Desde o dia 14 de janeiro, a sede da Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC), em Belém, é palco de uma ocupação histórica. Indígenas de diversos povos reivindicam a revogação da Lei 10.820/2024, que substitui professores presenciais por teleaulas gravadas, e exigem a exoneração do Secretário Estadual de Educação, Rossieli Soares.
Enquanto a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, se reuniu com os manifestantes em um gesto de diálogo, o governador Helder Barbalho, mesmo após retornar do Fórum de Davos, manteve-se ausente - mesmo sendo convocado quase que diariamente pelos manifestantes a se fazer presente na ocupação, gerando críticas e ampliando o sentimento de abandono entre os manifestantes que estão há 15 dias ocupando o prédio, sob situação degradante.
“[...] a lei impacta diretamente o futuro dos nossos filhos. Nós sabemos o que queremos e o governo não pode decidir por nós”, declara.
Segundo dados revelados pela Pública em reportagem, o orçamento para "Implementação da Educação Escolar Indígena" no estado do Pará, em 2025, foi reduzido para R$ 500 mil, representando um corte de 85% em relação a 2024. Este valor equivale a 0,001% do orçamento total do Estado (R$ 48 bilhões) e 0,005% do orçamento da Secretaria de Educação (R$ 8,6 bilhões).
O Pará é o terceiro estado da Amazônia com maior população indígena (mais de 80 mil pessoas, de 58 povos diferentes).
Reunidos na ocupação da SEDUC, as lideranças indígenas deixaram claro para a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que a luta é pela imediata revogação da Lei 10.820 e pela exoneração do secretário estadual de Educação, Rossieli Soares. Os manifestantes também exigem que o governador Helder Barbalho compareça à ocupação para negociar diretamente com o movimento.
“Só após a revogação da lei será possível discutir de forma ampla e sem atropelos uma legislação estadual voltada para a educação indígena”, afirmou uma das lideranças presentes.
Mesmo diante da presença da Ministra Sônia Guajajara, o governador Helder Barbalho (MDB) tem se mantido distante. Auricélia Arapiun, liderança indígena do Baixo Tapajós, declarou indignada que “não é possível que a gente consiga dialogar com o Ministério da Educação, o Ministério dos Povos Indígenas, e não com o governador”.
Apesar das tentativas de mediação, os manifestantes afirmam que as negociações estão “na estaca zero”, uma vez que discordam da divisão por etnorregiões, criada pelo governo, para a elaboração de um grupo de trabalho para discutir o tema. De acordo com Auricélia, “a forma como eles [o governo] dividiram por região não contempla a realidade dos povos indígenas do Pará e não se trata de consulta livre, prévia e informada”, pontua.
Para Rainer Jaraqui, jovem indígena que concluiu o ensino médio pelo SOMEI, “o governador deveria estar aqui [na ocupação], ouvindo quem realmente conhece as dificuldades”.
Além da ocupação da SEDUC em Belém, o movimento indígena ganhou força em outras regiões do Pará. No dia 27 (segunda-feira), o povo Suruí bloqueou a BR-153, próximo a São Geraldo do Araguaia, enquanto os indígenas Tuiwara ocuparam a Secretaria Municipal de Educação de Tomé-Açu. Na região oeste, o bloqueio da rodovia BR-163, na altura de Belterra, segue como parte da mobilização.
Segundo o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), cerca de 400 pessoas estão acampadas na sede da SEDUC, em Belém, enfrentando dificuldades e longe de suas aldeias e suas obrigações, suportando situações insalubres.
“Estamos aqui para lutar pelos nossos direitos e pelo futuro das próximas gerações”, declarou Maria Leusa Munduruku que segue firme na ocupação da BR 163 ao longo do município de Belterra no oeste paraense.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal contra a Lei 10.820/2024. A organização argumenta que a legislação viola direitos constitucionais e reforça o sucateamento da educação indígena.
Da mesma forma, no dia 24, o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA) juntamente com a deputada Lívia Duarte (PSOL) formalizaram denúncia contra o governo do Pará e o secretário de Educação Rossielli Soares a ONU por violação dos direitos dos povos indígenas e dos direitos humanos no estado. Na ocasião, foi pedido que a organização se envolvesse para resolver esse impasse entre os indígenas e o governo e que o governo do Pará fosse responsabilizado por sua omissão e negligência em relação aos direitos dos povos originários.
O Pará, que sediará a COP30 em 2025, é o terceiro estado com maior população indígena no Brasil, abrigando mais de 80 mil indígenas de 58 povos. A defesa da educação indígena é também uma luta pela preservação cultural e ambiental.
A continuação da ocupação na SEDUC e a ausência do governador Helder Barbalho demonstram o abismo entre as demandas dos povos originários e as ações do governo estadual. Enquanto isso, a resistência indígena segue como um lembrete de que direitos não são concessões, mas conquistas que precisam ser garantidas.