Quarta, 19 de Março de 2025
Política Vitória Histórica

Movimento Indígena pressiona e governo assina termo de compromisso de revogação da Lei 10.820/2024, no Pará

A nove meses de ser estado sede da COP30, o Pará vivencia um momento histórico. Depois de 22 dias mobilizados, os indígenas têm suas demandas atendidas. Como diz a letra do canto “eu balanço, eu balanço, eu balanço mais não caio e quando eu vou cair tem meu Tupã pra segurar…”.

05/02/2025 às 18h25 Atualizada em 05/02/2025 às 18h45
Por: Marta Silva
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Movimento indígena pressiona e governo do Pará sede e assina termo de compromisso que garante a revogação da lei 10.820/ Foto Nay Jinknss (@nayjinknss)
Movimento indígena pressiona e governo do Pará sede e assina termo de compromisso que garante a revogação da lei 10.820/ Foto Nay Jinknss (@nayjinknss)

Após 22 dias de ocupação da sede da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), em Belém, o movimento indígena e entidades sindicais alcançaram uma importante conquista: o governo do Estado do Pará firmou um compromisso para a revogação da Lei 10.820/2024, que fragilizava o Sistema Modular de Ensino (SOME) e afetava a educação pública nas regiões mais isoladas. O termo de compromisso foi assinado após forte mobilização e pressão popular, consolidando a resistência dos povos indígenas e dos trabalhadores da educação.

Isso é uma coisa muito importante para nós, que lutamos todos esses dias pela revogação dessa lei [...] Para nós é uma vitória nossa do povo indígena, do movimento social, de todos aqueles que apoiaram a nossa causa”, pontuou Marcílio Tupinambá que segue na ocupação da BR 163

O Início da Ocupação e a Luta Contra a Lei 10.820

A mobilização começou em 14 de janeiro, quando líderes indígenas ocuparam a Seduc, exigindo a revogação da nova legislação, que modificou a legislação do Sistema Modular de Ensino (SOME) e extinguiu o Sistema Modular de Ensino Indígena (SOMEI) e promovia um verdadeiro retrocesso em relação à carreira dos profissionais, retirando direitos conquistados. 

As mudanças em relação ao SOME e o SOMEI afetavam diretamente as comunidades tradicionais, onde a infraestrutura tecnológica é precária e a educação diferenciada é essencial para a preservação cultural e linguística dos povos originários.

Desde então, o governo estadual adotou uma postura de repressão e desmobilização. O governador Helder Barbalho e sua equipe usaram as redes sociais para criminalizar o movimento, e chegou a ser denunciado por estar divulgando fakenews sobre as reivindicações. 

Além disso, tentaram encerrar a ocupação com uma decisão judicial de reintegração de posse. No entanto, no dia 4 de fevereiro, a juíza federal Maria Carolina Valente do Carmo revogou a decisão, garantindo a permanência do movimento na Seduc.

Foto CITA (@citabt)

Ocupação indígena na BR163 também foi importante nesse processo de luta e pressão/ Foto CITA (@citabt)

 

Paralelamente à ocupação na SEDUC, o movimento encabeçou uma série de mobilizações em várias rodovias federais do estado, sendo a ocupação da BR 163, no KM 83, a mais significativa delas e duradoura. 

Marcílio Tupinambá lembrou que “toda vez que os direitos nossos são negados, eles são tirados de nós, se a gente lutar, se organizar, se fortalecer e lutar junto, nós somos capazes de vencer o Estado e todo o movimento contra a nossa vida, contra os direitos dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e nesse caso especialmente por direito à educação e ensino de qualidade para os nossos povos”, pontuou ele.

Pressão Nacional e Ação no STF

Paralelamente à ocupação, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7778), questionando a lei e sua incompatibilidade com os direitos constitucionais dos povos indígenas. A ministra Cármen Lúcia, em resposta, deu um prazo de cinco dias a contar de sua decisão no dia para que o governador Helder Barbalho e a Assembleia Legislativa do Estado (Alepa) explicassem as mudanças na legislação.

A Defensoria Pública da União (DPU) também moveu uma ação civil pública contra o governo do Pará, denunciando a propagação de fakenews e exigindo a responsabilização dos agentes estatais envolvidos. A ação pedia, ainda, uma indenização de R$ 10 milhões às comunidades afetadas pelas mudanças no ensino.

Foto CITA (@citabt)

Comissão reunida na SEPLAD para construção da minuta do termo de compromisso/ Foto CITA (@citabt)

 

Greve dos profissionais da educação 

Fortalecendo a luta em prol da revogação da lei 10.820, os profissionais da educação pública da rede estadual de ensino deflagraram greve no dia 23 de janeiro.

A partir da deflagração, vários momentos foram protagonizados por esses profissionais que se somaram a mobilização dos povos indígenas em atos na sede da Seduc, nas ruas de Belém e em outros municípios do estado, em frente a Assembleia Legislativa, na frente do Palácio dos Despachos durante reunião do governo com uma comissão indígena - reunião essa que na ocasião não resultou em avanços. 

Da mesma forma, profissionais da educação, alunos e sociedade civil organizada fortaleceram a ocupação na BR 163 e, se fizeram presentes durante os 21 dias de ocupação. 

Avanço nas Negociações e Assinatura do Termo

Governador Helder Barbalho assinando o termo de compromisso que sela a revogação da Lei 10.820/2024/ Foto reprodução redes sociais

 

Somente após 23 dias de mobilização, o governo sinalizou a possibilidade de revogação da lei e na manhã desta quarta-feira (5) lideranças indígenas, representantes do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Pará (Sintepp) e parlamentares se reuniram com a vice-governadora em exercício, Hana Ghassan. A reunião culminou na construção do termo de compromisso para revogação da Lei 10.820/2024, garantindo que a legislação será reformulada para manter o ensino presencial nas comunidades tradicionais.

Termos do Compromisso Assinado

O documento assinado estabelece, entre outras coisas, que:

  • O Poder Executivo encaminhará à Alepa um projeto de lei para revogar a Lei 10.820/2024 e repristinar as normas anteriormente revogadas.

  • Será criado um grupo de trabalho, composto por representantes dos povos indígenas, do governo e de sindicatos, para elaborar um novo projeto de lei que regule a educação indígena e modular.

  • O Estado compromete-se a não aplicar penalizações a servidores em decorrência da paralisação e a priorizar a lotação de servidores efetivos.

  • O governo abonará os dias de greve em 2025, desde que haja reposição das aulas.

  • Será garantido o pagamento de acordos judiciais homologados referentes à greve de 2015 e o Estado desistirá de processos judiciais contra os manifestantes.

  • O movimento se compromete a desocupar o prédio da Seduc e a indicar representantes para o grupo de trabalho.

Exoneração do Secretário Rossieli Soares

Segundo ponto de pauta da mobilização, a exoneração do então Secretário de Educação do Estado Rossieli Soares ficou de fora do termo de compromisso firmado entre os manifestantes e o governo. Ato estratégico para que se avançasse nas negociações e que se fosse priorizado a revogação da lei.

Contudo, é claro e evidente o desgaste da imagem do então secretário e para muitos, a imagem do governo também se fragiliza com a sua permanência no cargo.

Após a assinatura do termo de compromisso, quando questionado pelo professor Beto Andrade da coordenação do SINTEPP em relação a inviabilidade de se construir um diálogo com a atual gestão da SEDUC, Helder Barbalho enfatizou que “aqui está todo mundo desprovido de armas e querendo um diálogo. Então vamos, de forma recíproca, apostar que é possível nós vivermos um novo tempo, um tempo de diálogo”, falou o governador.

A força dos indígenas foi fundamental nesta luta/Foto José Marcos (Tapajós de Fato)

A Importância da Vitória e os Desafios Futuros

A conquista do movimento indígena é um marco na luta pelos direitos educacionais e territoriais na Amazônia. A mobilização demonstrou a força da união entre povos indígenas, comunidades ribeirinhas, quilombolas e profissionais da educação. Agora, resta garantir que a revogação seja oficializada e publicada, evitando retrocessos e fortalecendo a educação diferenciada nas comunidades tradicionais.

Então, para nós é um momento de vitória, só que ainda por enquanto, essa revogação não saia publicada no Diário Oficial do Estado, a gente não pode desocupar o espaço [sede da SEDUC]”, pontua Dadá Borari.

 

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