Terça, 17 de Setembro de 2024
Educação Formação

Instituto de Ciências da Educação da Ufopa conecta corpo técnico e professores a territórios indígenas promovendo visita a Aldeia Açaizal, em Santarém

Visita dos professores e técnicos do ICED ao Território Indígena Munduruku do Planalto destaca os desafios e a dificuldades da inclusão de alunos indígenas na universidade

28/08/2024 às 10h36 Atualizada em 28/08/2024 às 10h58
Por: Marta Silva
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Docentes e técnicos do ICED/UFOPA em visita a aldeia indígena Açaizal, no planalto santareno/ Foto Marta Silva/Tapajós de Fato
Docentes e técnicos do ICED/UFOPA em visita a aldeia indígena Açaizal, no planalto santareno/ Foto Marta Silva/Tapajós de Fato

A direção do Instituto de Ciências da Educação (ICED), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) proporcionou ao corpo técnico e docente do instituto, ação de visita de formação a aldeia indígena Açaizal, no planalto santareno. A ação realizada no dia 14 de agosto, é parte de uma iniciativa do ICED que visa melhorar a inclusão e o acolhimento dos alunos indígenas e quilombolas na universidade. 

 

A partir de uma iniciativa da professora Dr. Lademe Correia, diretora do ICED, a ideia é levar os professores e técnicos para dentro das aldeias e dos quilombos para ouvirem os alunos - indígenas e quilombolas -  e suas demandas, a partir de seus territórios, “de dentro dos espaços onde eles vivem”, explica a professora. 

 

Ela enfatiza que a iniciativa tem como viés entender o que os professores e técnicos podem fazer para atender melhor os alunos que entram na universidade a partir do processo especial. Logo, essa ida às aldeias e quilombos, marca um processo de maior aproximação do corpo técnico e docente com esses territórios e consequentemente, com a realidade desses alunos. O que permite uma melhor compreensão dos processos - dos desafios e das dificuldades - enfrentadas por esses discentes.

 

Chegada da caravana do ICED a aldeia/ Foto: Marta Silva - Tapajós de Fato

 Aldeia Indígena Açaizal

A ida à aldeia índígena Açaizal é a segunda atividade desse porte realizada pelo instituto, que em janeiro levou em torno de 40 professores e técnicos para o Quilombo Bom Jardim. A aldeia, que fica localizada na região do planalto de Santarém, no Pará, sofre pressão exercida pela expansão do cultivo de soja sobre o território tradicionalmente ocupado pelos indígenas da etnia Munduruku.

A proximidade das plantações de soja traz impactos devastadores, como a contaminação por agrotóxicos, que afeta tanto a saúde das pessoas quanto a produção agrícola tradicional dos Munduruku. Além disso, as plantações têm destruído matas e igarapés, comprometendo a biodiversidade e o modo de vida sustentável da comunidade. As lideranças indígenas relatam um sentimento crescente de insegurança e impotência diante da expansão agrícola que avança sobre suas terras, ameaçando suas formas de subsistência e sua identidade cultural.

A luta pela demarcação de suas terras é uma das principais reivindicações dos Munduruku, que enfrentam também ameaças e intimidações por parte de produtores de soja, evidenciando o conflito entre diferentes concepções sobre o uso da terra. Além disso, o impacto ambiental causado pelas monoculturas, como o desmatamento e a redução dos recursos hídricos, que são essenciais para a agricultura tradicional dos indígenas, é outro desafio enfrentado pelos indígenas da aldeia, que têm resistido. 

Durante a visita dos professores e técnicos da UFOPA, o cacique Manoel, liderança indígena, cobrou apoio e comprometimento da universidade na luta pela demarcação das terras indígenas do TI Munduruku. Ele enfatizou que a luta por demarcação não é só de responsabilidade dos povos indígenas, mas também “dos professores que estão dentro de uma universidade e que sabem o que é defender a Amazônia, o que é defender um projeto pro futuro[...] é compromisso de todos que sobrevivem da floresta amazônica”, ressaltou. 

Cacique Manoel Munduruku/ Foto: Marta Silva - Tapajós de Fato

O impacto dos cursos da UFOPA em alunos indígenas

Durante a ação de visita dos profissionais da Instituto de Ciências da Educação (ICED) a aldeia indígena Açaizal, como parte da programação, foi realizada uma mesa-redonda com a participação do Cacique Josenildo Munduruku, Coordenador do Conselho do Planalto; da Daniele dos Santos da Cruz, acadêmica do curso de Ciências Biológicas do ICED; da Maria Alves dos Santos, Presidente da Associação Indígena Açaizal Sagrada Família; da Izadora Pereira Andrade, acadêmica do curso de Pedagogia do ICED; e do professor Dr. Eneias Barbosa Guedes, do curso de Licenciatura em Geografia da universidade. 

Eles debateram sobre os impactos dos cursos da UFOPA em alunos indígenas. Foi um momento de partilha e reflexão que expôs as profundas dificuldades enfrentadas pelos estudantes indígenas em seu caminho acadêmico.  

Isadora Pereira Andrade, estudante indígena da UFOPA em processo de conclusão de curso, em sua fala, sintetizou as principais dificuldades enfrentadas pelos alunos indígenas: longas distâncias geográficas a serem percorridas diariamente, bem como, grande disparidade sociocultural. Ela mencionou que muitos professores não compreendem as especificidades culturais e linguísticas dos estudantes indígenas, o que agrava a desigualdade dentro do ambiente universitário. "Não é todos professores que compreendem os indígenas [...] A dificuldade é muito grande", destacou. A falta de sensibilidade dos docentes, segundo Isadora, gera um ambiente acadêmico hostil, onde as diferenças culturais se tornam barreiras ao invés de pontes para o conhecimento. 

Conversa discute impactos dos cursos da UFOPA em alunos indígenas/ Foto: Marta Silva-Tapajós de Fato

Outro ponto levantado foi a dificuldade de adaptação ao uso de tecnologias e à metodologia de ensino, que muitas vezes está distante da realidade vivida nas comunidades. “A aldeia não prepara o indígena para a universidade”, pontua Maria Alves, professora aposentada que durante anos fez parte da coordenação do CITA. 

A questão da identidade indígena também foi um ponto de tensão na discussão. Um relato emocionante destacou que muitos estudantes sofrem preconceito e são estigmatizados dentro da universidade. Isadora contou que foi reprovada após discutir com uma professora que sugeriu que os alunos indígenas deveriam ter aulas diferenciadas, sob a justificativa de que "não chegam no nível dos outros". Esse tipo de atitude, segundo os relatos, reforça estereótipos e coloca os estudantes indígenas em uma posição de constante luta por reconhecimento e igualdade.

Foi destacado que os projetos e as oportunidades dentro da universidade muitas vezes não são acessíveis aos alunos indígenas, o que aumenta a evasão e dificulta a conclusão dos cursos. "A disputa é diferenciada. Os projetos da universidade são muito poucos para a questão dos alunos indígenas e quilombolas", lamentou Isadora.

Os relatos das experiências durante a conversa, convergiram para a necessidade de políticas universitárias que promovam igualdade de condições para todos os alunos, independentemente de sua origem. A pressão, a cobrança e as dificuldades de adaptabilidade têm impactado a saúde física e mental de muitos dos discentes indígenas. 

Chegada dos professores e técnicos do ICED a escola indígena Wapurum-Tip / Foto: Marta Silva-Tapajós de Fato

Visita a Escola Indígena Wapurum-Tip

A programação do dia contou ainda com uma visita às instalações da Escola Indígena Wapurum-Tip, que ganhou notoriedade por ter sido a primeira escola construída com arquitetura com traços indígena do Brasil. 

Os professores e técnicos puderam comprovar que a escola, para além da arquitetura, é um exemplo vivo de educação inclusiva que valoriza as tradições e saberes ancestrais da comunidade. A escola se destaca por não se limitar ao espaço físico; seu processo educacional se estende pelo território, incluindo atividades em sítios arqueológicos e nascentes, reconhecendo o território como parte integral da aprendizagem. Além disso, a identidade cultural é reforçada por símbolos como o uniforme com grafismos de formiguinhas e o açaí, elementos escolhidos coletivamente pelos alunos para representar a união e a riqueza cultural da aldeia.

O professor Elias Morais da Silva (Elias Munduruku), diretor da escola, que também é ex-aluno da UFOPA, se orgulha em enfatizar que “a abordagem pedagógica da escola é totalmente alinhada às realidades e tradições da comunidade indígena, promovendo um aprendizado que é tanto prático quanto culturalmente relevante. Ao mesmo tempo, a escola serve como um centro de resistência cultural, preservando e transmitindo os saberes tradicionais às novas gerações, garantindo que esses conhecimentos não se percam ao longo do tempo”, conta ele. 

Um marco dessa visita foi a recepção preparada pelos alunos que cantaram o hino nacional na língua Tupi e encenaram um diálogo e rezaram o pai-nosso na língua Munduruku, participação organizada pelas monitoras (professoras) que ministram a disciplina de Notório Saber aos alunos.

Diretor Elias e cacique Josenildo recepcionando a caravana do ICED / Foto: Marta Silva - Tapajós de Fato

Mais da programação

A programação da ação de visita contou ainda com oficina de grafismo, ministrada pelos jovens, e por apresentação cultural do grupo de Carimbó Encantos Munduruku, composto por alunos da escola Wapurum-Tip.

O professor Elias Munduruku, enfatizou a importância da iniciativa do Instituto de Ciências da Educação (ICED/UFOPA). “Estamos aqui falando de educação superior, conectando a educação básica [...] para nós foi muito pertinente esse encontro. É muito importante que a universidade não se feche somente no institucional, mas que venha até a aldeia, até o território para ouvir [os alunos] dentro das suas realidades [...] nós ficamos muito felizes com esse diálogo”, pontuou ele.

Alunos da escola Wapurum-Tip, professores e demais equipe da escola após apresentação para a equipe vinda da UFOPA/ Foto: Marta Silva-Tapajós de Fato 

Percepções dos professores e técnicos da Universidade

O professor Ricardo Bezerra, professor titular do curso de Ciências Biológicas do ICED, parabenizou a iniciativa da direção e pautou a relevância dessa aproximação da universidade com os territórios e com as nuances da vivência diária dos discentes. “A universidade sempre tem muitos projetos, no entanto, nem sempre os projetos que a gente pensa lá, atendem quem está aqui fora”, enfatiza.  No entanto, ele aproveita para ressaltar que “com essas visitas a gente aprende a saber o que a comunidade quer e aí sim, a gente pode pensar um projeto, e não ao contrário, que é o que acontece, a gente pensa um projeto e tenta implantar na comunidade”

Para a técnica Daniele, secretária executiva do ICED, essas ações de visita são necessárias para que eles [técnicos e professores] possam ver a universidade em movimento. “A gente vive dizendo que a universidade, ela impacta a vida das pessoas, que a educação ela muda a vida das pessoas e vim na aldeia permitiu a gente [profissionais] vê na prática como a universidade muda a vida das pessoas [...] é uma visita que, sobretudo, nos permite vê os frutos da universidade”, relata ela emocionada, uma vez que entre o corpo docente da escola indígena, além do diretor Elias Munduruku, há outros funcionários que são egressos da UFOPA.

Visita às salas de aulas em formato de malocas da escola Wapurum-Tip/ Foto Marta Silva/Tapajós de Fato

Da mesma forma, a professora Nilzilene Gomes de Figueiredo, Coordenadora do Curso de Física do ICED e Coordenadora Institucional do Programa de Iniciação a Docência pontuou que a visita foi a sua primeira oportunidade de conhecer uma aldeia indígena. Para ela essa ação é uma oportunidade para os docentes aprenderem. “É uma oportunidade de aprender para repensarmos as nossas práticas dentro da universidade [...] nós tivemos a oportunidade de escutar as pessoas que estão aqui, qual é a percepção dos alunos que são da UFOPA mas são da comunidade. O que eles trazem pra gente é muito importante pra gente, de repente, repensar políticas institucionais dentro da nossa universidade que venham a contribuir com essa comunidade e com outras comunidades indígenas também”.

A professora Dr. Lademe Correia, idealizadora da ação, enfatiza que espera que essa proposta de saída da universidade em visita aos territórios seja uma iniciativa que se expanda para outros institutos. “A gente precisa sair da universidade e conhecer, já que fazemos um processo especial indígena e quilombola, precisamos sair de dentro da universidade e conhecer”, enfatiza ela que tem apostado em difundir essa proposta para outros institutos da UFOPA.

Grupo de Carimbó Encantos Munduruku fez apresentação para a caravana/ Foto: Marta Silva-Tapajós de Fato

 

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