A presença de mulheres indígenas no ensino superior vem ganhando proporções crescentes, essa realidade é facilmente perceptível em relação à Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), localizada no município de Santarém. Apesar da crescente inserção das mulheres indígenas na universidade pública brasileira, e especificamente na UFOPA, existem diversas barreiras que impedem essas mulheres de permanecerem em seu curso e uma delas, prioritária, é a maternidade.
Muitas das mulheres indígenas que acessaram a Universidade Federal do Oeste do Pará nos últimos anos, se veem divididas entre os estudos e a carga de cuidados com suas crianças, longe de suas aldeias/comunidades, distanciadas de suas famílias - suas principais redes de apoio - essas mulheres se sentem exaustas e sobrecarregadas.
Para Rosy Munduruku, mãe da Allana e acadêmica do curso de Arqueologia, e que enfrenta muitas dificuldades para deixar sua filha em casa, sob cuidados de terceiros enquanto estuda, “se a Universidade tivesse um espaço para acolher nossas crianças seria mais fácil na questão emocional, porque deixar nossas crianças em casa abala nosso emocional na questão de preocupação”, pontua ela.
A universidade é um processo novo para os indígenas, trazendo algumas barreiras e muitos aprendizados que exigem tempo de adaptação. Em relação às mulheres-mães indígenas, elas geralmente passam pela experiência do casamento e da maternidade durante o ensino médio e superior, convivendo com suas crianças enquanto estudam. Portanto, não considerar esse aspecto ao pensar na inserção dessas mulheres na universidade se torna uma barreira significativa.
Em entrevista ao Tapajós de Fato, Luanna Arapiun, mulher indígena do povo Arapiun, mãe, acadêmica de doutorado da UFOPA e agora, mais recentemente, professora substituta na Formação Acadêmica Indígena da universidade - que tem se mobilizado, conjuntamente com outras mulheres indígenas, na criação de um grupo que mantenham um diálogo pontual sobre as várias faces que permeiam as dificuldades que atravessam o ser-estar das mulheres indígenas no percurso formativo na universidade - pontua que é importante levar em consideração a perspectiva da maternidade, enquanto política afirmativa, na construção de mecanismos que superem essa barreira e que acolham o maternar dessas mulheres nesse espaço, também.
Nessa mesma perspectiva, para Rosy Munduruku, a universidade poderia ter um espaço pensado para mães acadêmicas. “Um espaço de lazer, brinquedos, pessoas qualificadas para ficarem com nossas crianças enquanto realizamos nossas pesquisas e estudamos”, justifica. Indo além, e analisando não só a sua realidade, mas a realidade de muitas outras alunas - indígenas ou não - que necessitam levar suas crianças para a universidade durante as aulas, e/ou durante a execução de atividades de pesquisa ou extensão e que, muitas vezes, são julgadas, ela enfatiza “eu não me sinto acolhida por essa Universidade, enquanto acadêmica mãe, pois se não tem espaço pra minha filha não tem pra mim”.
Espaço de acolhimento infantil na UFOPA como política afirmativa
Por meio da Pró-Reitoria de Gestão Estudantil (PROGES), direcionada pela Diretoria de Políticas Estudantis e Ações Afirmativas um projeto vem caminhando no intuito de construção e implementação de um espaço para acolhimento para as crianças, filhos e filhas, de mulheres mães acadêmicas da Universidade.
Uma política voltada não somente para mães indígenas, mas para todo o público da instituição que necessita de um espaço para deixar suas crianças enquanto desenvolvem atividades ligadas ao fazer acadêmico, uma vez que essa demanda é interracial e intergeracional.
A professora Luanna Arapiuns, pontua que "essa demanda, desse espaço de acolhimento na UFOPA, é uma demanda bastante antiga das mulheres e das mães da universidade". Contudo, atualmente direcionado pela professora Wania Alexandrino Viana, que está na direção da Diretoria de Políticas Estudantis e Ações Afirmativas da PROGES, que também é mãe, esse projeto tem ganhado “um gás”, no caminho de sua implementação.
Também em entrevista ao Tapajós de Fato, a professora Wania Alexandrino pontua que enquanto mulher e mãe, esse projeto a atravessa de forma pessoal e profissional. Ela enfatiza que quando assumiu a diretoria “já havia essa demanda [a necessidade de um espaço tipo creche] oriunda do protagonismo dos vários coletivos de mulheres da universidade”. Enquanto política institucional de permanência materna na universidade, uma vez que segundo a professora mais de 600 estudantes hoje, da UFOPA, são mães. Durante a passagem da Secretária Nacional de Articulação Institucional, Ações Temáticas e Participação Política, Carmem Foro, à Universidade foi apresentada a ela essa demanda, no intuito da pronta implementação desse espaço.
Tanto a professora Luanna Arapiun quanto a professora Wania enfatizam que esse projeto do espaço de acolhimento infantil, não é um projeto voltado somente para mães indígenas. No entanto, a organização das mulheres-mães indígenas coordenadas pela professora Luana e por outras lideranças mulheres, vêm fortalecendo a discussão da implementação desse projeto, sendo vozes ativas no levantamento dessa pauta.
Contudo, a professora Luanna pontua que "essa construção vem acontecendo de forma conjunta entre indígenas, quilombolas, ribeirinhas e demais grupos de mulheres dentro da universidade". Para ela, o comprometimento de todos, mulheres, homens, funcionários, professores e demais agentes é fundamental para a implementação desse projeto.
A necessidade de Políticas de Permanência Materna na Universidade e a ação da UFOPA
A combinação de estudos e responsabilidades maternas podem ser extenuantes. Sem suporte adequado, muitas mães estudantes encontram dificuldades em balancear essas demandas. A professora Wania Alexandrino cita alguns expoentes destas dificuldades como retenção, reprovação e evasão.
Ela pontua que, diante do número significativo de mães acadêmicas, a PROGES está preocupada em implementar uma política de permanência materna, para todas as acadêmicas que são mães. E nesse intuito estão sendo criadas parcerias com os grupos organizados da universidade, uma vez que uma política afirmativa tem que ser pensada de forma conjunta.
Indo além, ela explicita que há na UFOPA hoje, um Grupo de Trabalho (GT), segundo ela esse GT está “discutindo como se dará essa construção dessa política de acolhimento de permanência materna pensando a institucionalização e a criação de um espaço infantil de acolhimento para as crianças na universidade”, pontua. Nesse sentido, a Instituição entende que se existir esse espaço de acolhimento “essas mães terão mais condições de participarem das aulas e de outras atividades de pesquisa e/ou extensão”.
É importante pautar que políticas específicas para mães estudantes ajudam a promover a igualdade de gênero na educação superior, permitindo que mais mulheres tenham a oportunidade de concluir seus estudos. Logo, o suporte institucional contribui para o bem-estar emocional e psicológico das mães estudantes, aliviando o estresse e a ansiedade relacionados à conciliação entre estudos e maternidade.
Como nos lembra Rosy Munduruku “Aqui [nos grupos] nos apoiamos umas nas outras enquanto mães indígenas, mas precisamos do apoio da Universidade para nos acolher também”.
Implementar políticas de permanência materna nas universidades, seja no contexto indígena, quilombola, da comunidade LGBTQIAPN+, das mães atípicas e demais grupos representativos, não é apenas uma questão de justiça social, mas também de aproveitar o potencial pleno de todas as/os estudantes. Essas políticas não só beneficiam as mães e seus filhos, mas também enriquecem a comunidade acadêmica como um todo, promovendo diversidade, inclusão e equidade.