A 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 29), realizada em Baku, Azerbaijão, ficou marcada pelo fracasso no compromisso de financiamento climático. Esperava-se que a conferência garantisse valores significativos para ajudar países em desenvolvimento a enfrentar os impactos da crise climática, mas o montante aprovado — 300 bilhões de dólares anuais — ficou muito aquém dos 1,3 trilhão necessários.
Para Sara Pereira, coordenadora da Fase Amazônia e articuladora da Cúpula dos Povos, a COP 30, que será realizada em Belém do Pará, é uma oportunidade histórica para reposicionar a Amazônia e os povos que nela vivem no centro das soluções climáticas globais.
Contudo, essa oportunidade vem acompanhada de desafios, que vão desde o descaso do governo local até o olhar colonizador do Norte Global sobre a região.
A expectativa em torno da COP 29 era alta. Eventos climáticos extremos, como as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca severa na Amazônia que isolou comunidades, matou espécies aquáticas, afetou a economia ribeirinha e promoveu insegurança alimentar na região, expuseram a urgência de ações concretas e investimentos robustos. No entanto, a conferência falhou em avançar no financiamento climático, transformando-se em um palco de negociações voltadas para o mercado de carbono.
“Em vez de ser a COP do financiamento, virou a COP da financeirização das soluções, onde a principal aposta foi no mercado de carbono”, critica Sara Pereira. Para ela, essa abordagem é um engodo que permite aos países ricos continuarem poluindo sob o pretexto de compensação ambiental.
“Quem compra crédito de carbono está, na verdade, pagando para continuar poluindo. Não há diminuição real das emissões, e a conta segue sendo paga pelos mais vulneráveis”, aponta Sara.
Sara denuncia ainda a ausência dos Estados Unidos nas discussões e a falta de comprometimento da China, um dos maiores emissores globais, em integrar o grupo de países doadores obrigatórios.
“Esperar solidariedade de países que enriqueceram à custa da exploração do Sul Global é ingenuidade. Eles só querem saber de seus lucros, inclusive lucrar com a desgraça dos outros”, pontua.
Enquanto a COP 29 patinava em compromissos, a Amazônia vivenciava uma de suas piores crises. A seca extrema isolou comunidades, comprometeu a segurança alimentar e deixou centenas de famílias sem acesso à água potável. Ao mesmo tempo, as queimadas criminosas poluíram o ar, tornando cidades como Santarém irrespiráveis.
“Talvez a fumaça não seja pauta porque se sabe quem a está produzindo. Não são os indígenas, os quilombolas ou os agricultores familiares, mas o mercado do fogo, braço do agronegócio, do garimpo e da especulação imobiliária”, denuncia Sara.
Ela destaca que, apesar dos avanços tecnológicos que permitem rastrear os focos de incêndio, falta vontade política para expor os responsáveis.
A invisibilidade da Amazônia no debate nacional é outro ponto central. “A tragédia da morte da biodiversidade, da floresta virando fumaça, dos rios virando terra, do cemitério fluvial de peixes, do isolamento e da escassez de água potável e comida para as populações amazônidas não comove o Brasil. Não temos gabinete de crise instalado pelo governo estadual, tampouco pelo governo Federal. Temos alguns flashes de notícias, mas jamais teremos o estúdio do jornal nacional transmitindo por mais de uma semana direto do Rio Tapajós [...] Se na nossa relação doméstica somos invisibilizados, como esperar solidariedade do Norte Global? Precisamos virar essa chave, contar nossa história pelo nosso olhar e apontar os caminhos que queremos seguir”, evidencia Sara.
Com a realização da COP 30 em Belém, o Brasil tem a chance de reposicionar a Amazônia no centro das discussões climáticas. Para Sara, a conferência deve ser o momento de romper com o olhar colonizador e apresentar ao mundo as soluções reais que emergem dos povos da floresta.
“A COP 30 é a oportunidade de dizermos para o mundo que, debaixo da floresta da qual eles precisam para respirar, tem gente. Tem povos originários, agricultores familiares, agroextrativistas e ribeirinhos que vivem sem água potável, sem saúde e educação de qualidade, mas que resistem e produzem alternativas sustentáveis”, ressalta
Sara destaca a importância da Cúpula dos Povos, que será realizada paralelamente à COP 30 como um espaço de resistência e mobilização da sociedade civil global. “Estamos construindo a Cúpula como uma convergência das resistências por justiça climática, direitos fundamentais e democracia. Precisamos ressoar o batuque e o carimbó das nossas existências.”
A adaptação à crise climática é um dos principais desafios para a Amazônia, onde a ausência de infraestrutura básica impede até mesmo a implementação de medidas de mitigação.
“Adaptação pressupõe modificar algo existente, mas e onde não há infraestrutura alguma? Vai adaptar o quê?”, questiona Sara
Ela cita iniciativas da sociedade civil, como a distribuição de filtros de água para comunidades ribeirinhas, mas alerta que soluções emergenciais não substituem políticas estruturantes.
“Nossa realidade exige mais do que medidas paliativas. Precisamos de políticas que atendam às necessidades básicas das populações amazônidas e garantam seus direitos”.
Para Sara, a crise climática não é apenas uma questão ambiental, mas o resultado de um modelo de desenvolvimento capitalista que perpetua desigualdades e destruição.
“Não se trata de clima, mas de modelo econômico. Enquanto não houver uma transição de matriz econômica, baseada em justiça social e ambiental, não teremos um futuro melhor”, salienta Sara.
Ela defende que as verdadeiras soluções estão nas práticas sustentáveis já desenvolvidas pelos povos amazônidas, como a agroecologia, a produção de alimentos sem veneno e as cadeias da sociobiodiversidade. “Precisamos que a balança dos investimentos públicos deixe de pesar só para o agronegócio e passe a valorizar as iniciativas dos povos da floresta”.
A COP 30, que será realizada no coração da Amazônia, representa um momento decisivo para o Brasil e para o mundo. Será a oportunidade de corrigir os fracassos de Baku, exigir justiça climática e mostrar que a Amazônia não é apenas um bioma a ser explorado, mas um território vivo, habitado por povos que resistem há séculos.
“Que a COP 30 seja o momento de virar o jogo. De mostrar que as soluções não estão no mercado, mas na união entre conservação, soberania territorial e justiça social. Precisamos construir um futuro que respeite a floresta e as gentes que vivem nela”, conclui Sara