Uma festa que celebra a identidade e a temporalidade da força coletiva de uma comunidade, a Festa do Abacaxi, chega ao marco histórico de 20 anos, consolidando-se como um símbolo de resistência e de afirmação cultural.
“A primeira festa nós realizamos dia 25 de setembro de 2003 [...] o objetivo de realizar a festa na época, era mostrar para a população que nós existimos, que nós estamos aqui no nosso território, que aqui nós tínhamos um potencial (ou tem ainda um potencial) a ser desenvolvido [...] porque aqui a gente mora no polo do abacaxi, o polo de produção, e um dos objetivos na época era mostrar isso. Fazer os produtos, mostrar para a população que a gente tem essa variedade de produtos [...] dizer que nós existimos aqui”, relata emocionado Zé Ivo, presidente da associação que organiza há 20 anos a festa.
Organizada pela Associação de Produtores e Moradores das Comunidades de Terra de Areia, Água Fria e Baixa D’água - AMTAB, a festa não é apenas um momento de comemoração, mas também uma vitrine do potencial econômico dessas localidades, que têm no abacaxi sua principal força produtiva.
Ao longo dos anos, a festa se consolidou como uma ferramenta não só de lazer, mas de transformação social. O evento, que a cada ano atrai um público significativo, reflete a luta das comunidades de Terra de Areia, Água Fria e Baixa d’Água, por infraestrutura básica e pelo direito de permanecer em suas terras. Segundo os relatos de Zé Ivo, que está na associação desde a primeira festa, a visibilidade dada à região por meio da Festa do Abacaxi rendeu seus frutos. Segundo ele, nos primeiros anos, os desafios eram imensos (e ainda são): não havia água potável na comunidade, a escola era inexistente e os ramais eram precários, dificultando o escoamento da produção agrícola, sobretudo do abacaxi, que é o carro-chefe da economia local.
Contudo, a persistência da associação e da comunidade, teve seus avanços. Com o sucesso da festa e a visibilidade alcançada, as autoridades passaram a enxergar o Polo Abacaxi com outros olhos. “Com essa atividade, mostramos para as autoridades que temos importância aqui. Hoje temos melhorias em infraestrutura e nossa produção é reconhecida”, destaca Zé Ivo, que reforça que ao longo dos anos os desafios vão se reformulando.
A identidade cultural da Festa, que é uma das mais antigas do município de Mojuí do Campos
Ao longo de duas décadas, a festa mantém a essência de ser uma celebração coletiva e comunitária. Além da exposição e venda de produtos derivados do abacaxi, há atividades culturais que enaltecem a história e as tradições locais, fortalecendo os laços entre os moradores e a sua terra.
O desfile da rainha do Abacaxi, que marcou o evento por anos, mobilizou a comunidade e as famílias. Contudo, na atualidade, há uma dificuldade em se manter o desfile. Nesta edição de 2024 da festa, não haverá a disputa.
Além disso, a festa já foi palco de grandes apresentações de artistas da região, como a cordelista e poeta Neusa e o compositor e cantor (in Memoriam) Anselmo. Ambos apresentações dos primeiros anos de festa.
A festa a cada ano busca inovar também nos produtos derivados do fruto do Abacaxi comercializados durante o festejo. Dona Maria Aldimar, associada da AMTAB e responsável pela produção das iguarias durante a festa, enfatiza que “no início a Emater (parceira da associação desde o surgimento da organização) se interessou em fazer cursos de manipulação, né? e criar derivados do abacaxi. No início foi a torta de abacaxi, pudim, doce, cocaxi e o licor, que é o nosso carro chefe. [...] E aí nós fomos criando [...]”.
Ela conta que com o passar dos anos, algumas receitas foram modificadas, bem como, outros derivados foram sendo inseridos no rol de produtos. “E assim fui inovando a receita. E você sabe que sabor a gente vai pelo público. É ele quem nos diz qual é o sabor, se tá bom ou não, né? [...] E aí fui modificando e fui criando o sorvete, modifiquei o creme. Teve uma época que nós fizemos também a pizza de abacaxi, mas também não deu muito certo porque as pessoas não são acostumadas na nossa região com agridoce. E aí nós mantemos, continuamos com o licor, a torta, cremes, doce, o brigadeiro (eu criei o brigadeiro), e temos abacaxi in natura”, relata ela orgulhosa e emocionada.
Impacto regional e turístico da festa
A Festa do Abacaxi, ao longo dos seus vinte anos de história, mobilizou a economia na comunidade e impactou significativamente no fortalecimento do nome de Mojuí dos Campos, em relação a festejos tradicionais.
Zé Ivo relata com orgulho ao Tapajós de Fato que a festa se tornou referência, “essa festa ela já tem assim, ela tem um nome, quando se fala Terra de Areia, onde você vai falar Terra de Areia, alguém associa: lá na festa do abacaxi? Isso mesmo. E isso aí faz a gente ficar um pouco mais esperançoso, porque a gente ainda acredita que pode melhorar ainda mais as nossas comunidades, nosso território”.
Ao longo dos anos, a festa já foi destino certo de grupos de pessoas de toda região, que no dia do festejo, vêm de toda a região de Mojuí, bem como de Santarém, para curtir a festa.
A partir da consolidação da realização da Festa do Abacaxi e do fortalecimento da Associação, e consequentemente, das comunidades por ela representadas, outras festas foram surgindo ao longo dos anos, marcando outros produtos de alto potencial produtivo na região de Mojuí dos Campos.
Perspectivas dos organizadores para o futuro da Festa
A festa segue sendo realizada com recursos da associação e ajuda de parceiros. Os produtos são produzidos na cozinha da sede da associação, um lugar que foi construído a partir de recurso de emenda parlamentar conseguida por meio dos esforços e da representatividade da AMTAB, e que deveria funcionar como uma agroindústria. Contudo, esse projeto, que ainda é um sonho dos associados, ainda não se realizou.
“Um dos objetivos também desde a primeira festa é a realização da nossa agroindústria que ainda é um gargalo. A gente sabe que aí é uma história já tem mais de 20 anos que a gente luta por isso. A gente conseguiu uma emenda parlamentar em 2010 pra gente levantar o prédio, o prédio tá levantado. Hoje se faz alguma coisa dentro dele em relação à questão dos derivados do abacaxi, mas ainda não é uma agroindústria, não é? A nossa esperança é que esse sonho possa se realizar E um dos objetivos da festa é esse, é mostrar que nós temos potencial, que a gente tem capacidade de ter aqui no nosso território uma indústria que possa agregar valores nos nossos produtos, no licor, na compota, na bala, na cocaxi e em vários derivados que são feitos no abacaxi”, enfatiza Zé Ivo.
Mesmo sendo uma festa tradicional da região, a festa não recebe investimentos da Secretaria de Cultura Esporte e Lazer de Mojuí dos Campos, de forma direta. Contudo, os organizadores enfatizam o apoio da gestão municipal de forma indireta, na realização da festa.
Mesmo com as dificuldades de recursos e também com a queda na produção do fruto, que tem sido impactado pela seca e pelo pouco volume de chuva na região, a Festa este ano vai acontecer. A programação deve iniciar no sábado (28) e segue até o domingo (29) de setembro.
A celebração dos 20 anos da Festa do Abacaxi exemplifica o papel vital que festivais regionais e comunitários desempenham no fortalecimento econômico e cultural dos territórios da Amazônia. Mais do que apenas momentos festivos, essas celebrações são plataformas para a valorização das tradições locais e para a promoção dos produtos que movem a economia regional, como é o caso aqui, do abacaxi. Ao unir a comunidade em torno de um objetivo comum e atrair visitantes, esses eventos ajudam a impulsionar o desenvolvimento econômico, criando novas oportunidades de renda e visibilidade para os pequenos produtores.
Festas comunitárias reforçam a identidade cultural das comunidades, celebrando sua história, sua resistência e sua ligação profunda com a terra. Em um contexto em que as comunidades são, frequentemente, alvo de exploração externa, esses festivais se tornam expressões poderosas de autonomia e de pertencimento, fundamentais para a preservação dos territórios e para a promoção de um desenvolvimento que respeite as raízes e os recursos locais. Esses eventos não só fortalecem as economias locais, mas também são pilares de resistência cultural, essenciais para o futuro das comunidades e dos territórios da Amazônia.