Quinta, 05 de Dezembro de 2024
Amazônia Tragédia

Seca extrema na Amazônia: mortandade de peixes expõe crise ambiental e vulnerabilidade ribeirinha

Enquanto as comunidades aguardam respostas científicas e ações governamentais, enfrentam sozinhas os desafios da seca, agravados pela degradação das áreas alagáveis e pela ausência de políticas públicas.

28/11/2024 às 14h32
Por: Tapajós de Fato Fonte: Tapajós de Fato
Compartilhe:
Peixes e jacarés mortos na comunidade Igarapé da Costa / Foto: Lalo de Almeida
Peixes e jacarés mortos na comunidade Igarapé da Costa / Foto: Lalo de Almeida

No coração da Amazônia, comunidades ribeirinhas vivem uma tragédia sem precedentes, provocada pela seca extrema que atinge a região. Nas margens do rio Amazonas, próximo a Santarém (PA), a vida aquática está sendo devastada. “São muitas as consequências: falta de acesso à água potável, isolamento, lagos secando completamente, mortandade de peixes, insegurança alimentar, terras caídas, morte de animais e plantas, queda na renda, famílias em situação de vulnerabilidade”, explica Renan Luís Queiroz Rocha, do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), ao descrever os impactos dessa crise.

A comunidade Igarapé do Costa, onde a pesca é o principal sustento, tornou-se o epicentro de um desastre ambiental. Desde o dia 11 de novembro, moradores começaram a notar uma mortandade incomum de peixes. “Foi este ano que deu essa mortandade. Os antigos nunca relataram algo do tipo”, disse Erick Penna Ribeiro, presidente da associação de moradores, em entrevista à Folha de S.Paulo. Ele descreve um cenário de destruição: “Essa água está podre. Se chover, outro choque térmico mataria mais peixes”.

Peixes mortos na comunidade Igarapé da Costa / Foto: Lalo de Almeida

Os peixes mortos incluem espécies frágeis, como cujuba e bacuzinho, até aquelas de maior valor comercial, como surubim, e os mais resistentes, como o pirarucu. Estima-se que entre 15 e 20 toneladas foram perdidas apenas na região do Igarapé do Costa. Segundo Erick, moradores precisaram resgatar tartarugas e outros animais que agonizavam nas poucas poças d’água ainda existentes. “Em 33 anos de vida, eu nunca vi isso”, disse ele à Folha de S.Paulo.

Os corpos dos peixes em decomposição se acumulam nas margens, exalando um cheiro insuportável e atraindo urubus. Sem alternativas, a comunidade tenta queimar as carcaças, enquanto pescadores tentam salvar os animais ainda vivos. A situação, entretanto, parece longe de ser controlada.

Biólogos que visitaram a região apontaram o superaquecimento das águas —que chegaram a 32°C, quando o limite tolerável seria 28°C— como uma das causas da tragédia. “O que houve foi falta de oxigênio e temperatura elevada da água. Quando cai uma chuva, muda rapidamente a temperatura”, explicou Genardo Queiroz de Oliveira, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), em entrevista à Folha de S.Paulo. Ele acredita que o choque térmico, causado por chuvas sobre as águas superaquecidas, tenha provocado as mortes.

Para Renan Luís Queiroz Rocha, a crise evidencia a vulnerabilidade crescente das comunidades ribeirinhas diante da destruição ambiental e das mudanças climáticas. “A forma predatória como a natureza vem sendo destruída pode levar a catástrofes ainda maiores e mais frequentes. É necessário pensar em formas de mitigação e adaptação”, afirma. Ele destaca a importância de revisar os períodos de defeso e propor novas estratégias de manejo, sempre em diálogo com as comunidades tradicionais. “É preciso superar a ideia de que os peixes são ‘recursos inesgotáveis’, pois a mortandade observada já está se refletindo em queda nos estoques pesqueiros e fome para as comunidades.”

Peixes mortos na comunidade Igarapé da Costa / Foto: Lalo de Almeida

Enquanto as comunidades aguardam respostas científicas e ações governamentais, enfrentam sozinhas os desafios da seca, agravados pela degradação das áreas alagáveis e pela ausência de políticas públicas. “Além do auxílio emergencial, é fundamental combater a destruição das áreas de várzea e igapó, que são cruciais para o ciclo de vida das espécies”, reforça Renan.

A tragédia em Santarém é apenas mais um dos muitos sinais da emergência climática na Amazônia, intensificada pelo fenômeno El Niño, o desmatamento e o aquecimento global. Para os ribeirinhos, a luta não é apenas por sua sobrevivência imediata, mas pela preservação de um ecossistema que sustenta sua cultura e sua existência.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.