Domingo, 26 de Janeiro de 2025
Gênero e Sexualidade Maternidade

A luta de Sheila Sousa em defesa do PAE Eixo Forte, em Santarém, Oeste do Pará

Liderança comunitária e mãe dedicada, Sheila Sousa combina maternidade e militância e enfrenta os desafios na defesa da agricultura familiar e do território do PAE Eixo Forte.

22/10/2024 às 15h05 Atualizada em 25/10/2024 às 16h05
Por: Marta Silva Fonte: Tapajós de Fato
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Arquivo pessoal
Arquivo pessoal

A série maternidade e militância segue sua caminhada, dando visibilidade a histórias de mulheres mães que fazem a diferença na luta em prol dos territórios e do bem viver das populações na Amazônia.

Na comunidade de São Sebastião, no PAE Eixo Forte, em Santarém, no Pará, Sheila Sousa de Oliveira representa a continuidade de uma longa linhagem de lideranças femininas. Neta de Maria de Lourdes, uma das fundadoras da comunidade, Sheila cresceu cercada pela luta de sua família pelo direito à terra e pelo bem-estar coletivo. 

Ela conta essa parte da sua história com orgulho. “A minha avó, os meus avós, a minha mãe, todos foram lideranças na comunidade. A minha avó foi uma das fundadoras da comunidade de São Sebastião. Então, sou a neta que vem aí nesse traçado de líderes”

Sheila com a sua avó Maria de Lourdes/ Foto Arquivo Pessoal

Hoje, aos 44 anos, ela carrega essa herança como presidente da Federação das Associações de Moradores Comunidades e Entidades do Assentamento Agroextrativista do Eixo Forte (FAMCEEF) e lidera diversas frentes em defesa da agricultura familiar, do território e dos direitos sociais deste território.

Nesse sentido, Sheila é resultado de uma maternidade engajada e militante, bem como, ela reproduz essa vivência na sua prática do maternar. Um modo de resistência.

A juventude e o êxodo rural em busca de educação 

Nascida em um cenário de dificuldades, Sheila deixou sua comunidade aos 11 anos para continuar os estudos em Santarém, realidade vivenciada por boa parte da juventude da zona rural, já que, na época (e ainda hoje) São Sebastião carecia de infraestrutura escolar.  

“Eu tive que sair daqui com 11 anos, pois na comunidade não tinha ainda escola. Então, era muito dificultoso, a gente não tinha transporte, tinha que andar daqui até onde tinha uma escola mais próxima”, conta Sheila.

De volta ao seu território anos depois, já mãe de Mikael Luciano,  seu primeiro filho, fruto de uma maternidade precoce, Sheila vê seus caminhos se conectarem com a luta em defesa dos seus: sua terra, sua casa, sua vida, sua comunidade, sua família e seu território. Ela conta que a maternidade nunca a impediu de seguir a tradição familiar de luta. Pelo contrário, a maternidade fortaleceu ainda mais sua determinação.

A gente vem desempenhando um bom trabalho para que os nossos filhos tenham uma estrutura”, enfatiza.

Para Sheila, sua luta é uma extensão da vida como mãe, onde a educação e o futuro de seus filhos caminham lado a lado com o futuro de seu território.

Sheila Souza com a sua família e sua mãe Rosa Maria/Foto Arquivo Pessoal

Sua história de luta e seu legado de liderança

Sua jornada como liderança tem sido marcada por batalhas intensas em defesa de sua comunidade e de todo o território do PAE Eixo Forte, enfrentando a falta de infraestrutura, a expansão urbana descontrolada e a carência de apoio governamental. “É muito complicado, porque não há diálogo, não há consulta livre, prévia e informada. Precisamos de apoio e infraestrutura para que a agricultura familiar continue viva e forte no Eixo Forte”, enfatiza Sheila.

Ela conta que ingressou na liderança da comunidade em 2009, assumindo o papel de vice-presidente da Associação de Moradores de São Sebastião (AMASEF). Desde então, além da maternidade, faz questão de mencionar o apoio incondicional de sua mãe, que também se mantém ativa na liderança comunitária, e de seu esposo, Enê Hilton, com quem compartilha as responsabilidades da associação local. 

Hoje mãe de dois filhos, Mikael Luciano de 27 anos e Miquéias de 9 anos, sua trajetória como mãe e liderança comunitária evidencia a resiliência e o compromisso de uma mulher que busca não apenas o sucesso pessoal de seus filhos, mas também o bem coletivo. O filho mais novo, Mikeias, já acompanha Sheila nas reuniões e se envolve nas atividades sociais, refletindo o legado de responsabilidade social transmitido por gerações.

Desenvolvendo trabalhos em sua comunidade/ Foto Arquivo Pessoal

Sheila entende que ser mãe e ser liderança são papéis que se entrelaçam em sua vida. Ela conta com orgulho o progresso de seus filhos: Mikael, que está se formando em educação física e é lutador de Muay Thai, e Miquéias, que participa de campeonatos de futsal. 

Mas ao mesmo tempo, Sheila não perde de vista sua missão de fortalecer a agricultura familiar e proteger o território do Eixo Forte das ameaças dos grandes empreendimentos. “Defender a agricultura familiar é uma militância. Nós temos terra, mas estamos sendo invadidos por empreendimentos que não beneficiam nossas comunidades”, declara Sheila, que vê o extrativismo e a agricultura como as bases para o desenvolvimento sustentável da região.

Sua caminhada a frente da Federação

A relação de Sheila com sua terra e sua comunidade é de pertencimento profundo. Cada vitória, como a aprovação de uma lei para reconhecer oficialmente os 13 festivais culturais do Eixo Forte, sancionada pelo prefeito em 2022, é uma conquista coletiva. Sheila recebeu o título de honra ao mérito na Câmara Municipal, em reconhecimento ao seu trabalho. Mas, para ela, o verdadeiro prêmio é ver sua comunidade resistindo e prosperando. “Minha luta é manter nossa gente aqui, nossa cultura viva e nosso futuro garantido. É uma responsabilidade imensa, mas eu não desisto”.

Como presidente da FAMCEEF, ela aproveita para pontuar a realidade difícil, mesmo com os avanços, vivenciada hoje pelos assentados e comunitários do PAE Eixo Forte. “As dificuldades são muitas, principalmente a falta de apoio para a mecanização agrícola e a ausência de políticas públicas eficazes para a infraestrutura, saúde e educação nas comunidades. Falta tudo: infraestrutura nos ramais, iluminação pública, transporte público regular e, principalmente, apoio para a nossa produção”, afirma.

A história de Sheila Sousa de Oliveira é um retrato de resiliência  feminina, em que a maternidade e a liderança comunitária se entrelaçam em uma só causa: a defesa da terra, da cultura e do futuro das novas gerações do Eixo Forte.

PAE Eixo Forte aprova projeto do Fundo Dema/ Foto Arquivo Pessoal

“[...] em 2021, eu fui escolhida pelas associações a vir como presidente da federação, que representa as 20 comunidades do assentamento, no qual eu estou atuando hoje, onde a gente conseguiu aplicar no eixo forte alguns projetos: o projeto do Fundo Dema, que é a construção de um galpão para a federação, na comunidade de Santa Rosa; a construção de um projeto da cadeia do Açaí, onde a gente beneficia cem assentados diretamente, para que, junto, a gente possa evoluir a agricultura familiar no eixo forte; o extrativismo, tentar fortalecer, através de viveiros, e implantar o que venha trazer para o extrativismo a vontade de lutar”, conta orgulhosa e esperançosa em um futuro mais próspero.

Sob sua liderança, a comunidade resiste às pressões externas, mantendo viva a tradição de luta que sua avó iniciou. 

“[...]ser presidente da Federação e ficar nessa linha de frente, você é muito mirada, você é muito visada pelos governos. A luta é bem complicada e é bem difícil. Por quê? Porque quando você briga muito por aquilo, que você bate de frente por aquilo, você acaba sendo visada”, pontua. 

Sheila não só carrega um legado de resistência e luta, como o transforma, moldando uma realidade em que as mulheres, mães e líderes são protagonistas de uma resistência coletiva, forjada no enfrentamento e no cuidado com o outro, mesmo a custo de sua segurança pessoal e familiar. Isso é ser mulher, mãe e militante na Amazônia, um misto de esperança, luta, trabalho árduo, dedicação, cuidado, enfrentamento, resistência e coragem. 

Legado de luta e coragem/ Foto arquivo pessoal

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