conosco vivências e experiências com as benzedeiras.
“E eu acho que nessa época a fé era tão grande”.
“Nessas coisas que a gente ficava boa mesmo, lembro que uma vez aconteceu com meu irmão, a mamãe dizia que era a mãe do igarapé, aquele igarapé lá perto de casa, ela disse que foi a mãe do igarapé que judiou dele e aí ela levou ele pra ela rezarem nele, e foi ensinado a ele que toda tarde ela tinha que fazer um banho. Banho das folhas de remédio, pião roxo um monte de coisa, e aí ela ensinou pra ela toda tarde seis horas, ela fazia uma cordinha de curauá e saía lambando assim nos cantos da casa que era pra espantar os espírito ruins, que ela dizia que judiava, e, eu sei que ele ficou bom de tudo isso, e aí, por isso que a gente assim, acredita né? Acreditava e acredita até hoje, até hoje quando eu preciso, se a gente souber de alguém que sabe eu vou lá e mando rezar numa criança, mando puxar”.
Dona Maria contou também que sua filha caçula, aos dois ou três anos de idade caiu da rede enquanto seu irmão a embalava junto, e nesse embalo a corda arrebentou lançando os dois ao chão, a menina, que era menor caiu de barriga e escorregou de peito no chão, e no período do acontecido, ela chorava sem parar. Havia uma senhora no final de uma rua próximo à sua casa que puxava e rezava, então ela levou a criança até a senhora que a puxou e disse que ela por pouco não havia quebrado o pescoço, e com o puxar, as rezas e benzimento da senhora, sua filha ficou boa e com saúde.
As mulheres benzedeiras são muito respeitadas em suas comunidades, com seus mistérios e revelações elas guiam o povo numa conexão com a fé que carregam em sua ancestralidade que se interconecta com todos e todas ao redor e se incorpora em mãos de cura. Algumas benzedeiras de nascença conseguem prever coisas, e também identificam quando alguma doença é grave e precisa de médico.
“Lá no sítio também tinha uma senhora que ela era a doutora do povo de lá, quando adoeciam de qualquer coisa corriam lá pra ela, ela rezava, ela ensinava banho, ensinava os remédios caseiros, pra tosse ela ensinava a fazer xarope e as crianças ficavam boas. Tem minha irmã e minha prima, elas nasceram uma num dia e a outra no outro, minha prima filha da tia Iza, quase ela morreu, com sete dias ela pegou aquela doença do ar que eles chamam que a criança pega quando nasce né? Ela chorava, chorava, dava um negócio nela e ela ficava roxinha, aí foram lá com essa mulher, foi ela quem curou. Ela rezava nela e foi ela que disse que era doença do ar, aí ela ensinava aquelas fricções né? Fricções de banhas de bicho, misturas de banha de cobra, banha de sucuriju, esse monte de coisa que eles fazem, aí ela ficou boazinha, taí ela até hoje".
E a partir dos relatos de dona Maria José, percebe- se quão inúmeros são os motivos que levam as pessoas a uma benzedeira. Ainda com a repressão da colonização, essa prática de cura não desapareceu, e ainda hoje se mantém viva tanto na área rural quanto na área urbana.
Quem também conversou com o Tapajós de Fato foi a dona Claudenice Maria da Silva, mais conhecida por Ana, moradora do bairro Juá, ela é puxadeira e benzedeira, que nasceu na cidade de Santarém no Pará. E relata sobre seu dom de cura desde sua infância.
"Comecei com a idade de sete anos, comecei fazendo banhos pros meus coleguinhas no meu bairro".
“De lá comecei a puxar meu dedo, bati meu dedo, ficou dolorido, tentei puxar né e consertar, vi que tinha o dom. Eu comecei a consertar meus coleguinhas, a gente brincava e daí pra frente eu fui levando até hoje, fiz dois partos e tô aqui na lida. Quem me procura se eu tiver bem eu ajudo, sempre tem um povo preconceituoso com a gente que reza e que puxa, mas eu largo o preconceito de lado e ajudo as pessoas que precisam, e tô aqui, a hora que a pessoa me procura eu tô aqui pra socorrer. Muita gente se espantava, muita gente não acreditava que eu tinha o dom de puxar, mas já veio das minhas raízes, tinha minha tia que puxava, minha avó era benzedeira. E o pessoal dizia que ela era adivinha, ela adivinhava as coisas, eu não conheci minha avó, mas creio que eu já puxei dela".
Dona Ana relembra como foi o início de tudo, quando começou a descobrir seus dons. "Eu fazia banho pra mim, qualquer folha eu pegava, qualquer folha eu podia ser de mangueira, de goiabeira, de limão eu botava numa bacia pequena e esfregava, pra mim aquilo ali era um banho que eu tava fazendo, e aí eu comecei. Eu ficava olhando pra planta, e vinha que aquela planta era um remédio e eu ia lá e fazia… Não tem como explicar, eu fico olhando assim aí eu vou lá, pego, faço, aí aquilo vai vindo na cabeça e eu vou fazendo. Na época que eu andava no garimpo era difícil ter parteira e era difícil pras mulheres vir pra cidade, aí eu fiz dois partos, mas assim com medo, porque eu não tinha o costume de fazer, nunca tinha visto uma mulher ter filho, mas, saí me bem. E tô aqui, benzo, puxo, conserto desmentidura, espinhela caída, ajeito coluna, a minha área mais é criança, meu foco é criança, de noite eu não puxo, mas se chegar uma criança bem aí no portão e ela tiver com febre aí eu mando entrar e eu puxo, se for adulto mando vir no outro dia, porque um adulto aguenta uma dor, uma criança ela não aguenta uma dor né?”.
A benzedeira finaliza falando sobre perceber e lidar com esse dom que vem desde a infância. “Tem muitas pessoas que tem o dom só que elas ignoram, tem preconceito, e isso não é pra gente ter preconceito porque isso é uma coisa que Deus dá esse dom pra gente, a gente já vem com esse dom, ninguém adquire dom, você não aprende a puxar, você não aprende a rezar, você já traz aquilo com você. A gente aprende alguma coisa, mas o que eu sei assim, eu trouxe de nascença já, tanto que quando eu disse que não ia mais atender as pessoas, que eu ia parar com isso por um tempo eu arriei, fiquei doente uns dias, então eu tive que continuar”.
Quem também compartilhou conosco sua experiência com as benzedeiras foi a Laís Borari, de Alter do Chão.
“Eu acredito em gente que cura! Quando eu era criança via muita gente ir em casa receber cuidados com a minha mãe, ela tinha uma espécie de pedra preta de forma achatada e com essa pedra ela aliviava e curava pessoas que eram ferradas de arraia. Era curioso, sempre iam em casa antes de ir ao posto médico. A minha mãe quando precisava de ajuda com alguma enfermidade ela mandava eu ir na vizinha que tinha um quintal enorme e cheio de plantas medicinais. Quando alguém da comunidade se machucava, chamavam um senhor que morava próximo de casa e tantas vezes me aliviou tensões musculares e dor de cabeça. Quando o sonho era ruim, a energia do corpo estava muito baixa ou vontade de fazer alguma mudança o certo mesmo era procurar alguém pra me benzer, puxar ou fazer os banhos de proteção, de quebra dar uma melhorada na imunidade com garrafadas que são mix de ervas, frutas e raízes que cura e conecta com o passado onde a natureza era mãe e era respeitada e ouvida. Os banhos de cheiro tem propósito, os Pajés e Benzedeiras do Baixo Tapajós sabem exatamente um banho pra cada situação. Tudo passa por conhecimentos deles. É uma ciência que eu confiava e acreditava de verdade. Não participo de nenhum ritual sem a devida reverência, até mesmo nas rodas de carimbó (que eu nem danço) eu faço a reverência para os mestres. Benzedeiras, Pajés, rezadoras, puxadores, são eles que detém todo conhecimento e ciência dos antepassados”.
Não há como excluir o fato de que hoje temos menos benzedeiras, curandeiras, rezadeiras, principalmente fazendo relação com o contexto climático. Com a destruição das matas, florestas e da natureza como um todo, os espíritos ancestrais de cura também se afastam, sem natureza viva, sem as florestas, sem as árvores que com suas folhas nos proporcionam a medicina sagrada de cura, não há como trabalhar na cura. Na Amazônia sabe-se que nas cabeceiras, igarapés e rios tem encante. Os lugares de encante tem seu segredo e seu sagrado, isso deve e precisa ser, respeitado.
A boa notícia é que foi reconhecido o Ofício dos Saberes e Práticas das Parteiras como Patrimônio Cultural do país, entendendo a importância desse conhecimento de força ancestral presente nas mãos das mulheres que benzem e das que seguram nas mãos as crianças que nascem, e que políticas públicas de proteção devem ser implantadas para que seus trabalhos continuem curando o povo através de suas mãos, das rezas, das benzeções e do auxílio do poder das ervas. E as florestas e plantas têm de ser preservadas, é onde se encontra matéria prima para os remédios e a cura, para que essa prática possa permanecer viva auxiliando inclusive, na saúde pública que se encontra em caos, mas que precisa ser humanizada e tratada com a devida importância em honra aos antepassados e atuais curandeiros da Amazônia.