O projeto de pesquisa Cuidadores do Ar, desenvolvido pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em parceria com a Escola de Ensino Técnico do Estado do Pará (EETEPA), em Santarém, está desenvolvendo o conhecimento e a perspectiva de jovens estudantes do Ensino Médio na região amazônica ao monitorar a qualidade do ar e promover uma educação ambiental integrada.
Financiado pela Fundação Amazônia de Amparo de Estudos e Pesquisas (Fapespa) e com o apoio da Fundação de Integração Amazônica (FIAM), o projeto atua como uma rede piloto de inovação que utiliza kits de sensores de baixo custo para coleta de dados de material particulado e outras alterações ambientais, essenciais para analisar a qualidade do ar.
“Na biometeorologia a gente sempre está procurando entender como é que as condições climáticas afetam a vida do ser humano, principalmente na sua saúde. Quando vai-se fazer isso, trabalhar só com as variáveis meteorológicas, elas nos limitam, porque a gente entende que as condições atmosféricas e as condições ambientais, são o que de fato vão estar influenciando para que o nosso organismo venha apresentar alguma doença, venha sentir alguma coisa. E aí a gente se pergunta: por que a gente não tem esses dados? O equipamento de referência tem um custo elevado, então a ideia dos cuidadores do ar surge para tentar minimizar essa lacuna dos dados que nós temos aqui na região”, explica a professora Drª. Ana Carla Gomes, vinculada ao Instituto de Engenharia e Geociências (IEG) da Universidade Federal do Oeste do Pará, coordenadora do projeto.
Contexto local
A qualidade do ar na Amazônia sempre foi associada à imagem de uma atmosfera pura e sem poluição. No entanto, o avanço do desmatamento e as mudanças climáticas intensificaram os impactos ambientais na região, trazendo novas questões que desbloqueiam uma compreensão mais detalhada. Diante desse cenário, o projeto Cuidadores do Ar surge como uma iniciativa pioneira no monitoramento da qualidade do ar na região oeste do Pará.
“Nos últimos anos, nós percebemos que nós estamos passando por um processo de urbanização mais intensificado e a expansão da fronteira agrícola também é uma realidade na nossa Amazônia. E tudo que nós fazemos na superfície com certeza vai ser expresso na atmosfera, então nós acabamos tendo um mosaico de cenários na Amazônia e nós não temos apenas essa diversidade de cenários, nós temos uma diversidade de populações também”, enfatiza a professora Dr. Sarah Batalha - EETEPA Santarém
A estrutura do projeto
Lançado em 2022, o projeto é a primeira rede de monitoramento da qualidade do ar na Amazônia brasileira. Com o uso de kits de sensores de baixo custo, instalados nas residências dos bolsistas, o projeto permite a coleta contínua de dados de material particulado e outras alterações climáticas. As medições realizadas são de variáveis meteorológicas e ambientais.
A construção do kit de monitoramento fundamenta-se no conceito Internet das coisas (Internet of Things – IoT) e a implementação da rede é baseada na metodologia da formação de multiplicadores.
Os "Cuidadores do Ar", como são chamados os estudantes participantes, recebem treinamentos em Educação Ambiental, Valoração dos Serviços Ambientais e Empreendedorismo. Essa capacitação não apenas fornece uma base científica, mas também fortalece o compromisso dos jovens com o meio ambiente e promove o engajamento das famílias em questões ambientais que impactam diretamente suas vidas.
Os kits de monitoramento
Os kits são compostos por uma caixa plástica, onde estão encaixados os sensores integrados a uma placa Arduíno, além de um tubo, que permite a passagem de ar para a coleta do material particulado.
Os sensores utilizados no protótipo apresentam validação científica, porém, seu funcionamento possui um tempo de vida útil de aproximadamente um ano. Por outro lado, o baixo custo permite aumentar a cobertura das medições, consequentemente ampliando o monitoramento, a fim de se ter um diagnóstico mais preciso das condições de qualidade do ar de uma região.
Impactos científico e ambiental
O projeto, ao longo do tempo de execução, já produziu uma base de dados extensa sobre a qualidade do ar na região, dados já aplicados em pesquisas acadêmicas e publicações científicas. Esse conjunto de dados oferece um panorama inédito da realidade atmosférica local, desmistificando a ideia de que o ar na Amazônia é sempre puro e estável.
Com os dados, é possível identificar correlações entre desmatamento, queimadas e manipulação do ar na região, o que contribui para a discussão científica mais robusta e subsidia a criação de políticas públicas externas ao controle ambiental e à preservação da Amazônia.
“A universidade pública tem como objetivo proporcionar ensino, pesquisa e extensão aos seus alunos. No projeto Cuidadores do Ar, nós conseguimos fazer isso. Nós conseguimos trazer o ensino para os nossos bolsistas de graduação, no momento que eles estão aprendendo a montar o equipamento. Nós conseguimos fazer extensão no momento em que nós estamos levando eles até a EETEPA e até todas as residências dos cuidadores. E, efetivamente, nós conseguimos fazer a pesquisa por meio dos dados que nós estamos coletando”, explica a professora Carla.
As observações captadas pelos kits têm ajudado a desconstruir as percepções acerca da qualidade do ar na Amazônia trazendo à tona as influências do desmatamento e das mudanças climáticas na correlação ar puro x ar poluído. Esses dados são trabalhados em artigos científicos e pesquisas de mestrado e doutorado.
“[...] nós já temos mais de 20 trabalhos publicados e defendidos, tanto em eventos científicos, como em revistas científicas. Você imagina, ninguém entendia como era a realidade do ar aqui na região, com as nossas publicações, a gente agora tem. Temos acesso a dados científicos para dizer, olha, não é bem assim, as mudanças climáticas, de fato, estão alterando a atmosfera aqui na Amazônia, o desmatamento fez isso. A gente já tem como fazer esse tipo de discussão e de explicar que o ar hoje, na atualidade, não é exatamente como era a 30 anos atrás”, enfatiza Carla.
Formação de multiplicadores
A implementação da rede de monitoramento da qualidade do ar vai além da obtenção de informações técnicas e científicas. Faz parte do conceito estrutural do projeto a obtenção de produtos sociais a partir da formação de multiplicadores ambientais.
A rede conta com a participação de 27 bolsistas que fazem o monitoramento da qualidade do ar nas comunidades onde moram, por meio de 25 sensores instalados nas residências. Com o apoio de suas famílias, eles fazem a coleta de dados de material particulado, gases tóxicos, temperatura e umidade relativa do ar durante o período de 12 meses.
“Além dos estudantes, o projeto envolve também as famílias dos alunos”, aponta a coordenadora do projeto.
Segundo ela, com a instalação dos sensores em suas casas, os familiares passam a participar de reuniões e formações, onde recebem informações sobre clima, mudanças ambientais e saúde pública. Esses encontros têm sido fundamentais para dúvidas específicas sobre os efeitos do clima na agricultura, nas plantações locais e no cotidiano das comunidades ribeirinhas.
“Os pais se preocupam muito com o impacto do calor e com as mudanças no ciclo chuvoso”, destaca a professora ressaltando que esse conhecimento ajuda a comunidade a entender melhor os desafios trazidos pelas mudanças climáticas.
Impacto social
Desde o início do projeto, os estudantes sofreram mudanças não apenas em seu entendimento sobre questões ambientais, mas também em suas perspectivas de futuro. Muitos jovens que inicialmente não consideravam o ensino superior passaram a se interessar pela continuidade acadêmica, graças ao contato direto com as pesquisas da Ufopa. A participação no projeto tem sido uma experiência transformadora para esses jovens envolvidos.
Carla, fala emocionada e orgulhosa desse aspecto do projeto. “Jovens que inicialmente não tinham planos de cursar uma universidade agora demonstram interesse por cursos de áreas ambientais e tecnológicas. Essa mudança é resultado direto do contato próximo com o universo da ciência, proporcionando uma compreensão mais ampla das oportunidades acadêmicas e profissionais, isso é uma das transformações sociais obtidas”, aponta.
O projeto também ajuda a fortalecer a responsabilidade e a conscientização ambiental entre os participantes, e o envolvimento das famílias aumenta a percepção sobre os impactos das mudanças climáticas no cotidiano, como as mudanças no ciclo chuvoso e as dificuldades na agricultura familiar.
“Então trago essa discussão para os nossos colaboradores, todos os alunos, quantos familiares e a comunidade que faz parte do projeto, para discutirmos sobre a valoração econômica de um recurso ambiental [...] E a partir dessa discussão econômica, a gente consegue trazer esses colaboradores (jovens alunos, discentes de graduação da UFOPA e familiares) e mostrar o quão é importante a participação ativa deles enquanto cidadãos ambientais ou enquanto cuidadores do ar”, relata a Professora Drª Glauce Vitor que compõe a equipe de professores da UFOPA ligados ao projeto.
Desafios e perspectivas
“Vai ser de grande importância trazer esses dados aqui pra nossa cidade [...]”, aponta Clarice Pedroso, aluna da EETEPA participante do projeto.
Mesmo de uma importância inquestionável, o projeto cuidadores do ar tem enfrentado desafios para a sua manutenção e para o funcionamento da rede. O desafio mais pontual é relacionado a recursos financeiros para a manutenção e continuidade das atividades.
O projeto manteve suas atividades paralisadas durante o mês de outubro, contudo, está previsto o retorno das atividades após o período eleitoral. A paralisação se deu devido a entraves relacionados a repasses de recursos, referentes ao subsídio conseguido junto a FAPESPA, devido ao período eleitoral.
“[...] a gente está aí com a expectativa que ele chegue em novembro [o recurso], que esse período já vai ter encerrado das eleições”, explica Carla.
Quanto ao futuro do projeto, há uma perspectiva de ampliação da rede de monitoramento para novas áreas e outras escolas públicas do estado do Pará. Segundo a coordenadora do projeto, a equipe já encaminhou uma carta de intenção para a Secretaria de Educação do Estado do Pará, propondo a implementação do projeto em mais escolas, promovendo a criação de uma rede de monitoramento que possa cobrir áreas urbanas e rurais.
Carla aponta que um desejo é poder ampliar o monitoramento para área da região da rodovia Santarém Curuá-Una (área de Planalto), bem como para a região do Eixo Forte em Santarém. Mas também, para outros municípios como Belterra e municípios próximos.
“Eu tenho muita vontade de colocar alguns kits para a região do Planalto, que aí já vai pegar outras características, tenho vontade de colocar lá para a flona, porque eu entendo que é uma região onde a soja está fazendo toda aquela alteração do solo, e aí aquilo vai comprometer também a interação com a atmosfera e a qualidade de vida das pessoas. Então eu tenho vontade de ampliar a rede, de colocar em outros lugares, de conseguir ter uma visão espacial daqui da nossa região, pelo menos do oeste do Pará”, relata a professora Carla cheia de planos e entusiasmada.
Outro objetivo do projeto é continuar a coleta de dados por pelo menos mais dois anos, permitindo acompanhar os efeitos de aparências como o El Niño na qualidade do ar da Amazônia. Esse acompanhamento a longo prazo é essencial para identificar padrões e tendências que possam orientar ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
“Queremos formar uma geração de jovens comprometidos com o futuro da Amazônia, que reconheçam a importância da ciência para a preservação do meio ambiente”, comenta Carla.
Em uma região onde os eventos resultantes das mudanças climáticas têm modificado o dia a dia de agricultores, ribeirinhos e jovens que desejam um futuro sustentável, o projeto emerge como um exemplo de ciência aplicada com impacto social.
Para os profissionais que participam do projeto, o compromisso com a preservação ambiental não é apenas uma questão acadêmica, mas uma causa que, no coração da Amazônia, ecoa a luta pelo bem-estar das gerações futuras e pela sobrevivência de uma floresta fundamental para o planeta.