Quarta, 19 de Março de 2025
Política Reivindicação

Direitos de pessoas autistas a passe livre no transporte público é ameaçado em Santarém, Oeste do Pará

Justiça suspende lei nº 22.059 sancionada em 8 de janeiro de 2024, gerando protestos e colocando em questão a privatização de serviços públicos e a garantia de direitos sociais.

09/07/2024 às 10h05
Por: Marta Silva Fonte: Tapajós de Fato
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Mobilização realizadas pelas mães e familiares de pessoas com espectro autista/ Foto divulgação Associação TEAS do Tapajós
Mobilização realizadas pelas mães e familiares de pessoas com espectro autista/ Foto divulgação Associação TEAS do Tapajós

Em janeiro de 2024 foi sancionada pelo governo municipal em Santarém a lei nº 22.059, sancionada em 8 de janeiro de 2024 pelo poder executivo municipal, que isenta de pagamento de tarifas pessoas com deficiência física, intelectuais esquizofrênicos, deficientes visuais, idosos com baixa mobilidade, deficientes renais, cadeirantes e pessoas com transtorno do espectro autista e seus respectivos acompanhantes.

No entanto, recentemente, após Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI, proposta pela Associação das Empresas dos Transportes Coletivos de Passageiros de Santarém,  o TJPA determinou a suspensão da referida lei.

Segundo Cibelly Elvira Diniz Moda Lima, presidente da Associação TEAS do Tapajós, vinha-se mantendo diálogo com a Startec - empresa responsável pela bilhetagem do transporte público em Santarém, e a empresa alegou, “que foi pega de surpresa e que teria que arcar com essa enorme gratuidade”. Contudo, é importante frisar que anterior a essa lei sancionada em janeiro de 2024, há a previsão de gratuidade no transporte público coletivo na lei orgânica do município de Santarém.  

“Até então, anterior à empresa StarTech, todos tinham direito a ter o seu passe livre, bem como também estacionar em local especial. Então, a empresa em si pode considerar que não houve surpresa, porque a lei orgânica é muito antiga e o contrato da prefeitura com a STARTEC não faz sentido nenhum a alegação do periculum em Mora para poder conceder a medida a liminar”, explicou Cibelly, presidente da Associação TEAS do Tapajós.

Procurada por nossa equipe de reportagem, a Empresa StarTec, por meio de sua assessoria jurídica, enfatizou que a ADI foi proposta pela Associação das Empresas dos Transportes Coletivos de Passageiros de Santarém e não pela Startec.

“Cabe destacar que não foi suspenso a emissão do Passe Livre para as pessoas com Transtorno de Espectro Autista, o direito continua garantido através da lei orgânica do município no artigo 134, inciso VI, alínea a, sendo necessário 2 requisitos para emissão do Passe Livre, ser pessoa com deficiência e ter reconhecida dificuldade de locomoção”, pontuou Tiago Ferreira Esselin, OAB/PA 23.268, Assessoria Jurídica StarTec.

No entanto, Cybelly enfatiza que há deficiências técnicas no processo de reconhecimento de dificuldade de locomoção. 

“A perícia que eles submetiam as pessoas com autismo era através de uma fisioterapeuta que media a braço, media a perna, mandava ir de um lado para o outro para ver se a pessoa conseguia andar. Então, a dificuldade de locomoção da pessoa com autismo não é necessariamente física. Ela é motora, ela é sensorial, ela tem todo um contexto mental que pode desencadear assim a dificuldade de locomoção. Para avaliar uma pessoa com autismo, tinha que ter uma equipe multiprofissional para dizer que aquela pessoa realmente pode ter uma crise, pode ter um contexto, uma situação difícil e que merecia receber esse passe livre”.

Diante da suspensão da lei, em resposta, mães e familiares de pessoas com autismo em Santarém organizaram uma manifestação em frente à Prefeitura Municipal de Santarém na última quinta-feira (04), com apoio da Associação TEAS do Tapajós e outras organizações.

Cibelly, que esteve presente na mobilização, pontua que a mesma foi organizada no sentido de cobrar do poder público municipal “uma saída para esse público, que não são poucos”. Ela enfatiza que a demanda de pessoas portadoras do espectro autista cresce a cada dia. “A gente precisa entender que todos os dias nós temos um laudo novo, nós temos inúmeras pessoas aguardando na fila do Centro de Atendimento Psicossocial-CAPs e pessoas aguardando consulta de neuropediatria já para o ano que vem, então tem muita gente prejudicada”.

Cibelly destacou a importância da mobilização para cobrar do poder público municipal uma solução para essa questão. Ela afirmou que o poder público precisa responder à população, seja alterando a lei orgânica ou criando uma nova lei para definir a fonte dos recursos. A Associação TEAS do Tapajós continuará cobrando providências e atuando judicialmente para garantir os direitos das pessoas com deficiência e autismo.

“Então, o que o poder público municipal precisa é dar uma resposta para a população, ou apoiando a alteração da lei orgânica, ou com uma criação de uma lei saindo do próprio executivo para dizer da onde que vai sair esses custos, e não ficar de braços cruzados em si. E nós enquanto associação vamos cobrar do Poder Público Municipal providências e também pretendemos atuar nesse contexto judicial onde nós não podemos deixar inúmeras pessoas desassistidas por conta de falta de entendimento ou até mesmo falta de busca pelas políticas públicas voltadas à pessoa com deficiência, voltadas às pessoas com autismo, a gente precisa continuar nessa batalha e infelizmente a família atípica, os pais atípicos ou até mesmo o próprio autista precisa falar, precisa ser incisivo, muitas vezes até gritar para conseguir algum direito, uma coisa que já é garantida por lei, então a gente precisa dar continuidade nesse trabalho e seguir com fé, com esperança de que isso vai ser revertido”. 

Como resultado da mobilização, uma reunião foi marcada com o corpo técnico municipal para a próxima quinta-feira (11) no gabinete do prefeito Nélio Aguiar.

A situação levanta um importante questionamento sobre a privatização de serviços públicos e a garantia de direitos sociais. Quando empresas privadas assumem responsabilidades que antes eram do setor público, como a bilhetagem do transporte, surgem desafios significativos na preservação dos direitos conquistados pela população, especialmente os mais vulneráveis.

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