A Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS) voltou a intensificar o diálogo com comunidades quilombolas para discutir os impactos de um projeto de instalação de um terminal portuário no Lago do Maicá, em Santarém (PA) promovido pela Empresa Brasileira de Portos de Santarém (EMBRAPS). Entre os dias 13 e 17 de janeiro, representantes da FOQS, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e da empresa de consultoria responsável pelo Estudo do Componente Quilombola (ECQ) visitaram 12 comunidades da região para reuniões informativas.
O projeto do terminal portuário, que pode alterar profundamente o território, é motivo de preocupação para as comunidades quilombolas. Miriane Coêlho, presidente da FOQS, ressalta que, neste momento, o processo não se trata de consulta, mas de informação inicial.
“Nós estamos acompanhando esse momento, que não é um momento de consulta, isso deve ficar bem registrado, é um momento de informação do projeto e depois dessas informações, parte do processo é o estudo do componente quilombola. Então a gente [Federação] está acompanhando esse processo, os órgãos que são responsáveis, os órgãos federais e estaduais, também estão acompanhando e tudo isso, a gente sabe, depende da nossa anuência, né”, explica Miriane Coêlho.
O papel do INCRA no licenciamento ambiental e o Estudo do Componente Quilombola (EQC)
Antes responsabilidade da Fundação Palmares, o Estudo do Componente Quilombola, uma das etapas do processo de licenciamento ambiental, hoje é de responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, segundo a Instrução Normativa nº 111/2021.
Tiago Cantalice, coordenador geral do licenciamento ambiental em territórios quilombolas do INCRA, tem acompanhado a Federação das Organizações Quilombolas de Santarém nesse processo de realização de diálogos informativos com as populações. Processo esse que dá início aos Estudos do Componente Quilombola do projeto de construção do terminal portuário da EMBRAPS.
“A gente [o INCRA] fica nessa área responsável por acompanhar os processos de licenciamento de empreendimentos que potencialmente ou eventualmente impactem comunidades quilombolas em todo o país. Aqui em Santarém, a gente recebeu uma demanda da Federação das Organizações Quilombolas do município e realizamos uma reunião em novembro que marcou uma retomada de diálogos sobre um empreendimento específico que se chama Terminal de Uso Privado da EMBRAPS, e ficamos de agendar uma rodada de reuniões informativas para retomar o diálogo, de fato, com cada comunidade afetada”.
Tiago Cantalice, destaca ainda que o órgão atua como mediador no diálogo entre as comunidades, a empresa e outros agentes envolvidos. "Nosso papel é garantir que os direitos das comunidades sejam respeitados e que elas sejam devidamente informadas sobre os possíveis impactos do empreendimento. Logo, essas tratativas são para informar as comunidades sobre a proposta e também pra gente [o INCRA] por nossa vez, apresentar os direitos que as comunidades possuem e como é que é conduzido o trabalho e os estudos que são realizados ao longo do tempo”, reforça.
Construção de portos graneleiros em territórios quilombolas
O projeto da Empresa Brasileira de Portos de Santarém (EMBRAPS), tem como objetivo a instalação de um Terminal de Uso Privado em Santarém, na área do território do Maicá. O terminal, segundo Ito Braga de Morais, professor da Universidade Federal do Oeste do Pará e desenvolvedor do projeto de implantação, tem por objetivo a importação de grãos (soja e milho) produzidos no estado de Mato Grosso.
Contudo, Suzane Brasil, advogada popular da Terra de Direitos, que têm acompanhado as reuniões a convite da Federação reforça que há decisões judiciais, em âmbito federal e estadual, que impedem que a Prefeitura de Santarém autorize a construção de portos na região do Maicá por conta de problemas com a elaboração do plano diretor do município, que não teve escuta das comunidades respeitando o que prevê a legislação.
“A gente está acompanhando para garantir de que essas reuniões sejam efetivamente informativas, de que as informações sejam devidamente repassadas, contribuindo, também, para tirar dúvidas no que for necessário. E o que é muito importante, para explicar que esse processo de estudo do componente quilombola, que é o que faz parte desse momento das reuniões, não é uma consulta prévia, porque o instituto da Consulta Prévia Livre Informada, procedimento previsto pela OIT, não faz parte desse procedimento, que é o licenciamento ambiental. Então, esse é um momento muito importante, que as comunidades sejam bem informadas para garantir a segurança dos seus direitos e possam de fato se manifestar e colocar a realidade do que vai ser impactado nesse projeto”, reforça Suzane Brasil.
Os estudos conduzidos pela EMBRAPS, que são obrigatórios para a obtenção do Licenciamento Ambiental pro projeto, visam mapear os possíveis impactos ambientais e sociais do terminal portuário. Entre as preocupações estão a preservação do Lago do Maicá, importante para a subsistência e cultura das comunidades quilombolas, e as mudanças que a obra pode trazer para a dinâmica social, ambiental e econômica da região.
"Esses empreendimentos têm alterado drasticamente os territórios tradicionais e a vida das pessoas que ali vivem. Por isso, é fundamental que as decisões partam das comunidades, respeitando seus direitos e modos de vida", reforçou Cantalice.
As reuniões informativas realizadas pela FOQS incluíram comunidades como Saracura, Arapemã, Murumuru e Pérola do Maicá, além de outras. Ao todo, 12 comunidades receberam as reuniões informativas. O processo agora segue para a realização do Estudo do Componente Quilombola, que será determinante para avaliar os reais impactos do empreendimento.
Enquanto isso, a FOQS continua mobilizando as comunidades para garantir que suas vozes sejam ouvidas e respeitadas. "Então a gente acompanha e observa, e mais uma vez reforçando que o nosso atento, às pessoas, as nossas orientações, às comunidades quilombolas, é que esse direito não seja tirado do direito de ir e vir, direito de sobrevivência no território", finalizou Miriane Coêlho.