Santarém e os demais municípios do oeste do Pará testemunham, nesses primeiros dias do mês, o início do inverno amazônico, período marcado por chuvas com certa frequência que trazem alívio após meses de intensa seca, queimadas e qualidade do ar severamente comprometida.
As chuvas, melhores políticas de combate aos incêndios florestais e a fumaça que polui o ar, começaram a lavar o ar e reduzir os focos de queimadas, trazendo um alívio imediato para a população. Contudo, a chegada do inverno amazônico não apaga as responsabilidades dos gestores públicos.
Durante os meses de setembro e outubro, Santarém e outros municípios da região figuraram entre os líderes em focos de incêndio no estado do Pará. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) apontaram que, em outubro, a região registrou mais de 3 mil focos de incêndios, as áreas mais afetadas incluem terras indígenas, reservas ambientais e comunidades rurais, refletindo a expansão desordenada de atividades agropecuárias e a falta de fiscalização.
A população foi deixada à própria sorte. "Nós enfrentamos semanas de fumaça sem ver nenhuma ação efetiva por parte da prefeitura ou do governo estadual. Não houve orientação, não enviaram equipes para monitorar as queimadas, e as multas para quem desmata e queima continuam sendo raridade", relata Joana Monteiro, moradora da comunidade de Eixo Forte.
As queimadas e estiagem intensa formaram uma densa camada de fumaça que permaneceu no céu por semanas.
A qualidade do ar chegou a níveis alarmantes, com índices de material particulado fino (PM2.5) muito acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ainda nos dias 2 e 3 de dezembro, o município registrou um pico de concentração de poluentes de 154 µg/m³ — 30,8 vezes maior do que o recomendado pela OMS, de acordo com dados da plataforma suíça de monitoramento IQAir, chegando a ser a segunda cidade com o ar mais poluído do mundo.
Essa situação trouxe consequências para a saúde da população, com o aumento expressivo de atendimentos por problemas respiratórios, especialmente entre crianças e idosos. Entre os meses de setembro e novembro, os serviços de saúde de Santarém registraram 6.272 atendimentos relacionados a sintomas respiratórios, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa).
Com as primeiras chuvas nos últimos dias, o cenário começou a mudar. O inverno amazônico, caracterizado por precipitações regulares (que ainda não tem sido tão regulares assim), desempenha um papel crucial na dispersão da fumaça e na limpeza da atmosfera. As partículas de poluentes suspensas no ar são lavadas pela água da chuva, melhorando significativamente a qualidade do ar em poucos dias.
Relatos de moradores destacam a mudança: “Depois de tanto tempo vendo o céu cinzento e sentindo dificuldade para respirar, a chuva trouxe um ar renovado para todos nós”, comenta Maria da Conceição, moradora da comunidade de São José, na região do Planalto santareno.
Nas redes sociais, a chegada da chuva foi festejada por todos. Bem como, a possibilidade de voltar a enxergar o céu azulado e de respirar um ar mais saudável.
Enquanto o inverno amazônico traz fôlego à região, ele também expõe o custo da ineficiência governamental. O Pará, com sua vasta biodiversidade, sofre não apenas com os impactos ambientais, mas também com o enfraquecimento das comunidades locais que dependem de um equilíbrio entre floresta e desenvolvimento.
Para os moradores a ação dos governos municipais locais foi insuficiente. A Prefeitura de Santarém anunciou campanhas educativas e fiscalizações esporádicas durante o período de estiagem, mas essas medidas se mostraram insuficientes frente à gravidade do problema. Enquanto isso, as secretarias estaduais de meio ambiente e agricultura falharam em implementar ações estruturantes, como o estímulo a práticas agrícolas sustentáveis e o fortalecimento das brigadas de incêndio.
Além disso, o município e o estado não estabeleceram políticas de mitigação para proteger a saúde pública, mesmo com o aumento de casos de doenças respiratórias. No auge da crise, serviços de saúde como a UPA 24 horas e o Hospital Municipal, ficaram sobrecarregados, evidenciando a falta de planejamento para lidar com os impactos da poluição atmosférica.
A ausência de ações efetivas reflete um ciclo de abandono que ameaça a sustentabilidade do bioma amazônico e a saúde da população. Durante a Marcha Pelo Clima, realizada no dia 02 de dezembro, organizações sociais, ativistas climáticos e sociedade em geral denunciaram a inércia da gestão municipal e enfatizaram que o governo do estado demorou em agir diante do problema. Bem como, cobraram do Governo Federal uma atuação mais pungente em relação a crise na região Oeste do Pará, cobrança essa que não gerou retorno.
Para os manifestantes, o governo federal necessita investir no fortalecimento dos órgãos de fiscalização, pois a atuação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) durante a crise, foi limitada devido a cortes de orçamento e a restrições operacionais.
As chuvas limparam o céu, mas as falhas de gestão continuam a pairar sobre o futuro da Amazônia e de seus povos. Para as organizações locais, a falta de integração entre as esferas municipal, estadual e federal compromete qualquer tentativa de enfrentamento conjunto da crise ambiental na região.