Nesta segunda temporada, o maternidade e militância retorna contando a história de Élida Moraes, mulher amazônida que desempenha um papel fundamental na promoção do desenvolvimento sustentável. Associada à Associação Agro Extrativista Sementes da Floresta, ela é uma entre tantas mulheres lutando pela conservação da floresta em pé, na Amazônia.
Élida Silva Moraes nasceu em Altamira, mas foi nas terras de Uruará, no Pará, que construiu sua vida. Criada pelo pai na roça, desde cedo aprendeu a lidar com as adversidades do campo. A vida, no entanto, reservava para Élida desafios ainda maiores. Aos 15 anos tornou-se mãe pela primeira vez, enfrentando, precocemente, as barreiras que a maternidade impõe a uma adolescente.
"Foi um choque cuidar de uma outra vida, porque, por mais que você planeje, nunca está realmente preparada para essa responsabilidade", conta Élida, com a voz marcada pela força e a ternura de quem enfrentou as dificuldades de frente.
Aos 18 anos, deixou a roça e foi morar na cidade, onde precisou trabalhar para sustentar seus filhos. "Trabalhei em casas de família, tive que deixar meus filhos sozinhos. Eu acordava cedo, preparava o almoço e dizia para eles não abrirem a porta para ninguém", relembra. Essa rotina árdua durou anos, até que conheceu o atual marido, que a apresentou à Associação AASFLOR, uma comunidade que mudaria sua vida.
A descoberta da força coletiva a partir do associativismo e da AASFLOR
Ao entrar para a AASFLOR, Élida encontrou um novo propósito. "Foi um mundo novo que eu não conhecia. Conheci mulheres que lutavam para ser independentes, mães que batalhavam para sustentar seus filhos, com ou sem marido. Hoje, as mulheres são 100% ativas na associação, trabalhamos na roça, na produção de farinha, de cosméticos, fazemos de tudo um pouco", explica.
A Associação Agro Extrativista Sementes da Floresta - ASSFLOR, fundada há 17 anos, em Uruará, nasceu da iniciativa da irmã Angela Salsen, uma freira apaixonada pelo meio ambiente, que viu na floresta uma oportunidade de sustento sustentável para as comunidades locais. "A ideia era manter a floresta em pé, enquanto gerávamos renda para as famílias", comenta Élida, destacando que, das 50 comunidades que aderiram inicialmente à proposta lá no início, apenas quatro continuam ativas, incluindo a sua, São José.
Fruto da organização e engajamento de agricultores familiares de assentamentos da reforma agrária na região, a Associação teve como ponto de partida principal a iniciativa da campanha da fraternidade da igreja católica, com atuação decisiva de Irmã Ângela, freira pertencente à Congregação Franciscana de Gustarte e à Campanha da Fraternidade.
Segundo a apresentação da associação em seu catálogo de produtos, a AASFLOR surgiu como uma iniciativa comunitária em busca de alternativas para o desenvolvimento socioambiental dos assentamentos e do território local, em meio ao cenário de forte desmatamento na região na primeira década do século XX. Desde então, a Sementes da Floresta superou adversidades e alcançou grandes conquistas, estruturando uma cadeia produtiva baseada no extrativismo e no beneficiamento sustentável de produtos florestais não madeireiros.
Atualmente, a AASFLOR concentra suas atividades na coleta de sementes florestais, destinadas para a rede de sementes do Xingu – que promove ações de restauração florestal – e para a extração de óleos vegetais em mini usinas operadas pelos associados. Destes óleos, elaboram os produtos de sua linha de cuidados pessoais, cujas embalagens se acolhem todas as etapas da cadeia produtiva e uma história de superação e defesa do bioma amazônico. (Fonte: Catalogo-AASFLOR-Digital.pdf)
Os desafios da maternidade e da militância
Conciliar a maternidade com o trabalho na associação não é fácil. Élida enfrenta diariamente o desafio de administrar o cuidado dos filhos e o envolvimento nas atividades da AASFLOR. "Às vezes é difícil sair de casa e não ter quem cuide dos meus filhos. Eu sou o tipo de mãe que acha que só o meu olhar resolve, e deixá-los é sempre um desafio", desabafa.
Ela também destaca a dificuldade em engajar os jovens na associação, “queremos trazer nossos jovens para dentro da associação e mostrar a importância de cuidar da floresta, mas é um desafio constante", afirma. Élida é mãe de quatro filhos e, recentemente, tornou-se avó. "Fui mãe aos 15, aos 17, aos 19 e aos 21 anos. Amo meus filhos, eles são meu orgulho", diz, com um sorriso que mistura amor e superação.
Impactos e aprendizados
Desde que se associou à AASFLOR, Élida viu sua condição financeira melhorar e sua vida se transformar. Questionada sobre o seu fortalecimento financeiro a partir do associativismo ela enfatiza que "além de aumentar minha renda, a associação me abriu portas. Já viajei para São Paulo e conheci familiares que eu nem sabia que existiam. Na AASFLOR, trabalho na produção de farinha, ovos caipiras e na linha de cosméticos naturais. Hoje, consigo ganhar mais do que ganhava trabalhando 30 dias por mês por um salário mínimo", relata orgulhosa.
Além do impacto financeiro, a associação trouxe um aprendizado pessoal profundo. "Aprendi a valorizar mais a agricultura familiar, a floresta e tudo o que ela nos proporciona. Hoje, quando vejo uma árvore morta, dói no coração", confessa, reforçando a importância de políticas públicas que incentivem e valorizem a agricultura familiar.
“[...] eu acho que a agricultura familiar inclusive precisa ser mais valorizada, a gente precisa mais de políticas públicas. Incentivar um agricultor vai ajudar ele a fazer seu pedacinho de roça, né?”.
Visão de Futuro
Élida também faz um apelo por mais investimentos na região. "Precisamos de mais olhares e investimentos aqui. Hoje, virou moda falar de agricultura familiar, mas na prática pouco se faz [...] hoje usam muito o nome sustentabilidade, sem saber realmente o que é sustentabilidade. Enquanto nós que estamos aqui trabalhando mesmo, com a mão na massa, na lida, dentro da floresta amazônica, a gente sabe o desafio que a gente encontra, pra poder se manter. Igual a gente hoje, nós trabalhamos com produtos naturais, a gente vai lá na mata, coleta semente, beneficia o produto, mas aí na hora de você mandar pra fora, tem o imposto, a gente enfrenta muitas dificuldades, a nossa logística, tudo isso são muitas dificuldades. Precisamos de mais infraestrutura", reivindica.
A história de Élida é um exemplo de resiliência e força. Entre a maternidade e a militância, ela segue construindo uma vida melhor para seus filhos e sua comunidade, sem nunca perder de vista a importância de cuidar da floresta amazônica. "Se eu pudesse, diria para um milhão de pessoas: precisamos de mais investimentos na nossa região. Precisamos cuidar da Amazônia e valorizar quem trabalha por ela", conclui.