Domingo, 26 de Janeiro de 2025
Reportagem Especial Cianobactérias

Floração de algas: entenda o fenômeno que deixou as águas do rio Tapajós verdes, em Santarém (PA)

O fato não é novo para muitos moradores, pois nesse período do ano com a chegada do inverno amazônico já é comum as beiradas de praias da região ficarem tomadas por cianobactérias, no entanto nesse ano de 2025 o que tem chamado atenção é a intensidade da coloração verde da água.

09/01/2025 às 17h21 Atualizada em 09/01/2025 às 19h05
Por: Isabelle Maciel Fonte: Tapajós de Fato
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Praia da Alter do Chão / Leandro Mendes
Praia da Alter do Chão / Leandro Mendes

No início da segunda semana de janeiro viralizou nas redes sociais um vídeo onde moradores da comunidade de Pindobal, em Santarém, no Pará, registraram as margens do rio Tapajós completamente verdes, imagens da praia de Alter do Chão também viralizaram devido ao rio verde. A situação chamou atenção da população local, e gerou preocupação em relação a contaminação das águas e dos banhistas, esse fenômeno é conhecido como "floração de algas”.

O fato não é novo para muitos moradores, pois nesse período do ano com a chegada do inverno amazônico já é comum as beiradas de praias da região ficarem tomadas por cianobactérias, no entanto nesse ano de 2025 o que tem chamado atenção é a intensidade da coloração verde da água.

 
 
 
 
 
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Para entender melhor esse fenômeno, o Tapajós de Fato conversou com Dávia Talgatti, que é graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Pelotas (2006), mestre em Biologia Vegetal pela Universidade Federal de Santa Catarina (2009), e tem doutorado em Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2014) e pós-doutorado em Sociedade, Natureza e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Oeste do Pará (2015-2017), atualmente ela é Professora Adjunta na área de Botânica, do curso de Ciências Biológicas do Campus de Oriximiná da Universidade Federal do Oeste do Pará.

Professora Dávia Talgatti / Foto: Arquivo pessoal 

Dávia comenta que esse fenômeno ocorre em algumas épocas do ano,  principalmente no período de enchente, quando iniciam as chuvas e as águas carreiam para o rio nutrientes que estão em terra, que é o NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), nutrientes que estão nas florestas, nas várzeas, nas lavouras, e claro no material que está nas cidades armazenado na terra, como em esgotos e fossas.

“Então com isso aumenta o nível de nutrientes que são fundamentais para que essas cianobactérias se multipliquem de forma bem rápida, Elas são fotossintéticas, usam a luz solar, mas elas precisam de nutrientes para realizar o processo fotossintético”, ressalta Talgatti.

Esse fenômeno já ocorre há algum tempo no rio Tapajós, como pontua Dávia, mas tem se observado com maior frequência nos últimos tempos, e os motivos podem ser inúmeros, principalmente ligados às mudanças climáticas que têm impactado o mundo. “Nós estamos observando que as florações estão ocorrendo com maior frequência, e existem muitos motivos que podem levar a isso, pode ser também ligado ao aquecimento global que aumenta as temperaturas e esses organismos se beneficiam da temperatura para aumentar o número de células das populações”.

Dávia Talgatti explica que as florações de cianobactérias são raras em rios, mas que devido algumas características específicas do rio Tapajós, elas ocorrem na região.

“As florações em rios no planeta são muito mais raras, por exemplo, florações cianobactérias são comuns em reservatórios como açudes, ambientes fechados, pois ali não tem muita circulação de água, então em rios essas florações (blooms) de cianobactérias são mais raras, mas o Tapajós tem muitas enseadas que quase imitam um lago adjacente ao rio, então essas enseadas têm uma água calma e rasa, e aí também com a cor da água da Tapajós que é clara, entra luz e aí tem os nutrientes também que estão acessíveis. Porque o rio Tapajós é um rio raso, então nas margens essa proliferação vai sendo carregada, levada ali pelo percurso do rio e aí onde tem as enseadas é que elas se concentram, por isso que em praias que têm enseadas, que são praias mais calmas, a floração é em maior quantidade”.

Floração de algas intensa em 2025 

Ao viralizar o fenômeno nas redes sociais, os comentários eram principalmente em relação a intensidade da coloração verde das águas, muitas pessoas afirmando que essa foi a primeira vez que presenciaram o rio ficar assim.

O Tapajós de Fato ouviu Neila Bogari, que é ativista do Coletivo de Mulheres Indígenas As Karuana, e mora às margens do rio Tapajós em Alter do Chão.

Neila Borari / Foto: Arquivo pessoal 

Assim como muitas pessoas, ela também se assustou com a coloração forte do rio. “Então, todo ano a gente costuma ver esse fenômeno, como chamamos de limo no rio, é comum a gente vê assim esverdeada a água mas não rio completo, muito longo assim, sempre é claro e fraco, mas assim dessa forma como está eu nunca vi, e olha que tô aqui na beira do rio e nunca vi assim totalmente grosso. Mesmo que a gente veja isso todo ano, nunca viu completo no rio, isso ficava tipo, acho que 3 dias no máximo e depois estava normal e ficava de novo clarinho limpinho pra tomar banho”.

A proliferação de cianobactérias é algo natural, mas que pode se alterar e intensificar de acordo com os impactos do que acontece no ambiente terrestre, por exemplo, como explica Dávia. “Esse organismo necessita desses nutrientes ( principalmente nitrogênio e fósforo), e esses nutrientes eles podem ser encontrados em adubos de lavouras, no esgoto doméstico, por exemplo no detergente que a gente lava a louça tem fósforo, e no uso da terra. Então, por exemplo, quando a gente retira a floresta de ambiente de mata ciliar a gente deixa aquele solo sem proteção, ocorre  a lixiviação  deste solo carreando os nutrientes que estavam na floresta para o leito do rio, também ocorre o processo que chamamos de  ‘inversão das águas’, a chuva faz com que haja uma mistura da coluna da água que está próxima ao solo que contêm nutrientes, elas são misturadas  e essa água do fundo do rio acaba indo para a superfície e em contato com a luz solar as Cianobactérias que estavam em forma de cisto no solo se proliferam”.

Sobre a quantidade excessiva nesse ano de 2025, para especificar melhor é necessário fazer pesquisas para entender o que pode ter ocorrido, mas se sabe que os danos ao meio ambiente que ocasionam as mudanças climáticas podem estar ligados a intensidade do fenômeno da floração de algas no rio Tapajós.

Riscos ao meio ambiente e banhistas

As cianobactérias são conhecidas como potenciais produtoras de toxinas, essas toxinas podem ser neurotóxicas, hepatóxicas e  dermatotóxicas. Neurotóxicas atuam diretamente no sistema nervoso central de organismos aquáticos e também do ser humano, e as dermatotóxicas são aquelas toxinas que podem causar alergias na pele e outras doenças relacionadas à pele e as hepatotóxicas podem causas doenças ligadas ao fígado.

Como afirma Dávia Talgatti, elas podem ser tóxicas, a professora ainda comenta sobre os estudos realizados sobre essa floração de algas no rio Tapajós. “Isso que a gente vem investigando no Tapajós, nós estamos realizando coletas e amostragens onde a gente verifica se essas cepasapresentam toxicidade, então uma espécie de Cianobactéria ela pode apresentar toxicidade ou não, depende de algumas situações, esses organismos eles utilizam a toxicidade para a defesa contra predadores, mas no caso em excessiva produção obviamente que causa problemas pra quem utiliza água, para quem vive dela. Estas toxinas  não são fáceis de serem retiradas da água, a fervura da água não retira suas toxinas, além disso precisa ser investigado se de repente nas comunidades essas toxinas podem causar doenças que ainda não estão relacionadas às cianobactérias, mas que são problemas de saúde pública e ainda não se investigou”.

Sobre banhar no rio onde há essa concentração de Cianobactérias, Dávia finaliza explicando o que pode acontecer. “Nas pessoas que se banham no rio, elas podem causar alergias, podem causar coceira na pele, as  crianças se ingerirem podem apresentar diarreias ou outras problemáticas intestinais. Se for ingerida de forma excessiva pode causar efeitos neurotóxicos, atuando no sistema nervoso central e também elas podem serhepatotóxica, atuando no fígado. Desta forma,  o que se recomenda é que não se entre na água quando estiver da forma que vem sendo mostrado nas redes sociais”.

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