Quarta, 19 de Março de 2025
Amazônia Ancestralidade

Escola Indígena Wapurum-Tip: primeira escola com arquitetura indígena do Brasil, em Santarém, Oeste do Pará

Localizada na Aldeia Indígena Açaizal, no planalto santareno, a Escola Indígena Wapurum-Tip se destaca por ser a precursora em um modelo arquitetônico que se conecta e que respeita as raízes da tradição indígena.

18/10/2024 às 14h42
Por: Marta Silva Fonte: Tapajós de Fato
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Escola Indígena Wapurum-Tip/ Foto Marta Silva-Tapajós de Fato
Escola Indígena Wapurum-Tip/ Foto Marta Silva-Tapajós de Fato

Fundada em 1970 e reconhecida como escola indígena em 2009, a Escola Indígena Wapurum-Tip tornou-se escola pólo em 2011. Localizada no território Munduruku, na região do planalto ao longo da rodovia Curuá-Una, em Santarém, oeste do Pará, a instituição atende à educação infantil e ao ensino fundamental do 1º ao 9º ano, além de alunos do ensino médio modular indígena - SOMEI. A escola é matriz de outras três escolas anexas: São Francisco, na Aldeia São Francisco da Cavada, Santa Helena, na Aldeia Amparador, e São Francisco, na Aldeia São Pedro do Palhão.

“[...] ao longo de todos esses anos, a gente tem lutado aqui para os nossos indígenas, nossos alunos e toda a comunidade, e tem sido um processo de muita luta”, ressalta o professor Elias Morais da Silva (Elias Munduruku), diretor da escola.

Professor Elias Munduruku, diretor da escola/Foto Marta Silva-Tapajós de Fato

Inaugurada em junho de 2024 a escola representa uma inovação significativa em termos de infraestrutura. Ela foi construída conforme as reivindicações dos indígenas do território Munduruku e possui um bloco administrativo, um bloco de serviço com cozinha e banheiros, e quatro salas de aula. As salas foram construídas seguindo o modelo arquitetônico das malocas indígenas. Os professores, a equipe técnica da escola e comunitários enfatizam que essa conquista, bem como o reconhecimento da escola enquanto escola indígena, é resultado de anos e de muitas lutas travadas.

O professor Elias ao relatar a história da escola, que se conecta com a história da retomada da organização e do reconhecimento dos territórios aqui do Baixo Tapajós e populações indígenas a partir do ano 2000, se emociona ao pontuar que “a partir dessa reorganização da luta pela identidade, da luta pelos direitos indígenas a escola também passou a ser um processo de luta”

Vista de dentro da sala de aula/ Foto Marta Silva-Tapajós de Fato

A renomeação da escola: um símbolo de identidade

O professor faz questão de demarcar, como uma primeira etapa desse processo que segue em relação a uma educação, de fato, indígena na escola Wapurum-tip, o processo de mudança do nome da escola. 

“Uma das lutas foi a mudança do nome, porque o nome que foi colocado lá em 1970 foi Dom Pedro II. Não foi colocado por nós [se referindo a comunidade], porque naquele período, em 1970, precisava ter um nome para que a SEMED reconhecesse a escola, e esse nome foi utilizado por muito tempo[...] Nós fizemos uma alteração muito recente, no ano de 2022. Mas a luta para mudar o nome já aconteceu desde o reconhecimento [enquanto escola indígena]. Aí em 2021, 2022, nós retomamos esse processo de mudança do nome da escola. Lutamos, lutamos para que a nossa escola pudesse também ter uma identidade”, narra o professor.

Essa mudança foi um marco importante para a aldeia, reafirmando a identidade indígena.

“Não foi uma ideia do diretor da escola, dos servidores, ou das lideranças. Foi uma decisão coletiva”, afirmou o professor. O nome Wapurum-Tip, que significa “Açaizal”, nome da aldeia, foi escolhido para fortalecer a conexão da comunidade com suas raízes. “Agora, ninguém mais vai esquecer o nome da escola”, celebra Elias orgulhoso.

Alunos da Escola Wapurum-Tip/ Foto Marta Silva-Tapajós de Fato

O desafio da educação indígena

A construção de uma escola adequada à realidade cultural indígena foi outro desafio. Elias conta que o projeto inicial do novo prédio escolar, inicialmente, não correspondia à arquitetura e às necessidades da comunidade, o que levou a uma série de reuniões e mobilizações. Ele relata que “o movimento indígena, as lideranças e os professores não aceitaram o projeto”

Após muita luta, o projeto foi ajustado para respeitar a cultura indígena. “Reunimos professores, lideranças, todo mundo para construir as propostas. Foi um desafio para a engenharia, mas conseguimos inaugurar no final de junho, essa escola que é fruto da nossa luta”, destacou.

No entanto Elias enfatiza que a educação escolar indígena vai além das salas de aula e do prédio escolar. É um instrumento de “recuperação da memória histórica do nosso povo” e de reafirmação e valorização da identidade étnica. “Estamos lutando para aprovar uma matriz curricular específica para a educação escolar indígena, que inclua Língua Materna e Notório Saber, que são os conhecimentos tradicionais. Queremos que esses saberes sejam parte do currículo oficial”, afirmou.

Sebastiana Munduruku, ministra a oficina de língua materna na escola/ Foto Vitor da Mata

Atualmente, a Língua Materna e o Notório Saber são incluídos dentro das atividades das escolas indígenas enquanto oficinas e não como disciplinas da grade curricular, é essa a luta que o movimento indígena vem encabeçando: a inclusão desses conhecimentos na matriz curricular.

Apesar das conquistas, o professor ressaltou que o caminho é longo, e que o reconhecimento dos mestres indígenas como professores oficiais ainda depende de aprovação. “Estamos batalhando para que os nossos instrutores, que possuem o conhecimento tradicional, possam também serem reconhecidos como professores”, concluiu.

 

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