Ocupação Juá e a resistência do povo que luta pela garantia do direito à moradia, no Oeste do Pará

A luta da população é antiga para obterem a posse de seus terrenos, e recentemente surgiu um fato sobre uma possível reintegração de posse, que preocupou os moradores da área.

17/07/2024 às 13h04 Atualizada em 17/07/2024 às 13h49
Por: Conce Gomes Fonte: Tapajós de Fato
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Pedro Alcântara - M'bóia
Pedro Alcântara - M'bóia

O bairro Vista Alegre do Juá está localizado na área urbana de Santarém, Oeste do Pará, à margem direita do rio Tapajós e às margens do Lago do Juá. Em 2011, iniciou um movimento de ocupação da área por pessoas que não tinham onde morar, e desde então o movimento de ocupação veio crescendo e abrigando cada vez mais famílias que buscavam construir suas casas e ter um lar, observando em sua maioria, inicialmente, famílias em um contexto econômico vulnerável, como pessoas que viviam de aluguel e migrantes que vieram da área rural para Santarém. 

Considerada a maior ocupação da cidade de Santarém, a área corresponde a 235 (duzentos e trinta e cinco) hectares e abriga mais de 5.000 (cinco mil) famílias. Em estrutura feita em acordo, caso venham a ser efetivadas as reintegrações de posse de que tratam sobre a Área de Preservação Permanente do Lago do Juá, em trâmite na Justiça do Estado do Pará, a empresa Buruti doará ao município de Santarém, imediatamente uma área de 200 metros de frente por aproximadamente 2.500 metros de fundo (até a margem do rio Tapajós) que integra a área de ocupação “Bela Vista do Juá”, a fim de que nela sejam acomodados os ocupantes que tenham perfil socioeconômico para serem beneficiários de futuro programa de habitação social.

A luta da população é antiga para obterem a posse de seus terrenos, e recentemente surgiu um fato sobre uma possível reintegração de posse, que preocupou os moradores da área.

  Fonte/ Jacilene Cleice da Silva Rego, 2021

Segundo a pesquisa de um artigo realizado por estudantes de Geografia da Universidade Federal do Oeste do Pará- Ufopa, onde aborda as questões urbanas e os conflitos sócio espaciais “As cidades sempre foram lugares de desenvolvimento geográfico desigual (às vezes de um tipo totalmente benevolente e entusiasmantes), mas as diferenças agora proliferam e se intensificam de maneiras negativas, até mesmo patológicas, que inevitavelmente semeiam tensão civil. [...]” (HARVEY,2013, p. 29). O artigo diz ainda “Vista Alegre do Juá…com atuação reivindicatória de posse para a criação de um novo bairro em terras que há décadas não possuía função social”.

Dona Rosa Fernandes, desde 2013 é moradora do bairro do Juá, foi uma das primeiras moradoras do lugar, hoje considerada uma liderança por todas as lutas enfrentadas junto aos outros moradores, ela nos conta uma parte de sua história até conseguir respirar com mais calma no lugar que hoje pode chamar de lar.

Foto: Tapajós de Fato

“Muitas pessoas vinham e passavam o dia, quando dava cinco horas da tarde cada um pegava sua sua mochila botava nas costas e ia embora porque essas pessoas que faziam isso tinham onde morar, agora aquelas que não tinham e precisavam ficar aqui, precisavam enfrentar a luta da noite”.

Quando a noite chegava e dona Rosa conta que era assustador, pessoas em motos passavam buzinando e ameaçando os ocupantes que sem casa, estavam em barracos de lona ou embaixo de árvores, sem o mínimo de condições de um lugar para ir.

Após tantos ataques, dona Rosa e outras pessoas organizaram uma equipe em busca de respostas. Foi quando constituíram uma comissão e foram a alguns órgãos, mas as respostas eram sempre negativas, ouviam que eles teriam que sair dali, e a incerteza lhes causava angústia, dor e medo, e as pessoas voltavam com o coração partido e tristes, mas eles mantinham a fé, como descreve dona Rosa. 

“E a luta não parou por aí. A comissão chegou a ir em Belém para mostrar que havia pessoas que precisavam de moradia neste local. No retorno para Santarém, a equipe, incansável, foi ao cartório buscar informações e fazer o levantamento sobre o lugar, sobre quem comprou, quem vendeu e a partir daí percebemos a necessidade de constituir um advogado que ajudasse a compreender todas as questões. Foi quando encontramos o senhor Dilton Tapajós, advogado agrário que começou a acompanhar a causa da luta dos moradores do Juá”.

Para uma mulher e mãe, as coisas se tornam um tanto mais difíceis. Alimentação, saúde, segurança, escola são fundamentais e se tornam uma preocupação à parte para mulheres mães que ainda com circunstâncias adversas se mantém firmes na luta por seus direitos e pelos direitos de seus filhos. 

“A nossa vida aqui  foi uma vida muito sofrida, a gente não tinha ruas, não tinha energia, não tinha água, ia até os outros bairros buscar. No começo de 2013 foi muito difícil, quando eu decidi porque eu tinha necessidade de um lugar pra morar com meus filhos, porque eu não tinha mesmo e na época eu vim pra baixo de um pé de árvore, a gente já lutou muito. A gente tem aquela área ali dá oito, na época construiu aquele barracão com doações, nosso foco naquela época era trazer um anexo, uma Umei ao menos pra alfabetizar nossas crianças porque era muito dificultoso, era muito perigoso as nossas crianças atravessar uma mata pra ir pras escolas dali do Maracanã ou lá pra Fernando Guilhon”.

Mas em anos de luta, dona Rosa celebra cada conquista até aqui. Iluminação pública, linha de ônibus, entre outros benefícios. Com parceria da Diocese de Santarém, os moradores conseguiram inserir também a Pastoral do Menor e posteriormente a Pastoral da Criança, o que amenizou a preocupação quanto a alguns cuidados básicos para as crianças e adolescentes. O espaço hoje é o campo da rua 08 e onde também está sendo construída a igreja de São Jorge. É um espaço que recebe projetos sociais para os moradores do bairro e proporciona lazer para a população.

Neste ano de 2024 a luta continua, há um mês e meio aproximadamente, circulou uma notícia sobre reintegração de posse da área, o que causou repercussão entre os moradores de toda a grande área do Juá. A equipe do Tapajós de Fato entrevistou os advogados Dilton Tapajós e Gleydson Pontes para trazer informações e nitidez acerca do caso do bairro Vista Alegre do Juá.

Sobre o real início da ocupação do Juá, Gleydson Pontes, advogado há vinte anos com atuação em organizações de movimentos sociais e sindical, compartilha conosco informações históricas.

Foto: Arquivo Pessoal

“Sobre o surgimento dessa movimentação em torno, social e popular, vamos dizer assim. Em torno dessa área, que hoje inclusive envolve ali o que hoje é o loteamento da empresa Buriti, começa lá por 2009, então já algumas pessoas com base em algumas informações da área como tamanho, tipo de ocupação, de onde vinha, as famílias que reivindicavam, a família que reivindicava a área, e começaram a se organizar para fazer uma ocupação na área. Então isso já vem desde dois mil e nove. Quando é 2010 se ajuíza uma ação da Sisa Salvação, e a justiça concede a reintegração de posse. A ocupação se dava na parte que hoje é o loteamento da Buriti. A Buriti comprou até onde a gente tem conhecimento, parte da empresa quase a totalidade da empresa Sisa Salvação. Então aquilo que era uma empresa familiar (dos Corrêa) se tornou uma empresa de propriedade da Buriti Empreendimentos”.

No período de 2014 que surgiu o MTLM- Movimento de Luta dos Trabalhadores por Moradia, que tinha como liderança Margareth Teixeira que posteriormente veio a ser presidente da Associação dos moradores do Juá,  observa-se que essa ação acontece há dez anos e foi sentenciada somente agora, diz Gleydson Pontes, que compartilha ainda:

“Então essa área da travessa principal até esse limite com a Linave não está compreendido dentro da propriedade da Buriti e mesmo assim eles levaram a registro essa área como dentro, e essa foi a informação crucial para determinar que as pessoas fizessem essa movimentação de ocupação, porque a Buriti estava fazendo isso, a área não pertencia a empresa e a empresa fez esse registro no cartório dizendo que sim, que era, então a pergunta é como é que está o processo? Foi dada a reintegração pra empresa ignorando todos esses questionamentos sobre a propriedade. Foi feito sobre essa sentença um embargo de declaração discutindo com o juiz a necessidade do juiz reconhecer a participação da associação de moradores Vista Alegre do Juá no processo. Que feito um pedido e esse pedido não foi atendido e foi sentenciado e o juiz não pode fazer isso, precisa responder”

Foto: arqivo pessoal de Jacilene Cleice da Silva

A ocupação inicial ocorreu por volta de 2013 e 2014. Lembrando que antes disso, entre 2009 e 2012 alguns ocupantes entraram na área que hoje é o loteamento da Buriti, porém, foram expulsos do local. Quando expulsos da área por uma ação de reintegração de posse, quase imediatamente, as famílias oriundas do local ocuparam a área conhecida hoje como a “Grande área do Juá”,  área essa que efetivamente, não havia posse de ninguém, o que existia era apenas chamada “posse de papel”, que é um documento onde eles tentavam demonstrar propriedade e que nesse processo de 2014, foi quando os advogados Gleydson Pontes e Dilton Tapajós demonstraram ao juiz a situação da área, como relata o senhor Dilton Tapajós.

“A gente conseguiu demonstrar ao juiz que a área onde as famílias estão hoje, que eles chamam de lado A, que é uma área de duzentos e cinco metros de frente por dois mil e quinhentos de fundo que vai até a margem do rio Tapajós, o documento que demonstrava fragilidades e continua com essa fragilidade. Pois bem, esse processo vem correndo desde dois mil e quatorze, muitas questões aconteceram nele”.

Foto: arquivo pessoal

Quando a Buruti entrou com o pedido de liminar para retirada imediata das famílias e apresentou documentos para comprovar posse, como dito anteriormente com fragilidades do ponto de vista de propriedade, o juiz se convenceu dessa documentação da Buruti e determinou a reintegração de posse à empresa e a retirada das famílias do local, porém, as famílias resistiram, não saíram pois não tinham pra onde ir, dessa forma não houve o cumprimento efetivo da posse. Seguindo a isso, a ocupação foi se consolidando, mais pessoas ocupando a área, várias diligências foram feitas com a prefeitura na tentativa de que a área fosse regularizada, mas nada conseguiram. E em 2017 com a Lei n° 13.465, de 2017, a REURB novamente foi feito imediatamente um documento solicitando à prefeitura que fizesse a regularização das famílias por meio do programa da REURB que a lei permitia mesmo havendo processo judicial em tramitação com relação à área, mas o argumento da prefeitura foi que não poderia agir ali porque estava sob judice.

Foto: Jacilene Cleice da Silva Rego, 2018 - Trabalho de campo

Em entrevista, o senhor Dilton Tapajós diz ainda:

“Outras ações ocorreram, a prefeitura movendo ação com tantas famílias na área de perto do rio, questões ambientais, o Ministério Público Federal e Estadual os dois entraram com uma ação civil pública contra a Buriti, contra o estado do Pará e contra a prefeitura na questão ambiental porque a Buriti ao fazer seu empreendimento efetivamente degradou muitas áreas ali de APP- Area de Preservação Permanente, a margem do Juá e inclusive afetando o Tapajós, o fato é que os dois Ministérios Públicos entraram com a ação civil pública e houve um acordo nestes autos”

Houve então uma sentença da Justiça Federal de Santarém obrigando o município e o estado do Pará, e a própria Buriti, a cumprir várias obrigações. Existe uma cláusula do processo da Justiça Federal que é o acordo feito entre Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Buriti, estado do Pará por meio da Semmas e prefeitura municipal de Santarém, como compartilha o senhor Dilton Tapajós:

“Se porventura a Buriti fosse vencedora no processo de reintegração de posse dessa área da Grande Juá, ela imediatamente doaria essa área à prefeitura para que se fizesse a regularização pras famílias. Ou seja, retardadamente vem um documento, vem uma homologação, vem uma sentença do juiz homologada na Justiça Federal que vem muito ao encontro do que nós advogados já pleiteávamos em 2018 pro prefeito”.

Então a sentença confirma a liminar dada em 2014, e a sentença homologatória é a doação imediata da área à prefeitura caso a Buruti consiga a reintegração. A área correspondente é a área da faixa A, que é mais de duzentos e cinco por dois mil e quinhentos metros de fundo.

A partir dessa decisão, da sentença jurídica que se consolidou na Justiça Federal por uma uma sentença homologatória do juiz federal, o fato central onde a sentença deva ser cumprida, os advogados Dilton Tapajós e Gleydson Pontes estão diligenciando junto aos Ministérios Público Federal e Estadual, que ainda que haja a reintegração, a área deve ser imediatamente doada à prefeitura para a regularização das famílias. 

“Estamos diligenciando com a prefeitura de Santarém para ver quais serão os procedimentos que serão adotados para regularizar aquelas famílias, se vai ser dentro dos procedimentos da REURB, se vai ter outro mecanismo que o município esteja pensando né? Diligenciando pra fazer, pra ver como é que o estado do Pará entra na parceria né? Então tudo isso são capítulos seguintes que é a parte mais importante ao nosso ver pra efetivar a posse e a propriedade, regularizar a situação fundiária daquelas famílias que hoje já estão aí em torno de sete mil famílias a parte A e a parte B. A parte B não faz parte desse processo de 2014”, afirma o advogado Dilton Tapajós.

Sobre o lado B, que ainda não está sendo debatido no caso, o advogado explica que “existem várias possibilidades de regularização da área, o lado B tem uma que a gente chama consolidada. Então como é uma posse consolidada tem várias possibilidades de regularizar ali, inclusive uma questão se por exemplo tiver realmente documento de propriedade da Buriti uma ação de usucapião, é cabível, o município e o estado do Pará de fazer desapropriação daquela área ali, do lado B. É uma possibilidade também de regularizar as famílias. Então são várias possibilidades ali, existem muitas famílias carentes ali.  Então ao nosso ver e nesse sentido nós vamos também junto com o poder público, com os ministérios públicos de que a governança municipal nos diga precisamente o que é que se pretende fazer na área. Principalmente no lado B. Então nós vamos acompanhar esse processo. Então tudo isso aí precisa ter um olhar, e um olhar municipal, se for necessário, a gente vai manejar também ação judicial”.

A conquista por moradia digna é um processo cansativo, tendo em vista a desigualdade existente no país e no mundo, onde sistema capitalista vigente que prega por lucro e individualidade, se baseia nas “leis” das instituições financeiras e dos grandes grupos empresariais presentes no mundo todo. E as lutas pela conquista de direitos básicos permanecem. Ter uma casa, um lar onde se possa sonhar e construir uma boa história com a família ainda é utopia na vida de muitos brasileiros, marginalizados por uma política desumana, mas só é marginalizado quem está à margem sem dinheiro, porque quem está à margem com dinheiro tem suas casas luxuosas às margens dos rios e mares. Ser pobre não é uma condição escolhida, é uma imposição sócio político cultural do poder monetário concentrado nas mãos de poucos que mantém o ciclo opressores e oprimidos. E o conhecimento do povo é o caminho na luta incansável pela política democrática onde se faz juz ao que diz a Constituição Federal de Direitos Humanos de 1988, onde o povo possa ser ouvido e a política nacional reconhecendo que “Todo poder emana do Povo”.

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