Terça, 08 de Outubro de 2024
Reportagem Especial Destruição

Ferrogrão: projeto insustentável também vai afetar o Baixo Tapajós

Ainda que a região não tenha sido incluída nos estudos de impacto, a Ferrogrão pode transformar a região do Tapajós (do Alto ao Baixo) em um “mini Mato Grosso”, expulsar populações, destruir territórios, e aumentar as emissões de gases poluentes.

01/10/2024 às 15h21
Por: João Serra Fonte: Tapajós de Fato
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Foto: Diego Junqueira/Repórter Brasil
Foto: Diego Junqueira/Repórter Brasil

Muitas narrativas têm sido utilizadas para defender a Ferrogrão, ao mesmo tempo, pesquisadores apresentam dados tabelados que evidenciam a inviabilidade da Ferrogrão – EF-170. Estamos falando de uma estrada de ferro de quase 1000 km que ligaria a cidade de Sinop–MT ao distrito de Miritituba, em Itaituba–PA, para ampliar o corredor logístico do agronegócio pelos rios da Bacia Amazônica. 

Neste momento, em que a pauta ambiental e climática é pulsante, ouve-se falar que a Ferrogrão é “um negócio verde”. Afinal, a Ferrogrão é boa ou ruim? Ou o questionamento deve ser: boa ou ruim para quem? E quais são os danos que esse mega empreendimento pode causar? Quais territórios podem ser afetados pela ferrovia e os seus desdobramentos.

O jornal Diário de Cuiabá publicou uma notícia sobre um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais que apontam cerca de 40 impactos negativos para o meio ambiente, comunidades tradicionais e populações indígenas. Segundo os pesquisadores, a ferrovia gerará lucro (para os donos do agronegócio), contudo, apontam ameaças ambientais  para comunidades indígenas, devido às mudanças na dinâmica de transporte da região. A perturbação da fauna, a redução do estoque de carbono, assim como a redução das áreas de florestas também estão entre o levantamento feito a partir do estudo do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG.
Nos dias 7 e 8 de maio de 2024, o Ministério dos Transportes realizou o  Seminário Técnico sobre Viabilidade dos Aspectos Socioambientais da Ferrovia EF-170 (Ferrogrão), na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), em Santarém. Durante a programação, dividida em painéis, foram apresentadas pesquisas e justificativas tanto a favor como também contra o projeto.

Seminário Técnico sobre Viabilidade dos Aspectos Socioambientais da Ferrovia EF-170 (Ferrogrão) / Foto: Tapajós de Fato

O evento foi marcado, ainda no primeiro dia, com a intervenção dos povos indígenas da região do Baixo Tapajós (dos municípios de Santarém, Belterra e Aveiro) que não foram convidados para participar do seminário, tendo como possibilidade de fala apenas três minutos.

Os indígenas esfregaram urucum na cara de alguns participantes do seminário, dentre eles: o presidente da Associação do Produtores de Soja (Aprosoja) Pará, Vanderlei Ataídes; o diretor-executivo do Movimento Pró-Logística, Edeon Vaz; e Mateus Godoni, coordenador de Logística da Aprosoja Mato Grosso e delegado da entidade no município de Canarana - MT.

O ato foi uma forma de exigir respeito aos povos indígenas do Baixo Tapajós e também para dizer não ao projeto da Ferrogrão. 

Foto passando urucum

 Indígena esfregando urucum no rosto de defensores da Ferrogrão - Foto 1: Alessandra Munduruku - Foto 2: João Paulo/Tapajós de Fato

Quais danos podem ser causados pela Ferrogrão à região do Baixo Tapajós?

Após o seminário realizado no mês de maio, foi dado continuidade nos estudos apresentados no final do mês de setembro para o Supremo Tribunal Federal. Nos aspectos “meio físico” e “socioeconômico” o estudo não indica nenhum impacto para a região do Baixo Tapajós. O levantamento do Governo Federal se limita apenas a algumas áreas do norte do Mato Grosso e às regiões do Alto e Médio Tapajós. O documento apresentado ao STF foi elaborado pelo Ministérios do Transportes e pela empresa Estação da Luz Participações

Marcela Vecchione, professora e pesquisadora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (NAEA/UFPA), afirma que “um empreendimento como a Ferrogrão, dificilmente causará algum benefício para as populações que estão nos territórios. Pela legislação, o licenciamento é bastante restritivo, mesmo que seja de um empreendimento dessa monta, com tantos possíveis danos, ele é muito restritivo no sentido do raio do que é a afetação e de quem é o afetado”.

Vecchione afirma: “é preciso olhar pelo viés do que é diretamente afetado e o que é o indiretamente afetado para entender a situação do Baixo Tapajós no contexto de Ferrogrão”. Primeiro que, segundo a pesquisadora, a legislação brasileira considera raio de afetação apenas um raio de 10km. Ou seja, ao longo dos 933km de ferrovia, apenas 10km para a esquerda e para a direita é considerada área de afetação. “Se a gente for pensar nisso, muitos lugares do Baixo [Baixo Tapajós] não compõem essa linha de afetação do projeto e principalmente a linha do diretamente afetado”, explica. 

Mapa do estudo socioeconômico  não engloba  a região do Baixo Tapajós

Mapa da área do estudo dos Meio Físicos e Bioítcos, que também não considera a região do Baixo Tapajós.  

A pesquisadora ainda explica o que tem por trás dos interesses da Ferrogrão. “Inicialmente, era pela produção da soja, mas o milho também entra na zona de interesse, isso porque o Brasil está entre os maiores produtores de soja do mundo e é o maior produtor de milho do mundo”. De acordo com dados do DEPARTAMENTO DE AGRICULTURA DOS EUA, a safra 2022/2023 fez o Brasil ultrapassar os Estados Unidos na produção de milho, se tornado o maior produtor de milho do mundo.
O milho serve tanto para a exportação, produção de ração, biocombustíveis. “A produção aumentando, a projeção da produção aumentando, e projetar a produção não quer dizer que vai se chegar a isso, mas quer dizer que tem a intencionalidade e a intencionalidade também gera efeitos na dinâmica de terra, na dinâmica de desmatamento”, explica a pesquisadora.
O aumento da produção, e a demanda internacional sobre a produção do agronegócio leva a necessidade de “ter um escoamento seguro, mais rápido, mais integrado do transporte com os lugares que fornecem essa produção”, dessa forma, cria-se uma linha para interligar o transporte para o oceano com as áreas que já produzem, a Ferrogrão. Com os trilhos da locomotiva vêm as desgraças denunciadas pelos movimentos sociais dos territórios que podem ser afetados, inclusive dos territórios que o estudo nega algum tipo de impacto, mas as populações locais sabem que serão impactadas.
Marcela Velccionhe explica ainda que há municípios que têm projeção para se tornarem produtores de soja. Com a ferrovia, se ainda não tem, e se já tem soja, podem passar a ter ainda mais. E isso é entendido como zona de projeção. Isso implica em mais áreas desmatadas, mais áreas degradadas, mais venenos despejados nos territórios. É uma força que pode atuar no sentido contrário do que o Ministério do Meio Ambiente propaga no que se refere ao desmatamento zero até 2030 

Muito embora a chegada da ferrovia seja no Médio Tapajós, “tem uma relação com o Baixo Tapajós. Porque se a gente ver em área de crescimento de produção de soja e de milho no estado do Pará, embora o maior produtor de soja do Pará seja o município de Paragominas, no Sudeste do Pará, mas, onde tem a maior projeção do cultivo de soja é na região do Planalto Santareno, que tem essa conexão com o Baixo Tapajós (Belterra, Mojuí dos Campos e também Santarém, na área do Curuá-Una) onde já tem um plantio importante, mas a gente tem uma projeção de mais aumento”.

Marcela Velcchione, professora e pesquisadora da UFPA - foto: João Paulo/Tapajós de Fato

A ferrovia ameaça as terras das populações tradicionais do Baixo Tapajós, haja vista que ela pode unir uma produção já existente com uma produção que se projeta. Isso implica na necessidade de usar mais terras para plantar. Boa parte das terras das zonas de projeção não estão no Mato Grosso, “estão no Mojuí [Mojuí dos Campos], na área do Curua-una [Santarém], no Uruará e isso tudo tem uma afetação com o Baixo Tapajós: dinâmica da disputa de terra, uso de agrotóxicos. Isso significa que a população vai ter uma chance muito maior de ter sua alimentação, sejam as hortaliças, sejam as leguminosas, seja do próprio pescado que faz parte da cultura alimentar da região, cada vez mais contaminadas por agrotóxicos já sabidos do que podem causar para a saúde”, explica.

Por que a Ferrogrão não vai diminuir a quantidade de caminhões?
Na verdade, vai aumentar o fluxo de caminhões. “Diz-se que a ferrovia se apresentaria como algo alternativo ao transporte por caminhões, mas no projeto da ferrovia não é isso que aparece. O que há é uma projeção de mais duplicação, de mais pavimentação para a rodovia [BR 163],  que é praticamente paralela à projeção do que é o traçado da ferrovia”, explica Velcchione. 
O alto fluxo de caminhões na rodovia leva a necessidade de abertura de pátios de estacionamento para caminhões, que geralmente são em terrenos próximos de comunidades e bairros, “gerando uma pressão na própria dinâmica fundiária, não só na dinâmica rural, mas na dinâmica fundiária urbana”, ressalta a pesquisadora.

Caminhões na BR163 - Foto: Reprodução Folha de São Paulo 

Ferrovia é um negócio verde?
Um dos pilares de sustentação para que um empreendimento seja “verde”, é que tenha responsabilidade com a saúde do planeta e com a baixa emissão de carbono na atmosfera. A Ferrogrão tem sido propagada como um empreendimento verde, mas a implantação e a afetação que ela pode causar passam longe do que poderia se enquadrar na sustentabilidade.
“Pode até ser que o trem, pelo combustível utilizado, pode ser energia elétrica, pode ser o biocombustível às vezes combinados com o diesel que ele emite menos do que o combustível dos caminhões (dióxido e monóxido de carbono), que são Gases do Efeito Estufa (GEE). Porém, o que esse trem está transportando? No caso da Ferrogrão, soja e milho”.

Marcela destaca, a partir da contabilidade de órgãos oficiais do Brasil para a redução da emissão de carbono, que o uso da terra e a mudança do uso da terra são as principais fontes de emissão de GEE no país. “A ferrovia, o rigor é transporte [...], mas você tem uma cadeia de emissões que vai se formando para que você tenha o produto que vai ser escoado”, o que vai transportado está diretamente ligado com o uso da terra e a mudança do uso da terra.
Uma das justificativas para a criação da ferrovia se dá devido ao aumento da expansão da soja no Brasil. Só aumenta a estrutura se aumentar a demanda, uma produção a mais, inclusive para poder ‘compensar’ os danos causados por esse projeto. “Isso significa que vai precisar aumentar o processo de produção e circulação do produto”. A pesquisadora explica que, ao invés de diminuir as atividades que emitem GEE, a Ferrogrão estimula o aumento das emissões.
Velcchione questiona o “projeto verde” que seria a Ferrogrão. “Se o produto [soja e milho] tem agrotóxico - que no seu processo emite carbono -, conversão da terra (de muita terra) - que no seu processo de conversão também emite muito carbono-, como a gente pode chamar esse empreendimento de um empreendimento verde? É bem complicado”

A Ferrogrão por si só não tem lógica. “Não se trata de um processo absoluto, ele está encadeado em um complexo de produção e circulação, e, como parte importante da produção deste complexo, está baseada em emissões pesadas de carbono. Sendo assim, considero que, na viabilidade econômica e nas justificativas apresentadas [...] ilógico", explica.

Um estudo realizado pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) aponta que apenas com a construção da ferrovia, 49 mil km²  de áreas de florestas podem ser desmatadas, em 48 cidades. Diretamente, estão sob risco da Ferrogrão 16 terras indígenas e 104 assentamentos rurais. Segundo a assessora política do INESC, Tatiana Oliveira, em entrevista para o INESC, o Brasil está em um risco de ter “um verdadeiro trilho de destruição da Amazônia, do Cerrado e dos povos e comunidades que ali vivem”.

Mapa dos 933km da ferrogrão entre Mato Grosso e Pará - Foto: Reprodução Governo Federal

Qual modelo de vida a Ferrogrão está conectada?
Para a pesquisadora, a Ferrogrão está conectada “com o monocultivo, à padronização da paisagem, padronização das relações do que se produz, das trocas. Trata-se de um modelo de desenvolvimento econômico e social que altera as  formas de viver”. A Ferrogrão é uma alegoria de um modelo de destruição que não se conecta com os modelos de vida de populações tradicionais, quilombolas e indígenas.
As pessoas não são ouvidas. As sociedade locais não buscam por esse modelo de desenvolvimento. É preciso ouvir as pessoas e é necessário investimentos em infraestrutura que melhore a produção de alimentos que alimentam os povos do campo e da cidade. Marcela diz: “o governo empreende um esforço enorme para financiar discussões com relação a um empreendimento - eu acho que tem que ter senão eles passam por cima dos outros com o trem e com tudo, nesse caso- porém, por que não tem apoio para discutir redes colaborativas de produção de alimentos agroecológicos, subsidiar a discussão e depois subsidiar a infraestrutura, vamos rever a palavra para o escoamento dessas produções? Por que só tem orçamento para subsidiar a infraestrutura e o monocultivo e não produtos diversificados?”.
O modelo de desenvolvimento, ou de envolvimento, das pessoas, dos territórios, das atividades e necessidades também demandam infraestrutura, mas funcionam em escala de sustentabilidade muito mais viável quando se pensa na viabilidade de vida a longo prazo.

“Os agricultores, os camponeses, indígenas e os quilombolas querem às vezes um transporte para escoar a sua produção, um apoio para realizar uma feira. Aí gera-se renda, pode não ser nessa escala aí de bilhões de dólares, mas gera renda que é necessária, e que as pessoas acham necessária para as suas vidas”. Segundo a pesquisadora, é preciso haver investimento em estratégias de sustentabilidade,  “investir em estratégias de sustentabilidade da vida localmente, que já existem, mas que não tem 1% de apoio que o grande agronegócio tem”.

O Plano Safra é o principal plano integrado do governo federal para a produção agrícola, Marcela Velcchione entende que esse plano é totalmente “voltado só para o agronegócio e o que tem para o pequeno é para se integrar ao agronegócio, não é para o pequeno sustentar o seu prórpio modelo [...] é para garantir o acesso às grandes cadeias de produção”. O plano, da forma como é executado, não se volta para a garantia da soberania alimentar dos povos do campo e da cidade. 

O Plano Safra 2024 foi o maior da hitória  lançado pelo governo federal por meio do Ministério da Agricultura e Pecuária, foram R$ 364,2 bilhões. Segundo a pesquisadora, o que se tem para a agroecologia  dentro desse plano é menos de R$ 5 bilhões. “E dentro desses cinco bilhões de reais, são estratégias que valem também para o grande produtor, ou seja, o pouco que tem ainda é para ser disputado com essas pessoas  que estão cada vez mais interessados para poder lavar a sua produção e colocar que tem um eixo de sua produção que é verde, que é sustentável, agroecológico”, explica. 

A violação de direitos socioambientais das populações do Baixo Tapajós
A magnitude exige cuidado, responsabilidade e respeito com os principais afetados. A assessora jurídica da organização Terra de Direitos, Bruna Balbi, Doutora em Direito Socioambiental, atua com direitos coletivos (povos e comunidades tradicionais, natureza e mulheres), ressalta que povos indígenas e outras  comunidades tradicionais na totalidade não estão sendo considerados nessa fase de planejamento da Ferrogrão.
Segundo a advogada, “alguns povos indígenas foram incluídos nos debates  no âmbito do GT (Grupo de Trabalho) Institucional do Ministérios dos Transportes, mas nenhum povo indígena do Baixo Tapajós”.
Na região do Baixo Tapajós existem 14 povos indígenas, representados pelo Conselho Indígena Tapajós Arapiuns. Em relação ao seminário realizado pelo Ministério dos Transportes, em Santarém no mês de maio, Bruna Balbi ressalta que “as organizações [indígenas] do Baixo Tapajós não foram sequer convidadas, mas todas elas deveriam está passando por um processo de consulta, a consulta prévia, livre, informada e de boa-fé, prevista na Organização Internacional do Trabalho”.

No segundo dia de seminário foram apresentados cerca de 19 Protocolos de Consulta quilombola, indígenas, de pescadores, de comunidades extrativistas que estão sendo violados com a Ferrogrão.  

 Indígenas cobrando respeito aos Protocolos de Consulta dos territórios da Bacia do Tapajós - Foto: João Paulo/Tapajós de Fato

O Baixo Tapajós possui muitas terras indígenas e os processos de demarcação pelo governo federal andam a passos lentos, a assessora jurídica afirma que se o projeto da Ferrogrão sair do papel, todas as Terras Indígenas “ficariam muito prejudicadas no Baixo Tapajós. Além disso, a gente tem os territórios quilombolas, os territórios pesqueiros. Os territórios quilombolas, inclusive, já vêm sofrendo o impacto do fluxo de barcaças no Tapajós carregando soja, que tem modificado a dinâmica do rio”.

Bruna se refere ao fenômeno das terras caídas, o deslizamento das margens do rio, principalmente do rio Amazonas, mas que, devido ao banzeiro (ondas) ocasionadas pelos comboios de balsas e navios, intensificam o problema, obrigando comunidades inteiras a deixarem seus territórios sob o risco de serem engolidos  pelo deslizamento do barranco. “Então a gente tem um aumento do banzeiro, tanto em quantidade do banzeiro quanto no próprio tamanho desses banzeiros, que vêm desbarrancando as beiradas dos territórios quilombolas. Com a ferrovia, o fluxo de embarcações gigantescas tende a aumentar, uma vez que  aumentará a quantidade de grãos escoando pelo rios da Amazônia e destruindo ainda mais as barreiras dos rios”.

Na área de terra firme, onde estão as rodovias federais e estaduais, “o tráfego de carretas é muito perigoso e tem ceifado vidas de pessoas que moram na região. A gente tem o uso de agrotóxicos, com alto índice de envenenamento no território Munduruku do Planalto [Santareno]”, comenta. 

Bruna Balbi explica como os portos construído no Tapajós refletem essa invasão do agronegócio na região do Baixo Tapajós, “há pelo menos 20 anos, desde a instalação do primeiro porto, o Porto da Cargill, que foram potencializados com a lei de portos de 2013  -  Lei de Portos (Lei Nº 12.815/2013) - a gente tem um aumento dessa infraestrutura com a duplicação do número de portos. Tinha 20 portos até a publicação da Lei, agora, a gente tem 41 portos, ou construídos, ou previstos, só falando para a região do Baixo Tapajós”, comenta. 

Em relação ao aumento acelerado da instalação de portos na região do Tapajós, o estudo Portos e Licenciamento Ambiental no Tapajós: irregularidades e violação de direitos feito pela Terra de Direitos aponta as lacunas e irregularidades no licenciamento que fez o número de portos dobrar nos últimos 10 anos na região do Baixo Tapajós.

Segundo a Doutora em Direito Socioambiental, toda essa infraestrutura que o agronegócio impulsiona na região, vai além, “isso acaba influenciando também o aumento da especulação das terras, o aumento da grilagem, da compra dessas terras por produtores de soja, que estão produzindo mais próximos desses territórios tradicionais, e vão expulsando essas pessoas das suas terras", explica.

Um levantamento da INFOAMAZÔNIA, com base em dados da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), mostra que apenas com o início dos estudos de viabilidade da Ferrogrão, o número de multas por crimes ambientais ao redor da Ferrogrão aumentou 190%. A Ferrogrão já está estimulando o aumento da violação de direitos socioambientais em sua área de projeção.
E o avanço do agronegócio nas áreas do Baixo Tapajós, onde há essa crescente na instalação de portos, se dá pelo seguinte motivo, segundo Bruna Balbi: “é muito mais rentável que você produza soja próximo do porto de escoamento. Você tem um lucro muito maior, porque você diminui os custos com o transporte da produção”.

A assessora jurídica finaliza apontando que “a região já tem impactos cumulativos e sinérgicos de toda essa infraestrutura, e serão potencializados se a gente ver essa obra da Ferrogrão sair da fase que está hoje (fase de planejamento e viabilidade). Pra gente, é bem importante que, a partir desse estudo de viabilidade, se identifique, com todos os dados e informações que os povos têm trazido, que os especialistas têm trazido, que a Ferrogrão é inviável e ela significaria a morte desses povos e desses territórios”, finaliza Bruna Balbi.
 

Impactos cumulativos são os impactos causados por várias atividades conjuntas ao longo do tempo. Impactos Sinérgicos acontecem quando várias atividades juntas causam um efeito maior do que a soma dos efeitos de cada uma separada, devido às interações entre elas. 

A situação do Povo Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno pode ser agravada

A Terra Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno é uma área fortemente castigada pela invasão do agronegócio. Uma reportagem do De olho nos Ruralistas publicada em 2020 aponta que a Cargill compra grãos produzidos no limite ou dentro da T.I. São de pelo menos 10 produtores associados ao Sindicato Rural de Santarém. 

Manoel Munduruku, cacique e vice-coordenador do Conselho Munduruku do Planalto Santareno, não acredita que Ferrogrão traga algum benefício para a região, “a previsão da Ferrogrão sempre vai ser de trazer prejuízos, ninguém espera benefício da Ferrogrão porque isso não vem. Infelizmente ela só vai construir nas nossas vidas grandes impactos [negativo]”.

Cacique Manoel, liderança do povo Munduruku do Palanlto Santareno - João Paulo/Tapajós de Fato

O cacique fala da realidade do seu território, “um território totalmente desmatado, praticamente nu, que a gente luta há 20 anos com denúncia”. Para ele, a Ferrogrão vai intensificar as invasões dos territórios indígenas e tradicionais. “Isso tá na cara, duas coisas: o desmatamento vai evoluir, ela não vai trazer empregos, ela vai desmantelar a nossa população. No nosso território, nós temos praticamente mais morrendo do que sobrevivendo, com o avanço do agrotóxico. Para nós essa já é uma luta contínua dia e noite”.
Dentre os principais impactos do agronegócio, o cacique Manoel destaca: perdas dos igarapés, o avanço do agrotóxico e a morte dos idosos. Gerando preocupação com as gerações futuras. Manoel Munduruku afirma que “[...] hoje nós já não temos mais nada. E as futuras gerações, elas vão sobreviver de quê?”, finaliza.

O GT Ferrogrão

O Grupo de Trabalho Ferrogrão é por onde a sociedade civil consegue participar das discussões  sobre a ferrovia. Se o projeto, de forma geral, já possui muitas deformidades, o motivo pelo qual o GT foi criado é só mais uma. O Ministério dos Transportes só criou o grupo de trabalho após o Supremo Tribunal Federal (STF) suspender, em caráter liminar (provisório) o projeto da Ferrogrão STF suspende tramitação de ação sobre a Ferrogrão por seis meses.

“O ministro Alexandre de Moraes recomendou um processo de diálogo, autorizando a retomada dos estudos. Nesse momento, por reivindicação de alguns grupos da sociedade civil em discussões internas do Ministério [dos Transportes], nasce esse Grupo de Trabalho”, disse Pedro Charbel, representante da sociedade civil no GT Ferrogrão pela Amazon Watch e do Psol.
É preciso ser realista, o impacto do projeto vai além dos 10km previstos conforme a legislação brasileira. Atualmente, a região do Baixo Tapajós, que já é um dos principais corredores logísticos do agronegócio do Brasil, aumentará significativamente a área de afetação, destruindo áreas que, até então, estão preservadas e garantindo a sobrevivência das populações locais.
As pessoas, as florestas e as águas do Baixo Tapajós não estão a salvo, pelo contrário, correm ainda mais risco com esse projeto. Na luta contra a instalação da Ferrovia, a aliança #Ferrograonao está com uma petição para pedir ao governo brasileiro o cancelamento imediato e definitivo do projeto da Ferrogrão. 

Qualquer pessoa pode assinar a petição.

Petição contra a Ferrogrão  -  Foto: Reproção site ferrograonao.com.br



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