O eco do grito de cerca de 400 indígenas contra o projeto da Ferrogrão, ressoou nas águas do rio Tapajós no último sábado (16), durante o 7º Grito Ancestral. Do alto dos pedrais da ilha de Ilagé, localizada na aldeia Jacaré, os manifestantes paralisaram por cerca de seis horas o transporte fluvial do rio Tapajós, em Santarém, no Pará.
“Nós estamos aqui [...], para reivindicar a defesa do território, a defesa de nossas vidas”, reafirma Raquel Tupinambá, coordenadora do Conselho Indígena Tupinambá.
O grito esse ano denunciou o projeto de construção da EF-170, a Ferrogrão, corredor ferroviário de quase 1000 km que pretende ligar a cidade de Sinop–MT ao distrito de Miritituba, em Itaituba–PA, para ampliar o corredor logístico do agronegócio pelos rios da Bacia Amazônica.
A bordo das barcaças que trafegam pelo rio, os indígenas de vários povos da região, atearam faixas e bandeiras em repúdio ao projeto que cortará ao menos seis terras indígenas, onde vivem 2,6 mil pessoas, além de 17 unidades de conservação. Além disso, o aumento do escoamento da produção de grãos prevê a intensificação do volume de exportação de grãos pelo rio Tapajós.
“[...] Nós vivemos uma pressão muito grande aqui dos comboios de balsa que passam todo dia no nosso território, carregados com grãos[...] Então, nesse sentido, nós temos chamado a atenção, porque está impactando diretamente nós, que moramos aqui, e agora, com a Ferrogrão, que é um grande projeto, e vai aumentar ainda mais a quantidade de soja que vai vir a ser transportada, aumentando a pressão sobre os nossos territórios, sobre nossos rios”, relata Raquel Tupinambá.
Entre as 9h e 15h, os manifestantes ocuparam o rio com cinco barcos e 15 bajaras, denunciando os impactos do corredor logístico do Arco Norte, e em um ato pacífico, divulgaram a petição pelo fim do projeto da Ferrogrão (www.ferrograonao.com). A Aliança contra o projeto reúne 39 movimentos e organizações da sociedade civil.
7º Grito Ancestral
O ato deste ano marca o 7º ano do grito, que pelo 2º ano consecutivo acontece nos pedrais da Ilha de Ilagé, na aldeia Jacaré, dentro da Reserva Tapajós-Arapiuns (PA), no território indígena Tupinambá, local sagrado para os indígenas por ser um berço de reprodução de várias espécies aquáticas.
Esse espaço sagrado corre riscos reais de ser destruído se houver a necessidade de dragagem do rio Tapajós.
“Há uma possibilidade real de escavação e explosão dos pedrais, que são espaços encantados, espaços de reprodução dos peixes, isso vai representar para nós que vivemos do peixe, um grande prejuízo. Então, nesse sentido, nós estamos aqui também para reivindicar, para chamar a atenção do poder público, dos governantes, para que nossos direitos sejam respeitados. Chega de violação de direitos, e é por isso que nós estamos aqui, para dizer não à ferrogrão”, enfatiza Raquel.
O ato reuniu povos Tupinambá, Munduruku, Arapiun, Kumaruara, Jaraqui, Tapajó, Tapuia, Apiaka, Kayapó, e de comunidades ribeirinhas do Baixo Tapajós e de Montanha e Mangabal, que durante dois dias uniram forças para gritar contra o “projeto de morte” da Ferrogrão, mas também, para juntos se fortalecerem em sua espiritualidade e ancestralidade.
Os rituais entoados nesse espaço sagrado emanaram a força da ancestralidade em defesa da vida: rio, água, povo. Os protestos dos povos indígenas deste fim de semana demonstra a importância de escutar as vozes dos povos originários, que dependem diretamente do equilíbrio ambiental para sua sobrevivência.
“A ferrovia vai aumentar os impactos do corredor logístico que já nos afeta, e até agora não fomos consultados”, denuncia Raquel.
O ato reforça a mensagem de que o desenvolvimento não pode ser feito às custas da vida.