O Conselho Pastoral da Pesca (CPP) realizou na última quinta-feira (08), no auditório da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA- Rondon) o seminário "Diálogo na Proa - A importância da pesca do Acari no Baixo Amazonas: perspectivas para o manejo e a conservação da espécie”, com o objetivo de discutir estratégias de manejo e conservação para o Acari no Baixo Amazonas, com a presença de representantes dos sindicatos de pescadores de Santarém e de outros municípios, da Sapopema, da MOPEBAM, do MPP, da SEMA e de representante do Ministério da Pesca.
“Então nós estamos aqui na organização do seminário do Acari, que tem como tema Diálogo na Proa, e a importância é debater com os pescadores e organizações sobre a importância da conservação e preservação da Acari na região do Baixo Amazonas. E para isso a gente convidou várias comunidades, municípios, pescadores que pescam o Acari, comunidades que fazem festival da Acari e produzem piracuí, para estar dando suas opiniões e falando sobre o período do defeso e vendo a melhor forma de conseguir a preservação da espécie, que hoje em dia tem muitas, muitas regiões que já não tem mais e tem outras que tá diminuindo, a gente ouve muito que tá diminuindo, diminuindo o tamanho, a quantidade e é pra isso que a gente veio, pra se ouvir”, enfatiza Francilurdes Gonçalves, pescadora e integrante da coordenação estadual do Movimento Pescador e Pescadora Artesanais (MPP)
O seminário se deu a partir da preocupação de organizações e da classe pesqueira com os baixos estoques de produção do Acari na região. Segundo os dados levantados no seminário, no município de Prainha em comparação com o último ciclo produtivo de 2023, houve uma queda de 30% no estoque do Acari em 2024. Os relatos dos pescadores presentes no evento corroboram os dados. Segundo eles, a queda na disponibilidade do Acari tem sido gradativa nos últimos dois anos, em todos os municípios.
“Essa diminuição nos recursos pesqueiros afeta a economia local e impacta na segurança alimentar da população”, enfatiza Wandicleia Lopes de Sousa, representante da SAPOPEMA.
Discutir possíveis ajustes no período de defeso do acari no Baixo Amazonas
Um dos objetivos específicos do evento foi iniciar um debate sobre a possibilidade e a necessidade de uma readequação na Instrução Normativa Nº 22 de 04 de julho de 2005, a qual proíbe anualmente no período de 1º de dezembro a 30 de março, a pesca, o transporte, a comercialização e o armazenamento desta espécie nos municípios ao longo do Rio Amazonas, no estado do Pará, enquanto sendo uma das medidas para a efetiva preservação e conservação da espécie.
Segundo relatos dos pescadores, tem havido modificações em relação ao período que o pescado tem desovado. Pescadores têm pescado acari ovado em junho/julho o que demonstra essa mudança.
Nesse sentido, a programação do evento iniciou com a apresentação e socialização dos dados coletados pela pesquisadora Ericleia Lima durante o seu trabalho de pesquisa “A pesca do acari (Pterygoplichthys pardalis) em sistemas de co-manejo na várzea do Baixo Amazonas", onde ela apresenta, através de dados, que o período que a normativa está em desacordo com a realidade vivenciada e relatada pelos pescadores.
“E um dos resultados importantes que foi encontrado, que foi visualizado, é a questão do período de defesa da espécie, que está em desacordo, segundo os pescadores e também segundo dados biológicos que eu coletei, em desacordo com a legislação oficial vigente, uma instrução normativa número 22 do IBAMA de 2005, ou seja, o estudo sugere, recomenda que haja uma adequação desse período de defesa, um ajuste”, Erycleia Lima, bióloga de formação, doutora em ciências ambientais pela Universidade Federal do Oeste do Pará.
A adequação, de acordo com os dados da pesquisa e de acordo com os pescadores, seria antecipar e trazer para outubro e novembro o período do defeso da espécie, que aí já realmente abrange o período de maior intensidade reprodutiva da espécie. E aí sim, esse instrumento, que é o defeso, se torna mais efetivo.
Acordos de pesca e outras medidas possíveis para a efetiva conservação e preservação do acari
Os pescadores também enfatizaram durante as discussões que, além da normativa do período de defeso, que é uma ferramenta proibitiva, outras ferramentas precisam ocorrer de forma mais efetiva quando se trata de conservar e preservar espécies.
Uma dessas ferramentas são os acordos de pesca. Esses acordos, regulamentados pelo Ibama e pelas Secretarias Estaduais de Meio Ambiente por meio de Portarias e Instruções Normativas, visam garantir tanto a preservação dos estoques naturais quanto a produção sustentável de pescado para as comunidades ribeirinhas. Considerados instrumentos dinâmicos e participativos, os Acordos de Pesca exigem avaliações anuais, baseadas em dados obtidos por meio de monitoramento.
Para os pescadores esse instrumento é de fundamental importância para as comunidades, uma vez que com ele, a comunidade e os pescadores é que são os fiscalizadores, pois, para a classe pesqueira, a fiscalização do governo é ineficiente.
Segundo dados apresentados pela Sapopema, hoje, na região do Baixo Amazonas existem cerca de 30 acordos de pesca sendo analisados ou em processo de atualização. Para a organização, a homologação desses acordos fortalece a atividade pesqueira e garante segurança para a pesca artesanal.
No entanto, além dos instrumentos normativos e regulatórios, a classe pesqueira destaca que as mudanças espaciais no ambiente da região também têm impactado negativamente a produção pesqueira. A expansão das áreas urbanas, juntamente com a instalação de empreendimentos e portos ao longo das margens dos rios, tem afetado os lagos e a qualidade da água, o que, por sua vez, prejudica as espécies aquáticas. Como resultado, os peixes se veem pressionados e sem espaço adequado para se desenvolverem.
“A preservação da espécie não se dá isolada do ambiente (espacial) no qual ela está inserida, logo, o processo de crescimento e de instalação de portos tem diminuído tanto os espaços de pescas do pescador, bem como, tem diminuído os espaços (lagos) onde residem as espécies”, Renan Luís, do Conselho Pastoral da Pesca.
Todos esses processos têm que ser levados em consideração quando se discute preservação e conservação de espécies.
O impacto das mudanças climáticas na conservação da espécie
“Morreu muito Acari na nossa comunidade”, lembra o seu Lindonei, coordenador dos pescadores da comunidade de Piapó, no Município de Monte Alegre.
Essa fala do seu Lindonei se deu quando os relatos dos pescadores presentes relembraram da estiagem severa que a região do Baixo Amazonas sofreu em 2023. A seca na região em 2023 foi um evento extremo e sem precedentes, intensificada pelo aquecimento global e pelo fenômeno El Niño, resultando em níveis de água extremamente baixos nos rios, afetando milhões de pessoas.
Os impactos também foram severos em muitos aspectos, incluindo a escassez de água potável e alimentos, interrupção do transporte fluvial, aumento do risco de doenças e aumento da mortandade de peixes e mamíferos aquáticos. Logo, os efeitos extremos das mudanças climáticas afetam de forma direta a classe pesqueira.
“Em 2022 a produção do pescado de Acari foi muito alta, e devido a demanda o pescado estava sendo comercializado a 1 real a unidade. Devido à estiagem, em 2023 a produção do pescado diminuiu significativamente, tanto que não há pescado”, pontuou Alexandre, pescador do município de Óbidos e representante da MOPEBAM.
O Acari é uma espécie emblemática na região do Baixo Amazonas e faz parte da cultura alimentar das comunidades ribeirinhas e das populações urbanas da região, além de ser a principal matéria prima para a produção do piracuí (farinha de peixe), produto típico da culinária local. Na região, a espécie também tem total referência a segurança alimentar das populações e a cultura local, diversas são as comunidades que realizam o festival do Acari.
Ministério da Pesca - Encaminhamentos
As discussões com a participação de representação do Ministério da Pesca possibilitou encaminhamentos que dão continuidade a solicitação da classe pesqueira em relação a ajustes na Normativa Nº 22 de 04 de julho de 2005.
“A gente sai daqui com o encaminhamento de incluir na agenda do CPG Norte, que vai ocorrer em novembro deste ano, a pauta do Acari e ampliar a discussão sobre o pedido que saiu aqui hoje, que é a revisão do período do defeso. Uma vez que, de acordo com o que foi apresentado com alguns resultados, não faz sentido manter o período que está na normativa”, ressalta Bianca L. Mesquita Sousa, da coordenação de gestão participativa continental da Secretaria Nacional de Pesca Artesanal do Ministério da Pesca.
Ela enfatiza que o processo de se modificar um instrumento normativo não é um processo fácil e requer estudo e tempo. “Então a gente precisa ampliar essa discussão, uma vez que são mais de 40 municípios abrangidos nesta normativa. Além de ampliar o debate com outras comunidades pesqueiras, a gente também precisa abrir para discussão junto ao Ministério do Meio Ambiente, uma vez que o ordenamento da pesca é compartilhado com esse ministério”.
Bianca, no entanto, reforça a importância desses espaços de diálogos diretos com a classe pesqueira, uma vez que o conhecimento dos pescadores é o melhor conhecimento quando se trata da relação a manutenção da cadeia produtiva. “Mas foi uma agenda muito rica. O protagonismo, ele é todo dos pescadores, eles que estão na ponta e hoje eles foram escutados, então a gente sai daqui com esses encaminhamentos e para dar um possível retorno em novembro nessa agenda do CPG Norte”. Bianca L. Mesquita Sousa, da coordenação de gestão participativa continental da Secretaria Nacional de Pesca Artesanal do Ministério da Pesca.