Em novembro de 2025, Belém, capital do Pará, sediará a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), colocando o estado no centro das discussões globais sobre clima e sustentabilidade. Em contraste, desde 14 de janeiro, lideranças indígenas e comunidades tradicionais do Pará têm protagonizado um movimento histórico de resistência contra a substituição do ensino presencial pelo modelo de educação à distância nas escolas de suas comunidades e aldeias.
As manifestações, que incluem a ocupação da sede da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), em Belém desde o dia 14 de janeiro, e o bloqueio da BR-163, há 6 dias, e de outras rodovias do estado, lançam luz sobre uma luta que vai além da educação, envolvendo também a defesa dos territórios e o futuro dos povos indígenas.
“Nós estamos aqui na BR-163, no quilômetro 83, na ocupação pela revogação da lei 10.820, que é a lei que acaba com o SOME e o SOMEI. Estamos aqui com representantes dos 14 povos do Baixo Tapajós, se somando nessa luta, juntamente com os sindicatos dos professores do Oeste e do Pará, porque são vários municípios que estão aqui presentes, vários professores, e é um momento histórico, um momento que os povos indígenas realmente estão na dianteira dessa luta pela educação”, explica Lucas Tupinambá, vice coordenador do Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns.
Há seis dias a BR-163, essencial para o escoamento da produção agrícola, foi transformada em palco de reivindicações e segue sendo bloqueada. Indígenas, com apoio de organizações do movimento social e dos profissionais da educação, que se somam à luta, seguem acampados ao longo do KM 83 da rodovia, no município de Belterra.
A escolha da via não é acidental: trata-se de um símbolo do modelo de desenvolvimento que prioriza interesses econômicos em detrimento dos direitos indígenas e ambientais. Para os manifestantes, o fechamento da rodovia demonstra a força do movimento, mesmo diante das tentativas do governo de Helder Barbalho (MDB) de minimizar a mobilização.
Esse é mais um ato que marca as ações que têm acontecido, encabeçado pelo movimento indígena em diversas regiões, em reivindicação pela revogação da Lei nº 10.820/2024 sancionada por Helder Barbalho “na surdina” no final de dezembro de 2024.
A manifestação é uma resposta à implementação do ensino à distância, promovido pelo Centro de Mídias da Educação Paraense (CEMEP), que substitui o Sistema Modular de Ensino (SOME) e o Sistema Modular de Ensino Indígena (SOMEI). Para os manifestantes, a medida representa um ataque à educação pública e aos territórios tradicionais.
“[...] a retirada do SOME vai ser muito ruim pra nós, povos indígenas, principalmente pra nós, Munduruku, porque os professores, eles ajudam muito a preservar nossa cultura”, enfatiza Aline Munduruku, jovem aluna do ensino médio indígena
No entendimento dos manifestantes e dos profissionais da educação, que se somam a luta dos povos indígenas acampados ao longo da BR 163, o sistema proposto pelo Centro de Mídias da Educação Paraense (CEMEP) ignora a realidade das comunidades, que sofrem com infraestrutura precária, falta de acesso à internet e ausência de professores capacitados para atender às especificidades culturais e linguísticas dos povos originários
Revogação da Lei 10.820/2024
Sancionada pelo governador Helder Barbalho no fim de 2024, a Lei 10.820/2024 marca um retrocesso em relação a direitos já conquistados pela educação pública no Pará e seus profissionais ao longo de décadas de luta. Além disso, extingue o ensino presencial modular, que leva educação média a comunidades distantes. Logo, a revogação da mesma é uma das principais pautas de luta neste momento.
“Nós temos duas reivindicações muito fortes e que a gente não vai arredar o pé. A primeira é a exoneração do secretário do estado de educação e a revogação imediata da lei 10.820. O que a lei traz? A lei traz a extinção por completo de dois fundamentais pilares para a educação não só apenas indígena, mas também para todo o contexto histórico escolar do Estado do Pará, que é o SOMEI e o SOME. Claro que o governo, ele está trazendo agora uma fala dizendo que nós indígenas não estamos aceitando e ele já revogou, já deu uma abertura ali, já negociou conosco. Isso é um fato à parte. O que aconteceu? O SOMEI, de fato, conseguiu inserir e aprovar e manter, mas o SOME não. O SOME ele continua sendo extinto e isso não é viável para a educação. Nós não estamos aqui com uma bandeira apenas indígena, nós estamos lutando por toda a educação escolar do estado do Pará. SOME e SOMEI, regular, todos eles precisam avançar e a gente só vai conseguir isso unindo forças”, pontua a professora Karina Borari, professora na Escola Indígena Borari em Alter do Chão
Como pontuado pela professora Karina, além da revogação da lei, que fere direitos e ataca o Plano de Cargos e Carreiras dos profissionais da educação no Pará, os indígenas em luta pedem a exoneração do Secretário Estadual de Educação, Rossieli Soares.
O secretário de Educação, traz consigo um histórico de decisões controversas em cargos anteriores, incluindo sua passagem pelo Ministério da Educação e pela Secretaria de Educação de São Paulo, conhecido por defender modelos tecnocráticos e neoliberais, frequentemente priorizando soluções que desconsideram as especificidades regionais e culturais.
No Pará, ele foi alvo de críticas pela falta de diálogo com comunidades escolares e sua postura centralizadora e insensível às demandas locais, reforçando a percepção de que a educação está sendo tratada como uma ferramenta de controle político, em vez de um direito fundamental.
Diante do silêncio do governador Helder Barbalho (MDB), da falta de ação da então governadora em exercício Hana Ghassan (MDB) e das inúmeras fake news que tem povoado a internet descredibilizando, e em alguns casos, criminalizando a mobilização, os manifestantes resistem. Eles permanecem firmes acampados na SEDUC e nas rodovias do estado, com suas redes atadas e cânticos que ecoam a força do espírito ancestral.
Segundo reportagem do Amazônia Real, o MPF requisitou, na última sexta-feira (17), à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação (MEC), o posicionamento atual da União sobre o modelo de aulas telepresenciais previsto pelo governo do Pará para povos da floresta, do campo e das águas.
Por meio de suas redes sociais, a Ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara informou que o Governo Federal tem acompanhado a situação no estado. Quanto a Secretaria de Povos Indígenas do Estado do Pará, criada no governo Helder, vêm sendo duramente criticada pelos manifestantes, que denunciam a falta de alinhamento da mesma com a luta indígena, bem como, sua inutilidade e falta de autonomia.
O que está em jogo
O protesto contra a educação à distância transcende a luta pelo direito à escola presencial. Ele representa a defesa de um modelo de vida que resiste às pressões do agronegócio, das mineradoras e de políticas que negligenciam as realidades da Amazônia. A coragem dos povos indígenas em bloquear a BR-163, e outros trechos de rodovia do estado, e ocupar a Seduc é um lembrete de que o futuro da floresta passa, inevitavelmente, pela educação e pela proteção de seus territórios.
“Nós só sairemos daqui quando a lei for revogada e publicada no Diário Oficial. Então, para isso a gente precisa estarmos juntos, como agora a pouco a gente se reuniu com os professores do SOME, professores do ensino regular, da rede tanto estadual quanto municipal de ensino fazendo presente. Neste momento é muito importante todas as forças agrupadas aqui na BR-163, até porque a BR-163 é um espaço estratégico por ser um grande corredor logístico do Brasil, né? Fala-se que em Santarém é o quinto maior porto de exportação de grãos. E nós estamos aqui ocupando a BR e só sairemos daqui após a revogação da lei”, pontua Lucas Tupinambá.
Enquanto o Pará se prepara para receber líderes mundiais na COP 30, os povos indígenas exigem que seus direitos sejam reconhecidos e respeitados. A estrada pode estar bloqueada, mas a mensagem segue em movimento: sem justiça para os povos da floresta, não há futuro sustentável para a Amazônia ou para o planeta.