Segundo maior santuário de quelônios do Brasil é ameaçado por infratores, em Aveiro, no Pará

Entre o rio Tapajós e a floresta, o Tabuleiro do Monte Cristo é um dos maiores santuários de quelônios do Brasil. Em operação recente, fiscais do Ibama e ribeirinhos apreenderam infratores e resgataram centenas de ovos de tartarugas.

08/11/2024 às 14h54
Por: Marta Silva Fonte: Tapajós de Fato
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Ovos de tartarugas da Amazônia (Podocnemis expansa), recuperados pelos agentes de fiscalização/ Foto Ibama Santarém
Ovos de tartarugas da Amazônia (Podocnemis expansa), recuperados pelos agentes de fiscalização/ Foto Ibama Santarém

Às margens do rio Tapajós fica um dos principais santuários de Quelônios do Brasil. Localizado no município de Aveiro, o Tabuleiro do Monte Cristo é um dos maiores santuários de quelônios da Amazônia e desempenha um papel crucial na conservação ecológica da região. Com sua vasta extensão, o Tabuleiro é o principal do Pará e o segundo maior tabuleiro do Brasil monitorado pelo Programa Quelônios da Amazônia (PQA), desenvolvido pelo IBAMA.

Ali, onde águas e florestas se encontram, o ciclo da vida pulsa em cada ninho, em cada desova protegida proporcionando um dos maiores números de soltura de filhotes de tartarugas do país, o que contribui para a preservação de espécies ameaçadas, Tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa), tracajá (Podocnemis unifilis) e pitiú (Podocnemis sextuberculata), e a manutenção da biodiversidade amazônica.

Tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa), fêmeas adultas recuperadas dos infratores/ Foto Ibama Santarém

Quelônios da Amazônia

Os quelônios da Amazônia têm um papel fundamental no ecossistema amazônico, contribuindo para a saúde e o equilíbrio ambiental das regiões onde habitam. Eles promovem a dispersão de sementes ao se alimentarem dos frutos, o que favorece a regeneração das florestas; também atuam no controle de populações, participam da ciclagem de nutrientes e servem ainda como indicadores da saúde ambiental, sendo extremamente sensíveis a poluição, as mudanças climáticas e principalmente à predação humana.

Pesquisas em curso estimam que apenas 1% dos filhotes conseguem chegar atingir a maturidade sexual e perpetuar a espécie e o estado de conservação das espécies monitoradas pelo IBAMA é de “quase ameaça”, segundo a classificação internacional proposta pela IUCN (União Internacional de Conservação da Natureza).

Dados do Ibama informam que os quelônios amazônicos se encontram ainda elencadas no Anexo II da Cites, o que significa que as espécies são dependentes de programas de conservação, tal qual o PQA, para que suas populações não entrem em estágio de ameaça ou de extinção.

Apreensão realizada durante Operação Tabuleiro IV/ Foto Ibama Santarém

Operação Tabuleiros VI: resistência contra a predação

No segundo semestre deste ano, mais especificamente no dia 11 de outubro, assim como feito todos os anos nesse período, o Ibama, junto com a Força Nacional e os ribeirinhos monitores, iniciou a Operação Tabuleiros VI. Durante semanas, eles pernoitaram nas praias do Tabuleiro, vigiando as áreas de desova, atendendo denúncias e resgatando quelônios em perigo. 

Segundo informações do órgão, que este ano realizou uma das maiores apreensões da história, na noite do dia 25 de outubro, a equipe se deslocou cedo para a praia e permaneceu de tocaia em um ponto estratégico, onde flagrou um grupo de infratores. Eles haviam invadido o Tabuleiro e estavam carregados de ovos de tartarugas da Amazônia (Podocnemis expansa), além de 9 fêmeas adultas.

A fiscalização conseguiu conter três infratores com sacos e mochilas cheias de ovos, que foram detidos e levados à Base Avançada do Ibama onde o procedimento administrativo ambiental foi iniciado com a lavratura de autos de infração. A multa, proporcional a quantidade de ovos e animais, foi de R$ 6.250.000,00. De acordo com informações do Ibama, essa foi a maior multa já aplicada e a maior apreensão na história de 45 anos do Programa Quelônios do Brasil.

Dos 616 ovos apreendidos no dia 25 de outubro, 592 estavam intactos, por isso foram colocados novamente em ninhos para serem monitorados. As fêmeas foram soltas no local. Já no dia 26 de outubro, foram encontrados mais 50 ovos e pertences pessoais dos infratores, totalizando 666 ovos furtados.

Após o procedimento administrativo, os infratores foram encaminhados à delegacia da Polícia Civil de Itaituba e podem responder, dentre outros delitos, por formação de quadrilha, aliciamento de menores, maus-tratos a animais e receptação.

A força da comunidade na preservação

Criado em 1979, o Programa Quelônios da Amazônia – PQA, executado pelo IBAMA, é o maior programa de conservação de fauna em vida livre (in situ) do mundo. Idealizado com o objetivo de impedir que espécies de quelônios amazônicos entrassem em estado de extinção, o programa se utiliza de técnicas de monitoramento, manejo, educação ambiental e fiscalização como estratégias de conservação das espécies.

No entanto, um marco desse programa é a presença dos ribeirinhos que trabalham como monitores, no qual muitos dedicam anos de suas vidas a proteger esses animais. A relação vai além do cuidado – é uma troca onde o conhecimento da floresta é transmitido, onde as comunidades se sentem parte essencial da proteção desse tesouro que pertence a todos.

Ribeirinho atuam como monitores no PQA/ Foto Ibama Santarém

“[...] um ponto muito importante, muito central no programa, no conceitual e na prática também, é a presença dos ribeirinhos comunitários que trabalham de monitores no programa. Alguns deles, há mais de dez anos, dedicam realmente a vida para isso. E a gente tem, a partir da presença deles lá, uma troca muito interessante com as comunidades ali da região do tabuleiro, principalmente as comunidades onde eles moram, onde eles vivem. Eles são realmente fundamentais para o programa e para a fiscalização, e é muito positivo todo esse trabalho com eles lá, e seria massa que as pessoas daqui [de toda a região] também se sentissem orgulhosas disso e se apropriassem disso...”, aponta um Agente Ambiental Federal do Ibama Santarém ao Tapajós de Fato.

A cada filhote que segue rio abaixo, também seguem as histórias e as memórias daqueles que cuidam da floresta. Até o ano de 2023 o Programa havia sido o responsável pela soltura de mais de 100 milhões de filhotes em todos os estados da Amazônia Legal.

Dunga, monitor do programa PQA no tabuleiro do Monte Cristo, em Aveiro (PA)/ Foto Ibama Santarém

O Tabuleiro do Monte Cristo e os quelônios que ali se reproduzem são símbolos de um patrimônio que pertence ao povo da floresta, aos ribeirinhos, aos comunitários e até mesmo a população urbana da região, que entendem o valor de cada ninho e de cada filhote que consegue vencer as correntes e seguir o curso do rio.

O trabalho de preservação tanto dos órgãos de proteção ambiental, quanto da população, reforça o sentimento de pertencimento e a responsabilidade coletiva. Os ribeirinhos não são apenas monitores – são guardiões, são a continuidade de uma memória viva que entende que preservar é um ato de amor e de orgulho.

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