Quarta, 19 de Março de 2025
Coluna Popular Opinião

A Hidra Cabana do Baixo Tapajós Vive!

Quem estreia nossa Coluna Popular é Thiago Rocha, advogado popular do Coletivo Maparajuba

17/02/2025 às 14h16 Atualizada em 17/03/2025 às 15h07
Por: Tapajós de Fato Fonte: Thiago Rocha
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Jordana Ayres
Jordana Ayres

Nos idos de 1835, Belém, na Província do Grão-Pará, que hoje corresponde aos estados do Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Rondônia, era palco da maior revolução popular do Brasil, a Cabanagem. A única revolução em que o povo verdadeiramente ocupou o poder. Mas é importante fazer um esforço de compreender que este grande acontecimento, que muito tem a nos ensinar até hoje, iniciou antes do ano de 1835 e não encerrou em 1840. O espírito cabano segue vivo em muitas mentes e corações ainda hoje.

Após a queda da Cabanagem em Belém, ela permaneceu no seu provável ponto de origem e maior insurreição, o Baixo Tapajós. O exército cabano, com um forte estabelecido na comunidade Cuipiranga, pertencente ao atual Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, em Santarém, Pará, se manteve na luta, sendo considerado o ponto de maior resistência ao governo da época, o governo regencial. Era tão difícil para as tropas regentes vencerem os cabanos do Baixo Tapajós, que em documentos oficiais do governo à época classificaram o exército Cabano de Cuipiranga como Hidras Cabanas.

Hidra, para aqueles e aquelas que não conhecem, vem da mitologia grega, era um ser com corpo de dragão e diversas cabeças de serpentes, cabeças essas com capacidade regenerativa, onde ao cortar uma cabeça nascia outra, sendo quase impossível matar esse ser. Portanto, intitular o exército cabano do Baixo Tapajós de Hidra Cabana é uma referência a sua imensa força e imponência, visto que as tropas regentes tiveram extrema dificuldade em exterminar esse exército.

A Cabanagem é objeto de estudos ainda hoje, pois foi uma revolução complexa. No entanto, desde o dia 14 de janeiro, inicialmente, novamente com os povos do Baixo Tapajós, alguns dos cabanos atuais, tivemos a oportunidade de vivenciar a II Cabanagem, onde indígenas ocuparam a SEDUC, em Belém, do Pará, e mobilizaram todo estado para questionar e impor a revogação da Lei 10.820/2024, que prejudicava o Sistema Modular de Ensino (SOME) e Sistema Modular de Ensino Indígena (SOMEI), o que provocaria prejuízos à educação do Pará.

A II Cabanagem se espalhou“como fogo em relv a ressequida”, pois imediatamente começaram a se somar outros indígenas à ocupação da SEDUC, assim como a categoria dos professores aderiram à greve se somando na luta, e em pouco tempo o Pará estava tomado pelos novos cabanos. Similar a I Cabanagem, não havia um único ponto de resistência, pois a BR-163, assim como outras estradas, foram ocupadas por outros indígenas, aumentando a força do movimento. A esse cenário se somaram uma frente jurídica e outra de comunicação popular.

Diante do alto nível de resistência dos novos cabanos, o governador chegou ao cúmulo de tentar colocar parente contra parente, assim como também ocorreu na I Cabanagem.

No entanto, o governador tentou pôr fim ao movimento, chamando os indígenas para uma reunião de negociação no Palácio dos Despachos e os novos cabanos nos deram um grande ensino ao afirmarem “direitos não se negociam”, e seguiram ocupando a SEDUC e BRs. O cenário desse dia parecia de guerra em Belém, no Pará, pois a capital parou com tantos policiais militares nas ruas para receberem 40 indígenas. Aqui temos outro ensinamento, não importa a quantidade do nosso exército, os encantados estarão sempre conosco.

A comunicação popular foi de grande valia nesse processo, pois a imagem do governo começou a ficar desgastada diante do evento da COP30, tão próximo.

Finalmente, no dia 12 de fevereiro de 2025, no dia da celebração de 20 anos do martírio da Irmã Dorothy, com a praça da frente da Assembleia Legislativa do Pará (ALEPA) tomada pelos novos cabanos, praça onde os cabanos da I Cabanagem tomaram o poder, tivemos a Lei Estatual 10.820/2024 revogada, onde, novamente, os cabanos e cabanas tomaram o poder e impuseram derrota ao “Rei da Morte”, governador Helder Barbalho.

Diante disso, nos resta uma certeza, o governo regencial nunca exterminou as Hidras Cabanas, pois ela permanece viva e pronta para seguir enfrentando os poderosos que ousam tentar destruir os territórios originários e tradicionais

Viva a Segunda Cabanagem!

 

*As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as do Tapajós de Fato. Nosso objetivo é estimular a participação da população a enxergar a comunicação como ferramenta de luta.

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