Quarta, 19 de Março de 2025
Educação Pará

Enquanto Ministra do Governo Federal ouve indígenas na SEDUC, Helder Barbalho vira as costas para a ocupação

Reunidos na ocupação da SEDUC, as lideranças indígenas deixaram claro para a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que a luta é pela imediata revogação da Lei 10.820 e pela exoneração do secretário estadual de Educação, Rossieli Soares. Os manifestantes também exigem que o governador Helder Barbalho compareça à ocupação para negociar diretamente com o movimento.

28/01/2025 às 09h54
Por: Marta Silva Fonte: Tapajós de Fato
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Ministra dos povos indígenas, Sônia Guajajara faz o que Helder não fez, ir a SEDUC dialogar com os indígenas/ Foto CITA (via redes sociais)
Ministra dos povos indígenas, Sônia Guajajara faz o que Helder não fez, ir a SEDUC dialogar com os indígenas/ Foto CITA (via redes sociais)

Desde o dia 14 de janeiro, a sede da Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC), em Belém, é palco de uma ocupação histórica. Indígenas de diversos povos reivindicam a revogação da Lei 10.820/2024, que substitui professores presenciais por teleaulas gravadas, e exigem a exoneração do Secretário Estadual de Educação, Rossieli Soares. 

Enquanto a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, se reuniu com os manifestantes em um gesto de diálogo, o governador Helder Barbalho, mesmo após retornar do Fórum de Davos, manteve-se ausente - mesmo sendo convocado quase que diariamente pelos manifestantes a se fazer presente na ocupação, gerando críticas e ampliando o sentimento de abandono entre os manifestantes que estão há 15 dias ocupando o prédio, sob situação degradante.

Educação ameaçada

A ocupação, que já dura 15 dias hoje (28), é uma resposta à sanção da Lei 10.820/2024. A legislação, que implementa o ensino à distância para comunidades indígenas, ignorando as especificidades culturais, linguísticas e logísticas dessas populações, de acordo com os manifestantes e apoiadores da luta.

Maria Leusa Munduruku, liderança indígena na região oeste do estado, que tem participando das reivindicações ao longo da BR 163 [um braço das manifestações que ocorrem em Belém], enfatiza que a lei impacta no futuro das novas gerações e que é necessário que o governo respeite o direito a consulta aos povos indígenas quanto às mudanças que os afetam diretamente e que afetam os seus territórios.

“[...] a lei impacta diretamente o futuro dos nossos filhos. Nós sabemos o que queremos e o governo não pode decidir por nós”, declara.

Maria Leusa Munduruku, liderança indígena, segue firme na ocupação da BR 163 que já dura 12 dias/ Foto CITA (via redes sociais)

Segundo dados revelados pela Pública em reportagem, o orçamento para "Implementação da Educação Escolar Indígena" no estado do Pará, em 2025, foi reduzido para R$ 500 mil, representando um corte de 85% em relação a 2024. Este valor equivale a 0,001% do orçamento total do Estado (R$ 48 bilhões) e 0,005% do orçamento da Secretaria de Educação (R$ 8,6 bilhões).

O Pará é o terceiro estado da Amazônia com maior população indígena (mais de 80 mil pessoas, de 58 povos diferentes).

Indígenas reafirmam a pauta: revogação da Lei 10.820 e exoneração de Rossieli Soares

Reunidos na ocupação da SEDUC, as lideranças indígenas deixaram claro para a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, que a luta é pela imediata revogação da Lei 10.820 e pela exoneração do secretário estadual de Educação, Rossieli Soares. Os manifestantes também exigem que o governador Helder Barbalho compareça à ocupação para negociar diretamente com o movimento.

“Só após a revogação da lei será possível discutir de forma ampla e sem atropelos uma legislação estadual voltada para a educação indígena”, afirmou uma das lideranças presentes.

O contrassenso do diálogo: presença federal e ausência estadual

Na última segunda-feira (27), a ministra Sônia Guajajara esteve pessoalmente na SEDUC para ouvir os manifestantes. Ela reiterou seu apoio à causa e apresentou a proposta de restabelecimento do artigo 2º da antiga legislação como solução provisória.

Nunca estive do outro lado”, afirmou a ministra, reforçando seu compromisso com os povos originários. Os ocupantes, porém, enfatizaram que esperam a presença do governador para avançar nas negociações.

Mesmo diante da presença da Ministra Sônia Guajajara, o governador Helder Barbalho (MDB) tem se mantido distante. Auricélia Arapiun, liderança indígena do Baixo Tapajós, declarou indignada que “não é possível que a gente consiga dialogar com o Ministério da Educação, o Ministério dos Povos Indígenas, e não com o governador”

Auricélia Arapiuns enfatiza em sua fala a Ministra que é feliz por estar do lado certo da história/ Foto @saviomaiandeua (via redes sociais do CITA)

Apesar das tentativas de mediação, os manifestantes afirmam que as negociações estão “na estaca zero”, uma vez que discordam da divisão por etnorregiões, criada pelo governo, para a elaboração de um grupo de trabalho para discutir o tema. De acordo com Auricélia, “a forma como eles [o governo] dividiram por região não contempla a realidade dos povos indígenas do Pará e não se trata de consulta livre, prévia e informada”, pontua.

Para Rainer Jaraqui, jovem indígena que concluiu o ensino médio pelo SOMEI, “o governador deveria estar aqui [na ocupação], ouvindo quem realmente conhece as dificuldades”.

Resistência e mobilização se ampliam

Além da ocupação da SEDUC em Belém, o movimento indígena ganhou força em outras regiões do Pará. No dia 27 (segunda-feira), o povo Suruí bloqueou a BR-153, próximo a São Geraldo do Araguaia, enquanto os indígenas Tuiwara ocuparam a Secretaria Municipal de Educação de Tomé-Açu. Na região oeste, o bloqueio da rodovia BR-163, na altura de Belterra, segue como parte da mobilização.

Segundo o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), cerca de 400 pessoas estão acampadas na sede da SEDUC, em Belém, enfrentando dificuldades e longe de suas aldeias e suas obrigações, suportando situações insalubres.

Estamos aqui para lutar pelos nossos direitos e pelo futuro das próximas gerações”, declarou Maria Leusa Munduruku que segue firme na ocupação da BR 163 ao longo do município de Belterra no oeste paraense.

As manifestações têm recebido apoio de diversas entidades da sociedade civil organizada a exemplo do MST; e a ocupação da BR 163 segue firme assim como a ocupação da SEDUC em Belém/ Foto CITA (via redes sociais)

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal contra a Lei 10.820/2024. A organização argumenta que a legislação viola direitos constitucionais e reforça o sucateamento da educação indígena.

Da mesma forma, no dia 24, o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA) juntamente com a deputada Lívia Duarte (PSOL)  formalizaram denúncia contra o governo do Pará e o secretário de Educação Rossielli Soares a ONU por violação dos direitos dos povos indígenas e dos direitos humanos no estado. Na ocasião, foi pedido que a organização se envolvesse para resolver esse impasse entre os indígenas e o governo e que o governo do Pará fosse responsabilizado por sua omissão e negligência em relação aos direitos dos povos originários.

Amazônia e educação: um legado em disputa

O Pará, que sediará a COP30 em 2025, é o terceiro estado com maior população indígena no Brasil, abrigando mais de 80 mil indígenas de 58 povos. A defesa da educação indígena é também uma luta pela preservação cultural e ambiental.

A luta indígena é por uma educação que respeite a história e a diversidade étnica dos povos e comunidades do Pará/ Foto CITA (via redes sociais)

A continuação da ocupação na SEDUC e a ausência do governador Helder Barbalho demonstram o abismo entre as demandas dos povos originários e as ações do governo estadual. Enquanto isso, a resistência indígena segue como um lembrete de que direitos não são concessões, mas conquistas que precisam ser garantidas.

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