No dia 14 de janeiro, o governo federal anunciou o programa Mais Professores, com ações integradas para promover a valorização e a qualificação do magistério da educação básica e o incentivo à docência no Brasil. De acordo com o Ministro da Educação, Camilo Santana, o investimento federal no programa leva em conta que o fator intraescolar mais impactante na aprendizagem dos estudantes no Brasil é o professor.
Uma visão que vai na contramão do modelo de educação que vêm sendo implantado pelo governo do estado do Pará, através da oferta do Ensino Médio Presencial Mediado por Tecnologia via Centro de Mídias da Educação Paraense (CEMEP), que a longo prazo, implanta teleaulas nos territórios, comunidades e regiões remotas no estado.
O Programa Mais Professores prevê, entre outras coisas, uma bolsa mensal de R$ 1.050 para estudantes de licenciatura aprovados pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu). O objetivo é atrair mais jovens para a docência e reduzir a evasão nos cursos de formação de professores, bem como
Além disso, o programa inclui a Bolsa Mais Professores, que oferecerá R$ 2,1 mil mensais para docentes da educação básica que atuem em regiões carentes, além de possibilitar a realização de uma pós-graduação lato sensu. Outra iniciativa anunciada foi a criação da Prova Nacional Docente (PND), que poderá substituir concursos públicos e estimular a qualificação da categoria.
A luta da categoria se soma a luta do movimento indígena pela defesa da educação pública no estado do Pará/ Foto reprodução SINTEPP (Via redes sociais)
Na contramão dessa política de incentivo, o governo do Pará sancionou a Lei 10.820/24, aprovada em caráter de urgência pela Assembleia Legislativa do Estado (Alepa) no final de 2024. O projeto foi votado sem transparência, de forma simbólica, sem registro nominal dos votos dos deputados, e sob forte repressão policial contra professores que protestavam na Alepa.
A nova lei impõe uma série de cortes e restrições que impactam diretamente a carreira docente e o direito à educação na Amazônia. Entre as principais mudanças estão:
Fim do Sistema Modular de Ensino (SOME) e substituição por aulas transmitidas por televisão para comunidades remotas, comprometendo o acesso à educação de indígenas, ribeirinhos e quilombolas.
Extinção das gratificações por titularidade, eliminando os adicionais salariais para professores com especialização, mestrado e doutorado.
Progressão na carreira prejudicada, com o fim da progressão automática por tempo de serviço e a exigência de avaliações subjetivas para avanço salarial.
Aumento da jornada de trabalho, sem direitos proporcionais, obrigando professores com carga de 40 horas a cumprirem dois turnos completos na escola.
Redução da aposentadoria, impactando diretamente a remuneração dos professores aposentados.
O professor Jesiel Andrade, coordenador de assuntos jurídicos do SINTEPP regional oeste, destaca que a Lei 10.820/24 representa um total retrocesso nos direitos adquiridos pela categoria da Educação no Pará, além de um desmonte na carreira docente no estado. Ele enfatiza ainda que a eliminação de gratificações trará impactos diretos na aposentadoria dos profissionais da educação da rede estadual.
Além da revogação da lei, outro ponto de pauta da luta em prol da educação no Pará é a exoneração do então Secretário de Educação Rossieli Soares/ Foto reprodução SINTEPP (Via redes sociais)
No entendimento do Ministério da Educação, a melhoria da educação no Brasil depende da presença de bons professores em sala de aula. Contudo, além dos ataques aos direitos dos profissionais da educação, a nova legislação do Estado do Pará precariza o ensino para os estudantes da Amazônia.
A imposição do ensino a distância por meio de aulas televisionadas para alunos do campo, rios e florestas , promovido pelo Centro de Mídias da Educação Paraense (CEMEP), que substitui o Sistema Modular de Ensino (SOME), ignora a realidade amazônica, onde o acesso à internet e à eletricidade ainda é um desafio para muitas comunidades.
Para especialistas, essa medida fere o direito à educação e aprofunda desigualdades, já que os estudantes mais vulneráveis terão menos acesso a um ensino de qualidade.
“Criar uma lei específica para a educação indígena não repara o estrago da Lei 10.820/24, pois os demais povos do campo, rios e florestas continuam desassistidos”, alerta o representante do SINTEPP.
Com essa nova configuração, os professores têm suas carreiras precarizadas e desvalorizadas, enquanto os alunos ribeirinhos, indígenas, quilombolas e do campo perdem o acesso à educação de qualidade.
Diante da aprovação da Lei 10.820/24, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Pará (SINTEPP) deflagrou greve no sistema estadual de ensino no dia 23 de janeiro, exigindo a revogação imediata da lei e a exoneração do secretário de Educação, Rossieli Soares.
Além da greve, a categoria tem fortalecido a luta dos povos indígenas, que seguem ocupando a sede da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) em Belém há 23 dias. A mobilização cresce a cada dia, com protestos e articulações para pressionar o governo a reverter as medidas impostas.
Além da ocupação da Seduc, a mobilização de indígenas, reforçada por profissionais da educação, tem promovido diversas outras manifestações e reivindicações em todo o estado, como o fechamento da BR 163, no município de Belterra, na região oeste do estado, há 21 dias.
Seguem as mobilizações na Seduc e na BR 163/ Foto Marta Silva (Tapajós de Fato)
A discrepância entre as políticas educacionais do governo federal e do governo do Pará escancara um paradoxo difícil de justificar. De um lado, há um esforço para atrair novos professores e valorizar a profissão; de outro, uma legislação que desestimula os docentes já atuantes, tornando a carreira menos atrativa e sobrecarregada.
A sanção da Lei 10.820/24 pode, inclusive, anular os efeitos positivos do programa Mais Professores no Pará. Afinal, que estudante se sentirá motivado a seguir a carreira docente se os profissionais que já atuam na rede pública enfrentam cortes e desvalorização?
Diante desse cenário, o movimento de professores e entidades sindicais exigem a revogação imediata da Lei 10.820/24.
A pergunta que fica é: de que adianta incentivar a formação de novos professores se, ao mesmo tempo, o governo do Pará desmonta a carreira docente e precariza a educação na Amazônia?